sábado, 27 de setembro de 2014

Os Hermanos e Nós

Esta crítica ao livro “Os Hermanos e Nós” – Ariel Palacios e Guga Chacra – Ed. Contexto – 2014 – 254 págs. – poderia se iniciar com outro título: Por que eu não gosto de livros sobre futebol? Aí há que se fazer uma diferenciação: não é que eu não goste de livros sobre futebol em geral. Aos poucos surgem no mercado obras que utilizam o futebol como pano de fundo para uma estória, obras de ficção. Ou ainda existem aqueles livros que documentam um fato histórico, objeto de uma minuciosa pesquisa, e que são verdadeiras enciclopédias a serem visitadas e revisitadas pelos leitores, a título de consulta.

Porém, essa classe de livros a que estou me referindo infelizmente é a que se enquadra o livro que vou analisar neste post. “Hermanos (...)” foi escrito pela dupla de jornalistas Ariel Palacios e Guga Chacra, ambos com históricos de vivência em terras argentinas. A princípio, portanto, talhados para o desafio de expor como seria este relacionamento que nos pauta, como amantes do futebol, de maior rivalidade na América do Sul – quiçá, no mundo, porém isto é um tema para outro blog, polêmico, lhes adianto, pois passando por povos distintos, cada um deles terá seu próprio “clássico” mundial. Nem mesmo Brasil e Argentina é pacífico enquanto maior rivalidade – os uruguaios talvez se considerem eles os maiores desafiantes dos argentinos.

Voltando ao nosso tema central, estava eu dissertando sobre os autores. “Ariel Palacios vive em Buenos Aires desde a década de 1990 (...). Correspondente do jornal O Estado de São Paulo e do canal de notícias Globo News (...)”. Já Guga Chacra “(...) é comentarista de política internacional de O Estado de São Paulo e do programa Globo News em pauta em Nova Iorque”, também já tendo morado na Argentina. Ou seja, são jornalistas de gabarito, que certamente teriam a capacidade de ter feito uma pesquisa profunda sobre o tema futebol! O qual, ao final, eles pareceram não dominar, infelizmente. Vamos aos exemplos:

Ø  “Flamengo, Corinthians (até 2013) e Bahia não possuem estádios próprios. O Boca Juniors, por sua vez, tem a Bombonera como seu símbolo. Nesse sentido, o Internacional se assemelharia mais, com o Beira Rio, assim como o Atlético-MG, com o Independência” – págs. 44-45. O Independência, somente na campanha realizada recentemente na Libertadores, foi que se caracterizou como um estádio “alçapão”, casa do Atlético Mineiro. Porém, na verdade, oficialmente, ele é casa do América-MG. O Atlético o arrenda para realizar seus jogos lá;
Ø  “(Fillol) Ficou dois anos no time do Rio de Janeiro, entre 1984 e 85, antes de se transferir para o Atlético de Madrid. Seu único título no Brasil foi uma Copa Guanabara” – pág. 49 (grifo nosso). OK, os dois autores viveram na Argentina durante muito tempo e devem estar confundindo o termo “Taça”, como é conhecido o tradicional torneio carioca com o termo “Copa”, que é o equivalente a taça em espanhol;
Ø  “Mascherano – (...) Hoje é um dos maiores meio-campistas do mundo” – pág. 50. Mascherano fez uma grande Copa do Mundo, em 2014, sendo um dos líderes da seleção Argentina, auxiliando fortemente para que ela chegasse à final. Era a alma digamos assim, enquanto o qualificativo técnico ficava para outros jogadores. Mas daí a dizer que ele é um dos maiores meio-campistas do mundo vai uma distância enorme!;
Ø  No levantamento feito sobre jogadores brasileiros que atuaram na Argentina com alguma relevância esqueceram de incluir o meio-campista Silas, que brilhou inicialmente no São Paulo, numa geração treinada por Cilinho que tinha ainda Müller, que chegou a ser campeão mundial em 1994 – Silas participou de duas Copas do Mundo – 1986 e 1990. “Em abril de 1995, foi para a Argentina aonde, com 24 gols marcados em 95 jogos, tornou-se ídolo do San Lorenzo vencendo o Campeonato Argentino daquele ano. É até hoje considerado o melhor camisa 10 que passou pelo clube na década de 1990” (1);
Ø  “As justificativas lembram, de certa forma, as do São Paulo. O time paulista se orgulha de ser o detentor de mais títulos e, pelo menos até 2013, do mais importante estádio da capital paulista – o Itaquerão, do Corinthians, a partir de 2014, se tornaria o principal” – pág. 101. Afirmativa altamente questionável, não pelo São Paulo em si, mas pela existência de outros tradicionais estádios naquele Estado, como o próprio Pacaembu.

Estes equívocos acabam por macular a seriedade do livro em questão. Seus dados apresentados passam a não ser dignos de total confiança. Aliás, esse é o pecado mortal deste tipo de trabalho. Livros sobre futebol costumam ser “datados”, ou seja, quando dão grande ênfase às estatísticas eles servem até um determinado ponto da história – e mesmo assim quando possuem dados seguros. Porém, com o passar dos anos – e com o advento da internet, porque não dizer – sua utilidade vai decrescendo, e eles passam a não ter tanta importância assim na prateleira.

Colocações como as que foram feitas logo na abertura do livro – “Os demais apenas observam a nossa superioridade. Tudo bem, Itália, Alemanha e mesmo a Espanha e a França podem fazer frente a Brasil e Argentina. Mas nenhuma dessas nações, nem mesmo os italianos com suas quatro Copas do Mundo, consegue despertar a magia do drible e do passe dos sul-americanos. E nem se fale de nossa capacidade de produzir tantos craques em todas as gerações” – pág. 10 – são verdades, algumas delas, que caíram por terra após a última Copa.

O que o livro tem de forte? Justamente o olhar sobre a cultura do nosso vizinho. Certamente esta é a maior qualidade e algo inerente às áreas de atuação dos dois autores – que não se especializaram em jornalismo esportivo. Informações que para algumas pessoas poderiam passar despercebidas – por exemplo, o fato de que mais de 50% dos argentinos ser descendente de italianos; a origem da palavra “hincha” para torcedor em castelhano – na verdade a partir de um uruguaio que enchia (hinchava) as bolas para o Nacional de Montevidéu e era um torcedor famoso dessa equipe, passando a ser conhecido como “El Hincha”; ou ainda sobre a culinária no entorno dos estádios portenhos, com sua respectiva origem (o famoso molho chimichui) – estão lá.

Porém, este mérito não tira o defeito de se parecer, claramente, um livro “de ocasião”, compilado meio que às pressas para aproveitar o boom da Copa do Mundo. Mesmo a narrativa parece meio quebrada, com informações que se repetem, como se na dinâmica da divisão de tarefas entre os dois autores eles não tivessem tido o cuidado de eliminar duplicidades de informações. Enfim, em que pese ter sido útil para que eu pudesse incomodar meus colegas argentinos com algumas brincadeiras e dados dali retirados, não é um livro que eu recomendaria a compra. No máximo, pegaria emprestado.