Esta
crítica ao livro “Os Hermanos e Nós” – Ariel Palacios e Guga Chacra – Ed.
Contexto – 2014 – 254 págs. – poderia se iniciar com outro título: Por que eu
não gosto de livros sobre futebol? Aí há que se fazer uma diferenciação: não é
que eu não goste de livros sobre futebol em geral. Aos poucos surgem no mercado
obras que utilizam o futebol como pano de fundo para uma estória, obras de
ficção. Ou ainda existem aqueles livros que documentam um fato histórico, objeto
de uma minuciosa pesquisa, e que são verdadeiras enciclopédias a serem
visitadas e revisitadas pelos leitores, a título de consulta.
Porém,
essa classe de livros a que estou me referindo infelizmente é a que se enquadra
o livro que vou analisar neste post. “Hermanos (...)” foi escrito pela dupla de
jornalistas Ariel Palacios e Guga Chacra, ambos com históricos de vivência em
terras argentinas. A princípio, portanto, talhados para o desafio de expor como
seria este relacionamento que nos pauta, como amantes do futebol, de maior
rivalidade na América do Sul – quiçá, no mundo, porém isto é um tema para outro
blog, polêmico, lhes adianto, pois passando por povos distintos, cada um deles
terá seu próprio “clássico” mundial. Nem mesmo Brasil e Argentina é pacífico
enquanto maior rivalidade – os uruguaios talvez se considerem eles os maiores
desafiantes dos argentinos.
Voltando
ao nosso tema central, estava eu dissertando sobre os autores. “Ariel Palacios
vive em Buenos Aires desde a década de 1990 (...). Correspondente do jornal O Estado de São Paulo e do canal de
notícias Globo News (...)”. Já Guga Chacra “(...) é comentarista de política
internacional de O Estado de São Paulo
e do programa Globo News em pauta em
Nova Iorque”, também já tendo morado na Argentina. Ou seja, são jornalistas de
gabarito, que certamente teriam a capacidade de ter feito uma pesquisa profunda
sobre o tema futebol! O qual, ao
final, eles pareceram não dominar, infelizmente. Vamos aos exemplos:
Ø
“Flamengo,
Corinthians (até 2013) e Bahia não possuem estádios próprios. O Boca Juniors,
por sua vez, tem a Bombonera como seu símbolo. Nesse sentido, o Internacional
se assemelharia mais, com o Beira Rio, assim como o Atlético-MG, com o
Independência” – págs. 44-45. O Independência, somente na campanha realizada
recentemente na Libertadores, foi que se caracterizou como um estádio “alçapão”,
casa do Atlético Mineiro. Porém, na verdade, oficialmente, ele é casa do
América-MG. O Atlético o arrenda para realizar seus jogos lá;
Ø
“(Fillol)
Ficou dois anos no time do Rio de Janeiro, entre 1984 e 85, antes de se
transferir para o Atlético de Madrid. Seu único título no Brasil foi uma Copa Guanabara” – pág. 49 (grifo nosso).
OK, os dois autores viveram na Argentina durante muito tempo e devem estar
confundindo o termo “Taça”, como é conhecido o tradicional torneio carioca com
o termo “Copa”, que é o equivalente a taça em espanhol;
Ø
“Mascherano
– (...) Hoje é um dos maiores meio-campistas do mundo” – pág. 50. Mascherano
fez uma grande Copa do Mundo, em 2014, sendo um dos líderes da seleção
Argentina, auxiliando fortemente para que ela chegasse à final. Era a alma
digamos assim, enquanto o qualificativo técnico ficava para outros jogadores.
Mas daí a dizer que ele é um dos maiores meio-campistas do mundo vai uma
distância enorme!;
Ø
No
levantamento feito sobre jogadores brasileiros que atuaram na Argentina com
alguma relevância esqueceram de incluir o meio-campista Silas, que brilhou
inicialmente no São Paulo, numa geração treinada por Cilinho que tinha ainda
Müller, que chegou a ser campeão mundial em 1994 – Silas participou de duas
Copas do Mundo – 1986 e 1990. “Em
abril de 1995, foi para a Argentina aonde, com 24 gols marcados em 95 jogos,
tornou-se ídolo do San Lorenzo vencendo o Campeonato Argentino daquele ano. É
até hoje considerado o melhor camisa 10 que passou pelo clube na década de 1990”
(1);
Ø
“As justificativas lembram, de certa forma, as
do São Paulo. O time paulista se orgulha de ser o detentor de mais títulos e,
pelo menos até 2013, do mais importante estádio da capital paulista – o Itaquerão,
do Corinthians, a partir de 2014, se tornaria o principal” – pág. 101.
Afirmativa altamente questionável, não pelo São Paulo em si, mas pela
existência de outros tradicionais estádios naquele Estado, como o próprio
Pacaembu.
Estes
equívocos acabam por macular a seriedade do livro em questão. Seus dados
apresentados passam a não ser dignos de total confiança. Aliás, esse é o pecado
mortal deste tipo de trabalho. Livros sobre futebol costumam ser “datados”, ou
seja, quando dão grande ênfase às estatísticas eles servem até um determinado
ponto da história – e mesmo assim quando possuem dados seguros. Porém, com o
passar dos anos – e com o advento da internet, porque não dizer – sua utilidade
vai decrescendo, e eles passam a não ter tanta importância assim na prateleira.
Colocações
como as que foram feitas logo na abertura do livro – “Os demais apenas observam
a nossa superioridade. Tudo bem, Itália, Alemanha e mesmo a Espanha e a França
podem fazer frente a Brasil e Argentina. Mas nenhuma dessas nações, nem mesmo
os italianos com suas quatro Copas do Mundo, consegue despertar a magia do
drible e do passe dos sul-americanos. E nem se fale de nossa capacidade de
produzir tantos craques em todas as gerações” – pág. 10 – são verdades, algumas
delas, que caíram por terra após a última Copa.
O
que o livro tem de forte? Justamente o olhar sobre a cultura do nosso vizinho.
Certamente esta é a maior qualidade e algo inerente às áreas de atuação dos
dois autores – que não se especializaram em jornalismo esportivo. Informações que
para algumas pessoas poderiam passar despercebidas – por exemplo, o fato de que
mais de 50% dos argentinos ser descendente de italianos; a origem da palavra “hincha”
para torcedor em castelhano – na verdade a partir de um uruguaio que enchia
(hinchava) as bolas para o Nacional de Montevidéu e era um torcedor famoso
dessa equipe, passando a ser conhecido como “El Hincha”; ou ainda sobre a
culinária no entorno dos estádios portenhos, com sua respectiva origem (o famoso
molho chimichui) – estão lá.
Porém,
este mérito não tira o defeito de se parecer, claramente, um livro “de ocasião”,
compilado meio que às pressas para aproveitar o boom da Copa do Mundo. Mesmo a
narrativa parece meio quebrada, com informações que se repetem, como se na
dinâmica da divisão de tarefas entre os dois autores eles não tivessem tido o
cuidado de eliminar duplicidades de informações. Enfim, em que pese ter sido
útil para que eu pudesse incomodar meus colegas argentinos com algumas brincadeiras
e dados dali retirados, não é um livro que eu recomendaria a compra. No máximo,
pegaria emprestado.
(1)
http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/secopa/default.php?reg=16&p_secao=39
– acessado em 27 de Setembro de 2014.