sexta-feira, 30 de março de 2018

A Última Estrela


Sempre é um desafio fazer uma crítica sobre um livro que completa uma trilogia. O motivo é bem simples: como fazê-lo se, ao menos, lemos os dois anteriores e já dissertamos sobre eles? Como fazê-lo sem antecipar expectativas geradas nos fãs da odisseia?

“A Última Estrela” completa a trilogia iniciada com “A 5ª Onda”, cujo segundo volume foi “O Mar Infinito”, por nós resenhado há pouco tempo. A princípio “A Última Estrela” padece do que considerei os mesmos erros de “O Mar Infinito”: a opção do autor por diversos narradores, o que acaba por afetar a dinâmica da narrativa. Porém, diferentemente do volume anterior, ao invés de cada narrador voltar ao ponto inicial já exposto por outro personagem, esse continua justamente do trecho/cena no qual houve a parada quando da “passagem de bastão”. Ou seja, houve um avanço, o que faz com que a estória evolua mais rapidamente.

Fonte: http://saidaminhalente.com/a-ultima-estrela-rick-yancey/
O livro de Rick Yansey, publicado pela Editora Fundamento, de São Paulo, em 2016, tenta fechar a trajetória de um grupo de adolescentes e crianças que luta contra uma raça alienígena que busca o extermínio da humanidade para o que aparentemente seria uma ocupação do planeta Terra quando este estivesse em melhores condições do que as deixadas por nós. Nesse sentido, apesar do toque belicista, tem-se uma mensagem clara de como estamos ultrapassando alguns limites na conservação de nosso lar.

Ter crianças e adolescentes como protagonistas – ao ponto de um menino de 6 anos matar um dos vilões como se fosse um aprendiz no faroeste (lembro-me nesse momento dos meninos-soldados que existem em alguns rincões da África ou aqueles que são cooptados por traficantes nesse nosso Brasil) – deixe um quê de incredulidade no leitor. Mas como se trata de ficção-científica e estamos falando mais uma daquelas obras que explora futuros distópicos, existe uma certa margem para a imaginação.

Outro aspecto que me preocupei em observar é se o sentimento de desapontamento com os finais de trilogia – ainda mais aquelas na linha citada acima – se repetiria com a “A Última Estrela”. Confesso que o final foi distinto do que esperava. Confesso ainda que foi um final que não necessariamente me agradou. Mas isso seria o suficiente para dizer que foi um desapontamento? A visão pode ser distinta de um leitor com parâmetros diferentes dos meus. Mas a impressão que fiquei é que dificilmente a trilogia terá continuidade na telona, já passado algum tempo da adaptação do primeiro volume. Pelo menos como termina seria mais objeto de críticas dos fãs do que de elogios.

Na verdade, nosso lado romântico deixa-nos levar pela expectativa de que no final sempre tudo dará certo e o rumo das coisas no embate entre o Bem e o Mal levará necessariamente a que todos os protagonistas tenham seus desejos atendidos. A vida não é esta linha reta de uma trajetória conhecida. Ela tem seus desvãos, curvas e volteios com os quais temos que lidar e saber superar. Esta é outra mensagem dada pela obra. Por mais difícil que seja o que interessa é caminhar para frente, construir um futuro exequível com o que temos à mão. Muitas vezes isso significa tomar decisões difíceis – e desagradáveis. Mas sempre com o intuito de alcançar um bem maior mais à frente.

Por último, acho que os leitores desta trilogia devem ficar atentos a um aspecto interessante, mérito do autor e cujo desafio é grande quando se trata de estórias com múltiplos protagonistas: dar o equilíbrio de importância entre os personagens. Avaliando com calma a trajetória traçada, percebi que aquele personagem que imaginei como central para a trama ao final se mostrou como coadjuvante, de acordo com o avanço do texto. E aquele que havia se apresentado como coadjuvante em seu início passa a ser central para a boa evolução da obra, se tornando o eixo das soluções ao final. Isso se deve ao processo contínuo do autor de avaliar e reavaliar seu próprio texto e seus “filhos”, identificando quem melhor lhe dará retorno.

Enfim, se eu pudesse dar um recado para aqueles que vêm acompanhando e lendo a trilogia é: desapeguem de seus ídolos. Eles podem ser menos importantes do que você imagina ao final. A vida apresenta inúmeras oportunidades. E muitas vezes aquele amigo que você tinha relegado a um segundo plano pode ser o que tem a solução para os seus problemas e apoio de que você precisa.

sábado, 10 de março de 2018

Tudo Urge no Meu Estar Tranquilo


Sou leitor de prosa. Minha vida praticamente inteira tem sido ler prosa e escrever prosa, além de escrever sobre prosa. Poesia apenas quando criança, ou quando estava tremendamente inspirado pelas emoções. Talvez eu seja analítico, racional demais para ter uma mente profícua em poesia. Porque poesia para mim é isso – palavras impulsionadas por emoções.

Por isso quando ganhei um livro de poesias, com direito a dedicatória do autor, fiquei um pouco surpreso. Mas não sou de fugir de desafios da literatura. Em “Tudo Urge no Meu Estar Tranquilo”, de Luiz Felipe Leprevost – Editora Encrenca – Curitiba – 2017 – 116 páginas – somos inundados por emoções. Isso garante emoções ao leitor? Isso depende da sensibilidade de cada um.

A impressão que eu tenho, como leitor de prosa, é de que os escritores de prosa, diferentemente dos poetas, escrevem em sua maioria para uma terceira pessoa. Já o poeta escreve para si mesmo, mesmo tendo uma inspiração externa. Ele quer externar suas emoções para encantar. E somente encanta quando fica satisfeito consigo mesmo. O olhar é interior, e não exterior. O “meu estar tranquilo” de Leprevost.

A estrutura do livro, para quem está acostumado a ler capítulos, seções, etc, causa estranheza. Os poemas não têm títulos. Não se sabe quando um começa e o outro termina. Se intui por um espaçamento diferenciado ou por uma mudança sutil de tema. No início, para um leitor como eu, isso irrita. Fico procurando uma lógica – mas poesia não é para ter lógica. Talvez seja essa a diferença também entre paixão e o amor maduro. Não quero dizer que o amor maduro tem lógica. Estamos falando de sentimentos, ora bolas. Mas é um “estar tranquilo” entre dois, e não é o “meu estar tranquilo” isolado.

Luiz Felipe Leprevost (Fonte: www.globo.com)
A única divisão a qual Leprevost se permite são duas dedicatórias em meio ao livro (existem também poemas específicos dedicados), o que faz com que a obra aparente ter 3 partes. A primeira – chamemos de introdução ao universo linguístico e performático do autor – que não é dedicada a ninguém (seria a ele mesmo?), inicia-se com uma citação de Gregory Corso, poeta americano – “Tudo é resposta / não preciso saber a resposta”, a qual achei particularmente sintomática como sensação a qual tive durante toda a leitura. Sou um homem de respostas. Mas os poetas nos oferecem não-respostas. A segunda, denominada “Isso sempre me pareceu furioso” (pág. 53), é dedicada à Bruna, com uma citação ao autor Antonio Cisneros, poeta peruano – “É difícil fazer amor mas se aprende”; e a terceira, “Na cidade do século XXI” (pág. 91), dedicada à Guilherme Daldin, comunicador paranaense, com uma citação de William Blake, poeta inglês – “e porque sou feliz e danço e canto / acreditam que não me fizeram / nenhum dano”.

Da qualidade do texto em si, como não sou um expert, não me atreveria a fazer considerações. Posso falar somente do que mais me agradou. E nesse sentido se destacaram para mim os poemas curtos, de no máximo 4 versos, encerrado numa estrofe simples. Seria, talvez, a versão Leprevost para os hai kais japoneses? A impressão que me ficou é que para os poemas mais longos ele se perdia na mensagem que queria (?) passar. Mas os poetas, egoístas como aparentam ser, algumas vezes não se preocupam com a mensagem clara, mas sim em expor o que vem à mente, movidos, mais uma vez, pelos fortes sentimentos que estão lhes tocando.

Outro ponto que notei foi que justamente o autor aproveitava alguns desses pequenos poemas como trechos de seus poemas mais longos. Seria como se ele os tivesse anotado num post it anteriormente, no próprio livro, para depois inseri-los num outro contexto, que ele construiria com mais calma mais à frente.

Não tenho como encerrar esta análise dizendo “recomendo” ou “não recomendo”. Este mundo é tão diverso do qual eu estou acostumado, que seria leviano da minha parte apontar algo nesse sentido. Enfim, a poesia nunca foi para ser entendida, mas sentida. E se este é o parâmetro a que eu deveria me ater, eu diria para vocês que meu sentimento foi de estranhamento. Busquei lógica aonde necessariamente ela não deveria estar. Enfim, abaixo lhes deixo um pequeno exemplo do que encontrarão no livro se se interessarem por esta jornada:

os pés, guerreiros nos nossos corpos
vão pela imposição da gravidade
sustentando o que está em cima
na emergência, na irreflexão dos dias

e voltam da voragem da noite
exauridos de andar sobre narizes brancos
e grudentas poças de cerveja barata

até que finalmente podem descalçar
seus tênis sujos e mudar de posição
deixando que os cacos de vidro que
trouxeram da rua se dissolvam

e só então, como ternuras deitadas
debaixo do cobertor do resguardo
voltam os quatro a se ninar e mimar
agradar, nutrir, acarinhar e afagar
(pág. 62)

sábado, 3 de março de 2018

O MAR INFINITO


Séries distópicas infanto-juvenis viraram uma moda no século XXI. Filmes e livros retratam, em sequência, um futuro pessimista para a humanidade. Catástrofes naturais, invasões de alienígenas, destruição pelas nossas próprias mãos via guerras empreendidas, etc. A saga iniciada com a obra “A 5ª Onda”, de autoria de Rick Yancey não é diferente.

O livro por mim lido – e agora resenhado, “O Mar Infinito”, é o segundo na sequência de estórias sobre como alienígenas dominam a Terra buscando a eliminação da humanidade por intermédio de ataques sequenciados – as “ondas” – efetuados de diversos modos. Tal lógica remete, de leve, à Bíblia e o relato das 7 pragas do Egito. Tais alienígenas se fazem presentes tendo, aparentemente, sido incorporados por humanos desavisados, que “emprestaram” seus corpos para os invasores.

Este, porém, é apenas o pano de fundo para mais uma vez revelar heróis precoces – adolescentes e até crianças (lembraram de “Divergente”?) – que de algum modo conseguem escapar de seus captores e buscam ser a redenção da espécie humana. Tendo como aliado de primeira mão o suposto alienígena Evan Walker, dotado de qualidades sobre-humanas, uma trupe de sete jovens – Ben (Zumbi), Especialista, Teacup (7 anos) – no primeiro filme da saga o personagem é retratado como uma adolescente (interpretada pela atriz Talitha Bateman), Cassie, Pão de Ló, Dumbo (12 anos) e o pequeno Sam (5 anos) – estão isolados logo no início desse segundo capítulo da saga num hotel abandonado.

Cassie está apaixonada por Evan Walker, que no final de “O Mar Infinito” causou um incidente que propiciou a oportunidade da fuga dos demais. E o grupo está reunido, liderado por Ben – eventual concorrente de Walker pelo coração de Cassie - apenas no aguardo do surgimento do alienígena-aliado, que havia prometido se juntar a eles. Porém, como já estão há muito tempo nessa espera, decidem enviar a adolescente Claire (Especialista) para verificar se existe um espaço mais seguro para se esconderem junto a cavernas em montanhas próximas. Walker, por sua vez, tem seus próprios problemas para se juntar ao grupo, que são deslindados durante a obra.

A questão colocada pelo autor está vinculada aos dilemas básicos que os adolescentes e pré-adolescentes enfrentam – confiança, amor precoce, enfrentamento aos conceitos estabelecidos – com a perspectiva de terem que identificar uma solução para superarem seres com tecnologia superior, e que estão em vantagem numérica e tática – afinal, os alienígenas conseguiram se travestir de humanos, cooptar alguns (ah, os humanos e suas pequenas ganâncias) e incutir a dúvida na cabeça de todos tanto quanto a quem são seus aliados e quais são seus próximos passos.

Rick Yancey - www.rickyancey.com
Assisti a primeira trama – “A 5ª Onda” – nos cinemas. E a sensação que saí da sala foi de quero mais. Ter um ator da qualidade de Liev Schreiber no papel do principal alienígena do mal (Coronel Vosch) ajuda. A segunda obra instigou ainda mais essa curiosidade, acrescentando elementos interessantes principalmente no terço final do livro de 248 páginas editado pela Fundamento e publicado no Brasil em 2015. O primeiro terço é dedicado a apresentar as distintas visões de cada um dos principais personagens sobre a sequência inicial. Assim temos diferentes narradores, o que cansa a princípio. Gosto mais deste tipo de artifício em romances policiais e/ou de suspense, que dão sustentação a uma narrativa. Em ficção científica distópica busca-se mais ação do que discurso. Em que pese o blábláblá político de “Jogos Vorazes” também ter funcionado.

O livro ganha em dinamismo quando se concentra em Walker e na Especialista. Esta última se revela, então, diferentemente do que poderia ter sido entendido pela obra cinematográfica do primeiro capítulo, personagem central da trama. Para Cassie Sullivan são reservados novos momentos de protagonismo no terceiro capítulo, denominado “A Última Estrela” – e devidamente já adquirido para leitura dentro em breve.

Em resumo: para um curioso como eu, amante de livros e ficção científica, vale a pena. Obra para um público específico, portanto. Porém, se alguém for iniciar diretamente por este segundo capítulo, poderá não ser fisgado de imediato e deverá ter um pouco de paciência – além de, talvez, para acelerar o processo de imersão, ter que recorrer ao filme ou livro inicial para melhor se contextualizar.