terça-feira, 20 de novembro de 2018

JORGE LUIS BORGES


Diferentemente do que faço normalmente, o post desta vez irá girar em torno de um autor e sua produção poética. Tal fato foi motivado pelo presente recebido e que me serve de base para algumas considerações por este ícone argentino que é Jorge Luis Borges. O presente a que me refiro trata-se um volume que compila 3 obras dele – “El Outro, El Mismo”, “Para las Seis Cuerdas”, e “Elogio de la Sombra”, publicadas em conjunto pela Editora Sudamericana, de Buenos Aires, neste ano, contendo 272 páginas do linguajar “lamentoso” que a meu ver se sobressai. Mas este linguajar seria típico de Borges? Ou dos argentinos como um todo?

Fonte: https://articulo.mercadolibre.com.ar/

Conhecia fama de Borges como escritor de contos, mas nunca me estimulei ao ponto de comprar algo. Provavelmente pela minha rejeição ao chamado realismo fantástico dos escritores sul-americanos, corrente com a qual se identificam, por exemplo, Gabriel García Márquez (Colômbia), Manuel Scorza (Peru), Mario Vargas Llosa (Peru), Julio Cortázar (Argentina), Arturo Uslar Pietri (venezuelano considerado o pai do realismo mágico), Murilo Rubião (Brasil), José J. Veiga (Brasil), Alejo Carpentier (Cuba), Miguel Angel Astúrias (Guatemala) e Carlos Fuentes (México). Nesta busca-se fundir o universo mágico à realidade, mostrando elementos irreais ou estranhos como algo habitual e corriqueiro. Além desta característica, o realismo mágico apresenta os elementos mágicos de forma intuitiva (sem explicação).

Borges realmente ganharia fama internacional a partir da década de 30 do século passado através dos contos, e não da poesia. Porém, esta – a poesia – casa muito bem com a corrente do realismo fantástico, dada a sua própria definição acima relatada. Ora, poesia é um gênero literário caracterizado pela composição em versos estruturados de forma harmoniosa. É uma manifestação de beleza e estética retratada pelo poeta em forma de palavras. No sentido figurado, poesia é tudo aquilo que comove, que sensibiliza e desperta sentimentos. É qualquer forma de arte que inspira e encanta, que é sublime e bela. Assim que não me estranha que seus versos também sejam decantados como impactantes.

De todo modo, da compilação da Editora Sudamericana especificamente falando, algumas coisas me chamaram a atenção. Na própria apresentação na contracapa são ressaltados alguns elementos, objetos centrais dos textos que a compõem: Buenos Aires, menções à cultura grega e anglo-saxã*, literatura – poemas dedicados a autores diversos – e filosofia, com especial enfoque ao homem como um ser único em suas características. Além disso os enfrentamentos entre dois ou mais personagens – enredos de embates à faca são comuns, o que traz uma ambiguidade de identificação, já que “milonga” tanto pode ser definida como isto, como também um gênero musical ao qual o autor possuía admiração. Deve-se ressaltar que, ao princípio, a milonga era um tipo de poema cantado, onde as letras eram mais importantes do que a música. Ou seja, aí temos mais uma referência coerente. Por último, Borges também apresenta predileção pelos temas da ética e da velhice, preocupação natural para alguém que observou sua capacidade de criação ser limitada a partir de uma determinada idade por conta de problemas com a evolução de um quadro de cegueira.

*Parte de sua formação foi nesse idioma, o qual está presente apenas uma única vez, num poema de até fácil leitura (págs. 22-25 – Two English Poems), demonstrando a minha tese de ficamos muito mais confortáveis para expressar nossos dotes artísticos em nosso idioma natal, dada as maiores possibilidades em termos de repertório, por mais que dominemos um idioma estrangeiro.

Assim, enquanto seguia a leitura das poesias de Borges, me peguei por diversas vezes na esperança de que na página seguinte eu fosse brindado com um ou outro conto. Isto só veio a acontecer na terça e última parte – “Elogio de la Sombra”, a partir da página 193. Desse modo, para um leitor que tenha o mesmo perfil que o meu – não tão afeito a poesias – o livro não deixa de ser um pouco frustrante. Mas para quem gosta de poesia, trata-se de uma oportunidade para entrar em obras de referência de um dos mais conhecidos autores latino-americanos.
Foto originalmente de autoria de Grete
Stern, exposta no Museu Nacional
Centro de Arte Reina Sofia

O último elemento que gostaria de abordar como útil nesta obra é a caracterização da alma argentina. Borges é reconhecido como um autor que retrata como poucos tal “personagem”. Definir a “argentinidade” é um dilema até para os próprios argentinos. E sua dificuldade se compara a tentar tirar uma foto de um pêndulo em movimento. Como o instrumento, os argentinos oscilam entre extremos: sua característica básica é alternar picos de euforia com períodos de intensa depressão.

Há que de todo modo se evitar confundir o argentino com o portenho – habitante de Buenos Aires que tem como uma das principais características o autoelogio. Para mim se faz muito mais presente no argentino o lamentar. Ok, talvez eu esteja influenciado pelo senso comum que os vincula ao tango e suas tristes estórias. Borges apresenta uma estética majoritariamente triste, e assim confirma, por seu viés, essa minha impressão. Me despeço por aqui, com um recado do próprio para seus leitores, sobre a inevitabilidade de nosso fim:

A QUEM ESTÁ LENDO-ME

Es invulnerável. Não lhe deram
Os números que regem teu destino
Certeza do pó? Não seria por acaso
Teu tempo irreversível o daquele rio
Cujo espelho Heráclito viu o símbolo
Da sua fugacidade?[1] Te espera o mármore
Que não lerás. Nele já estão escritos
A data, a cidade e o epitáfio.
Sonhos do tempo são também os outros,
Não firme bronze ou ouro;
O universo és, como tu, Proteo[2].
Sombra, irás a sombra que te aguarda
Fatal nos confins da tua jornada;
Pensa de que algum modo já estás morto.

Livre tradução – página 119

Fontes:





[1] Borges confronta Heráclito, filósofo baseava suas ideias na lei fundamental da natureza, de modo que, segundo ele, “Tudo flui” e “Nada é permanente, exceto a mudança”. Borges nos coloca como sermos seres predestinados, nosso rumo já estaria traçado – a morte, apesar de toda mudança em sua trajetória.
[2] Deus marinho que podia mudar de forma à sua vontade / gerou o prefixo na língua portuguesa que designa aquele que muda com facilidade de forma ou de opinião.

sábado, 3 de novembro de 2018

HOMO DEUS - uma breve história do amanhã


Skynet é o nome tanto da empresa fictícia da série de filmes Exterminador do Futuro que gerou a inteligência artificial (IA) que acaba se rebelando contra os humanos quanto do sistema de geomonitoramento e vigilância contra ações suspeitas de terrorismo também baseada no tratamento de dados via IA – e com resultados polêmicos, como pode ser observado aqui - http://atl.clicrbs.com.br/infosfera/2016/02/18/skynet-a-inteligencia-artificial-do-filme-o-exterminador-do-futuro-existe-e-esta-matando-pessoas-entenda/ e aqui https://hypescience.com/skynet-existe/  .

No livro Homo Deus, de Yuval Noah Harari – Ed. Companhia das Letras – 2016 – 443 páginas – o autor se aprofunda num dos temas que já havia sido tratado como pilar na obra anterior – Sapiens, já tratada aqui neste blog. E este gira em torno justamente para que lado a humanidade avança dado o predomínio do que ele chama Dataísmo – a religião dos dados.

“Uma tecnorreligião mais ousada está buscando cortar definitivamente o cordão umbilical humanista. A religião (...) que não venera nem deuses nem o homem – venera dados. Segundo o dataísmo, o Universo consiste num fluxo de dados e o valor de qualquer fenômeno ou entidade é determinado por sua contribuição ao processamento de dados. (...) Simultaneamente, nas oito décadas desde que Alan Turing formulou a ideia da máquina que leva seu nome, cientistas da computação aprenderam a projetar e fazer funcionar algoritmos eletrônicos cada vez mais sofisticados. (...) O dataísmo (...) faz ruir a barreira entre animais e máquinas com a expectativa de que, eventualmente, os algoritmos eletrônicos decifrem e superem os algoritmos bioquímicos” - (HARARI, 2016 -págs. 369-370) – grifo nosso.

Como neste blog fazemos um juízo de valor da qualidade literária das obras, devemos dizer primeiramente que esta encontra-se um ponto abaixo da anterior. Justamente porque se aproveita desta repetindo uma série de definições que lá já estavam, como para que introduzir com o devido embasamento seu tema central – este acima exposto. Levando-se em conta que o livro tem no total 443 páginas, já contando com índices e bibliografia consultado (algo que consome 42 páginas) temos em torno de, somente, 30 páginas de efetiva novidade (aproximadamente 7% de todo o livro). Ou seja, parece uma perda de tempo - para quem leu o livro anterior! Um leitor desavisado, que iniciasse sua aventura no mundo de Harari por Homo Deus não teria uma perda grave de conhecimento.

Fonte: http://caminhandoporfora.sul21.com.br/2017/09/29/sapiens-e-homo-deus-yuval-noah-harari/

Vamos, agora, ao tema em si. De uma certa maneira as 30 páginas cruciais são aterradoras para quem teme o poder que a IA pode assumir. Tenho amigos que possuem a mesma preocupação – e estão bem acompanhados de Elon Musk e Stephen Hawking (https://olhardigital.com.br/noticia/google-toma-precaucoes-para-que-sua-inteligencia-artificial-nao-vire-a-skynet/59014). Porém, se observarmos nosso entorno, a própria Google é um exemplo de como já estamos inseridos numa caminhada sem volta. Cada vez mais somos surpreendidos com as facilidades que a tecnologia cria para nossas atividades do dia a dia. A todo momento somos bombardeados com informações e ofertas que “incrivelmente” são aderentes aos nossos gostos. Minha esposa sempre pergunta: “Mas como eles sabem que eu preciso disto, agora, nesse momento!?”, com um olhar atônito para o celular.

Tudo isto tem uma explicação bem simples: o poder da computação dos metadados, a partir de algoritmos inteligentes, já está chegando o ponto em que o cineasta James Cameron havia antecipado. “Os dataístas (...) acreditam que os humanos não são mais capazes de lidar com os enormes fluxos de dados, ou seja, não conseguem mais refiná-los para obter informação, muito menos para obter conhecimento ou sabedoria. O trabalho de processamento de dados deveria, portanto, ser confiado a algoritmos eletrônicos, cuja capacidade excede muito a do cérebro humano. Na prática, os dataístas são céticos no que diz respeito ao conhecimento e à sabedoria humanos e preferem depositar sua confiança em megadados e em algoritmos computacionais” (pág. 371).

Uma pequena pincelada das afirmações impactantes:

Ø  Segundo o dataísmo, as experiências humanas não são sagradas, e o Homo Sapiens não é o ápice da criação (...) [383-384];
Ø  Humanos são apenas instrumentos para a criação da internet de todas as coisas que eventualmente poderá se estender para fora do planeta Terra para cobrir a galáxia e até mesmo o Universo (384);
Ø  Esse sistema de processamento de dados cósmico seria como Deus. Estaria em toda parte e controlaria tudo, e os humanos estão destinados a se fundir dentro dele (384);
Ø  Os dataístas explicam aos que ainda cultuam mortais de carne e osso que eles estão excessivamente atrelados a uma tecnologia ultrapassada. O Homo Sapiens é um algoritmo obsoleto (384).

Humanos, tremei, portanto. O autor ainda aponta para alguns mandamentos dessa nova tecnorreligião: (1) Maximizar o fluxo de dados, conectando-se cada vez mais as mídias, produzindo e consumindo mais e mais informação; (2) Conectar tudo ao sistema, inclusive hereges que não querem ser conectados. E “tudo” quer dizer mais que do que humanos. Quer dizer tudo quanto é coisa. Meu corpo, é claro, mas também os carros na rua, as geladeiras na cozinha, as galinhas em suas gaiolas e as árvores na floresta – tudo deveria se conectar à internet de todas as coisas; e (3) não podemos deixar nenhuma parte do Universo desconectada da grande rede da vida. Inversamente, o maior dos pecados é bloquear o fluxo de dados. O que é a morte senão uma situação na qual as informações não fluem? Por isso o dataísmo sustenta que a liberdade de informação é o maior bem de todos (HARARI, 384-385).

É bom que se diga que o autor não faz uma defesa do Dataísmo, mas o apresenta como ele se encontra e como está evoluindo na mente das pessoas, sejam cientistas ou o cidadão comum, este imerso numa avalanche diária sem se dar conta. Harari mesmo coloca que um “exame crítico do dogma dataísta seja não apenas o maior desafio científico do século XXI como também o mais urgente projeto político e econômico” (grifo nosso – pág. 396). Estaríamos assim navegando entre as benesses que o avanço tecnológico nos traz e o risco de sermos minimizados como espécie que decide seu próprio futuro. De repente não posso deixar de me lembrar daquela visão de pessoas reunidas em restaurante, mas dando mais importância em inserir dados sobre o seu cotidiano – comida, onde estou, com quem estou – nos seus celulares do que interagindo com os seus amigos.

OBS.: Outro livro que abordou, porém, ainda no campo ficção, este mesmo tema, é Origem, de Dan Brown, também já resenhado por aqui.