Diferentemente
do que faço normalmente, o post desta vez irá girar em torno de um autor e sua
produção poética. Tal fato foi motivado pelo presente recebido e que me serve
de base para algumas considerações por este ícone argentino que é Jorge Luis
Borges. O presente a que me refiro trata-se um volume que compila 3 obras dele –
“El Outro, El Mismo”, “Para las Seis Cuerdas”, e “Elogio de la Sombra”,
publicadas em conjunto pela Editora Sudamericana, de Buenos Aires, neste ano,
contendo 272 páginas do linguajar “lamentoso” que a meu ver se sobressai. Mas
este linguajar seria típico de Borges? Ou dos argentinos como um todo?
Fonte: https://articulo.mercadolibre.com.ar/ |
Conhecia
fama de Borges como escritor de contos, mas nunca me estimulei ao ponto de
comprar algo. Provavelmente pela minha rejeição ao chamado realismo fantástico
dos escritores sul-americanos, corrente com a qual se identificam, por exemplo,
Gabriel García Márquez (Colômbia),
Manuel Scorza (Peru), Mario Vargas Llosa (Peru), Julio
Cortázar (Argentina), Arturo Uslar Pietri (venezuelano considerado o pai do
realismo mágico), Murilo Rubião (Brasil), José J.
Veiga (Brasil), Alejo Carpentier (Cuba), Miguel Angel Astúrias (Guatemala) e Carlos Fuentes
(México). Nesta busca-se fundir o universo mágico à realidade, mostrando
elementos irreais ou estranhos como algo habitual e corriqueiro. Além desta
característica, o realismo mágico apresenta os elementos mágicos de forma
intuitiva (sem explicação).
Borges realmente ganharia
fama internacional a partir da década de 30 do século passado através dos
contos, e não da poesia. Porém, esta – a poesia – casa muito bem com a corrente
do realismo fantástico, dada a sua própria definição acima relatada. Ora, poesia é um gênero literário caracterizado pela composição em
versos estruturados de forma harmoniosa. É uma manifestação de beleza e
estética retratada pelo poeta em forma de palavras. No
sentido figurado, poesia é tudo aquilo que comove, que sensibiliza e desperta
sentimentos. É qualquer forma de arte que inspira e encanta, que é sublime e
bela. Assim que não me estranha
que seus versos também sejam decantados como impactantes.
De todo modo, da compilação da Editora
Sudamericana especificamente falando, algumas coisas me chamaram a atenção. Na
própria apresentação na contracapa são ressaltados alguns elementos, objetos centrais
dos textos que a compõem: Buenos Aires, menções à cultura grega e anglo-saxã*,
literatura – poemas dedicados a autores diversos – e filosofia, com especial
enfoque ao homem como um ser único em suas características. Além disso os
enfrentamentos entre dois ou mais personagens – enredos de embates à faca são
comuns, o que traz uma ambiguidade de identificação, já que “milonga” tanto
pode ser definida como isto, como também um gênero musical ao qual o autor possuía
admiração. Deve-se ressaltar que, ao
princípio, a milonga era um tipo de poema cantado, onde as letras eram mais
importantes do que a música. Ou seja, aí temos mais uma referência coerente.
Por último, Borges também apresenta predileção pelos temas da ética e da
velhice, preocupação natural para alguém que observou sua capacidade de criação
ser limitada a partir de uma determinada idade por conta de problemas com a evolução
de um quadro de cegueira.
*Parte de sua formação foi nesse idioma, o qual está
presente apenas uma única vez, num poema de até fácil leitura (págs. 22-25 –
Two English Poems), demonstrando a minha tese de ficamos muito mais confortáveis
para expressar nossos dotes artísticos em nosso idioma natal, dada as maiores
possibilidades em termos de repertório, por mais que dominemos um idioma
estrangeiro.
Assim,
enquanto seguia a leitura das poesias de Borges, me peguei por diversas vezes
na esperança de que na página seguinte eu fosse brindado com um ou outro conto.
Isto só veio a acontecer na terça e última parte – “Elogio de la Sombra”, a
partir da página 193. Desse modo, para um leitor que tenha o mesmo perfil que o
meu – não tão afeito a poesias – o livro não deixa de ser um pouco frustrante. Mas
para quem gosta de poesia, trata-se de uma oportunidade para entrar em obras de
referência de um dos mais conhecidos autores latino-americanos.
Foto originalmente de autoria de Grete Stern, exposta no Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia |
O
último elemento que gostaria de abordar como útil nesta obra é a caracterização
da alma argentina. Borges é reconhecido como um autor que retrata como poucos
tal “personagem”. Definir a “argentinidade” é um
dilema até para os próprios argentinos. E sua dificuldade se compara a tentar
tirar uma foto de um pêndulo em movimento. Como o instrumento, os argentinos
oscilam entre extremos: sua característica básica é alternar picos de euforia
com períodos de intensa depressão.
Há que de todo modo se evitar confundir o argentino com o portenho
– habitante de Buenos Aires que tem como uma das principais características o autoelogio.
Para mim se faz muito mais presente no argentino o lamentar. Ok, talvez eu
esteja influenciado pelo senso comum que os vincula ao tango e suas tristes estórias.
Borges apresenta uma estética majoritariamente triste, e assim confirma, por
seu viés, essa minha impressão. Me despeço por aqui, com um recado do próprio
para seus leitores, sobre a inevitabilidade de nosso fim:
A
QUEM ESTÁ LENDO-ME
Es
invulnerável. Não lhe deram
Os
números que regem teu destino
Certeza
do pó? Não seria por acaso
Teu
tempo irreversível o daquele rio
Cujo
espelho Heráclito viu o símbolo
Da
sua fugacidade?[1]
Te espera o mármore
Que
não lerás. Nele já estão escritos
A
data, a cidade e o epitáfio.
Sonhos
do tempo são também os outros,
Não
firme bronze ou ouro;
O
universo és, como tu, Proteo[2].
Sombra, irás a sombra que te aguarda
Fatal
nos confins da tua jornada;
Pensa
de que algum modo já estás morto.
Livre tradução –
página 119
Fontes:
[1]
Borges confronta Heráclito, filósofo
baseava suas ideias na lei fundamental da natureza, de modo que, segundo ele, “Tudo flui” e “Nada é permanente, exceto a mudança”. Borges nos coloca como sermos seres predestinados,
nosso rumo já estaria traçado – a morte, apesar de toda mudança em sua
trajetória.
[2] Deus marinho que podia mudar de forma à sua vontade / gerou o prefixo na língua
portuguesa que designa aquele que muda com facilidade de forma ou de opinião.