terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Criaturas de um Dia

Quando Robin Williams, interpretando o professor John Keating no filme Sociedade dos Poetas Mortos (1), eternizou o bordão Carpe Diem – expressão em latim que, a grosso modo, significa “aproveite o dia” – estava enaltecendo, na verdade, o que deveria ser a frase que deveria estar pregada na porta de cada consultório de psicologia pelo mundo afora. Aproveitar cada momento de nossa vida, como se fosse o último e o mais importante, por mais singelo que seja, é a receita – com suas variações – que deveríamos seguir para fugir da louca ansiedade que nos assola.

Em Criaturas de um Dia – Ed. Agir – Rio de Janeiro – 176 páginas – Irvin Yalom homenageia justamente àqueles que souberam como traduzir isso para suas próprias vidas depois de sofrerem pesados traumas. O que nos serve de lição: pois se grandes traumas podem ser assim tratados, o que dizer dos nossos pequenos traumas do dia a dia?

Desde que levantamos pela manhã, até nos deitarmos ao final do dia, pequenos dramas encenamos: Meu Deus, onde coloquei minhas chaves? / Como é que eu pude esquecer o aniversário de fulano? / Essa porcaria de restaurante não tem um prato grelhado? – e etc, etc, etc. Pequenos aborrecimentos que vão minando, pouco a pouco, nossa capacidade de olhar para o copo meio cheio.

Voltando ao livro e suas lições, observemos qual é o cardápio que nos é apresentado, tendo em comum o fato de que Yalom, enquanto psicanalista, teria como limite máximo 1 ou 2 sessões para “curá-los”:

Capítulo 1 – A Cura Tortuosa – um velho escritor com bloqueio criativo que almeja encontrar um par para dialogar “em alto nível” no fim de sua vida;

Capítulo 2 – Sobre Ser Real – um executivo recheado de uma vida de sucessos, se autodeprecia, se sentindo sufocado por insegurança, recriminações e culpa;

Capítulo 3 – Arabesque – uma ex-bailarina em busca do frescor de uma juventude perdida, a reboque de um amor do passado;

Capítulo 4 – Obrigado, Molly – a assistente de Yalom, Molly, após o falecimento dela, ainda o deslumbra com o efeito que teve sobre um dos seus pacientes, do tipo “acumulador”;

Capítulo 5 – Não Me Aprisione – um senhor de idade, ex-executivo, que não consegue se adaptar à rotina de um asilo de idosos, busca uma saída para melhor curtir a vida;

Capítulo 6 – Mostre Alguma Classe a seus Filhos – uma paciente havia mostrado sua face mais lisonjeira na interpretação do terapeuta Yalom. Porém, isso não era tudo que ela tinha, descobriu posteriormente à morte dela;

Capítulo 7 – Desista da Esperança de um Passado Melhor – toda uma vida dedicada a um fim. Será que teria sido válido? Era mesmo esse o caminho? Inquietudes de uma paciente em dúvida sobre o rumo da sua vida;

Capítulo 8 – Adquira sua Própria Doença Fatal: Homenagem à Ellie – como uma doente terminal de câncer encara o próprio fim, dando uma lição no terapeuta;

Capítulo 9 – Três Choros – uma desilusão com uma amizade que não pode ser recuperada;

Capítulo 10 – Criaturas de um Dia – um homem, duas mulheres, quantos caminhos isso pode proporcionar? E como Marco Aurélio, o imperador romano, ajudou a resolver essa equação.

Para cada um desses casos Yalom adotou uma estratégia. O aprendizado de que esses casos enaltecem, na sua trajetória particular, o fato de que devemos ressaltar os bons momentos que temos em nossa vida é o fio condutor. Certo, errado, direita, esquerda, verdadeiro, falso, esses dilemas sempre estarão aí para serem enfrentados, mas quer seja com uma doença fatal, quer seja com uma desilusão amorosa, quer seja com um passado ou um futuro em perspectiva, o que interessa é valorizar o presente nosso de cada dia. Carpe Diem.


      (1)   http://www.adorocinema.com/filmes/filme-5280/#

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

OS DESAFIOS DA TERAPIA

Seguindo na minha avaliação de quatro obras do psiquiatra Irvin D. Yalom abordo agora um livro escrito pelo menos que foge do relato ora ficcional ora autobiográfico dos dois últimos aqui apresentados – Cada Dia Mais Perto & Mamãe e o Sentido da Vida. Trata-se da obra “Os Desafios da Terapia”, publicada originalmente em 2002. A edição com a qual lido é da Ediouro, datada de 2006, contendo 230 páginas.


A curiosidade e a dicotomia que tal obra levanta começam a partir da tradução do título original para o Português. O título original é The Gift of Therapy, o qual na minha modesta tradução livre seria “O Dom da Terapia”. Por que o tradutor (Vera de Paula Assis) teria escolhido ‘os desafios’ ao invés de ‘o dom’? Sabemos que a publicação de uma obra ou a exibição de um filme estão atreladas diretamente na atratividade que as mesmas podem gerar sobre o seu público consumidor. Quanto mais atrativas forem, maior o público. E essa atratividade se inicia a partir do título. Mas volto à pergunta: por que raios ‘desafios’ é mais atrativo do que ‘dom’?

Por outro lado, no decorrer da obra de Yalom ele sim é confrontado com uma série de desafios, para os quais, um a um, ele vai apresentando sua abordagem como uma solução para os mesmos. Concordar ou não com sua filosofia de trabalho é outro tipo de análise que não cabe aqui. Mas em The Gift ele propõe uma série de atitudes para cada estágio do processo terapêutico a partir de sua própria experiência. Sendo assim, a palavra ‘desafios’ espelharia esta busca incessante por superação nesse encontro a dois – quando nos reportamos a uma terapia simples. Se olhamos para uma terapia de grupo os ‘desafios’ se multiplicam.

Ok, temos uma explicação para ‘desafios’. Mas, então, por que Yalom teria escolhido ‘dom’? Uma das lutas dos terapeutas é não ter a imagem de grande solucionador de todos os problemas. A terapia é um trabalho conjunto entre o terapeuta e o paciente. O terapeuta melhor se encaixaria no perfil de facilitador, por abrir o caminho para que o paciente enxergue a luz no fim do túnel, daquele mesmo longo túnel que ele, paciente, entrou não sabe quando nem como e muito menos porquê. Ele apenas o intui. Mas vê-lo, é outra história. Aliás, enxergar tal luz significará necessariamente ultrapassar a escuridão primeiro, a escuridão da ignorância.

Nesse sentido, sim, é necessário possuir um dom para auxiliar alguém nesta caminhada. O dom de saber ouvir, escutar realmente o outro e seus problemas, saber quando se posicionar – sem aconselhar por uma única saída, mas apontar alternativas, as quais o paciente deverá assumir a responsabilidade de adotar. É estar sem exatamente ser. É ter para com o outro sem possuí-lo. É ser ombro e não ser bengala.

Uma das ferramentas as quais Yalom recorre seguidamente nesta trajetória é o que ele chama do “aqui e agora”. Sendo a terapia um microcosmo da vida do paciente, uma vez que a construção de um relacionamento com um terceiro, não seria ela um espelho do que este mesmo paciente vive no seu dia a dia? Se o paciente tiver um relacionamento bem resolvido com seu terapeuta – e com os dilemas que este profissional lhe propõe, sendo instigador a todo o momento – por que este mesmo paciente não teria a capacidade de superar os dilemas fora do consultório? Por isso Yalom enfatiza:

Para o cientista social e o terapeuta contemporâneo, os relacionamentos interpessoais são tão óbvia e monumentalmente importantes que elaborar a questão é aceitar o risco de pregar para o convertido. Basta dizer que, independentemente de nossa perspectiva profissional – não importa se estudamos nossos parentes primatas não-humanos, culturas primitivas, a história do desenvolvimento do indivíduo ou os padrões de vida atuais -, é evidente que somos criaturas intrinsecamente sociais. Durante toda a vida, nosso ambiente interpessoal circundante – colegas, amigos, professores, bem como família – tem uma enorme influência sobre o tipo de indivíduo que nos tornamos. Nossa auto-imagem é formada, em grande medida, com base nas avaliações refletidas que percebemos nos olhos de figuras importantes em nossas vidas. (Grifo nosso - pág.57)

E qual figura é mais importante para um paciente que não seu terapeuta e como este o enxerga? Porque ali estará o espelho da evolução de cada um.


The Gift serve assim como um guia para uma aceleração, um aprimoramento desta jornada. E serve mutuamente tanto para terapeutas quanto para pacientes. Yalom sabiamente, de modo a evitar o peso de uma obra acadêmica – que não o é, diga-se de passagem – ou dos ditos manuais de auto-ajuda, até mesmo porque este é focado num nicho muito específico, estrutura sua obra em micro-capítulos, às vezes de uma única página, num total de 85, distribuídos pelas 230 páginas acima citadas. Dá, em média, menos de 3 páginas por capítulo. Pílulas do conhecimento. Vagalumes que iluminam o nosso caminho.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Mamãe e o Sentido da Vida

O segundo capítulo da jornada rumo à obra do autor Irvin D. Yalom se dá por intermédio das páginas de “Mamãe e o Sentido da Vida”, obra originalmente publicada em 1999 e da qual me faço valer da edição da Agir, datada de 2008, contendo 248 páginas. Comparada com a obra anteriormente resenhada – Cada Dia Mais Perto – esta apresenta com maior peso e qualidade ficcional os temas cotidianamente trabalhados numa terapia – o sentido da vida, a morte e a influência materna.

Yalom confessa desde o princípio o grande peso que teve o (mau) relacionamento por ele tido com a sua genitora. Logo no primeiro capítulo – a obra é dividida em 6 capítulos, cada um deles uma história independente da outra – que dá título ao livro, isto fica bem patente dado que se trata da descrição de um sonho tido com a mãe e a análise de seu impacto sobre sua persona. A partir daí ele trava um diálogo imaginário com ela, de modo a esclarecer os fatos e a expurgar os demônios. Relevante é sua fala final no próprio sonho, que diz muita coisa: “- Mamãe! Mamãe! Como me saí, mamãe? Como é que eu me saí?”.

Mas não devemos imaginar que o livro trata-se somente de um navegar sobre um dos principais dilemas enfrentado numa análise, que é a influência materna em nossas vidas. Já no segundo capítulo ele parte para outro dos cenários comumente enfrentados pelos psicanalistas, as terapias de grupo. Faz isso girando em torno de um personagem, Paula, que tem câncer terminal e se propõe a administrar, juntamente com ele, um grupo de pessoas num estágio similar, não importando a doença envolvida. Chama a atenção do autor como Paula possui muito mais influência na dinâmica de trabalho que ele próprio. O relacionamento entre os dois começa a se desgastar quando outros fatores externos passam a influenciar o trabalho proposto.

O terceiro capítulo, denominado Consolo Sulista, ainda caminha na seara dos trabalhos em grupo, mas diferentemente do anterior, são daqueles ministrados em hospitais, que têm uma alta rotatividade de pacientes. O problema enfrentado pelo psicanalista passa a ser então como extrair o melhor resultado possível quando a perspectiva é, numa análise conservadora, de se ter somente uma sessão para obtê-lo. Neste capítulo ainda existe a constatação de quão enganosa é a perspectiva de alunos para com o professor mais experiente, no caso ele próprio em relação aos médicos residentes que acompanham a dinâmica. A surpresa está em receber uma lição de um dos pacientes que menos ele esperava. Como bonita é a vida sempre a nos surpreender!

Já o quarto capítulo para mim foi o mais enriquecedor. Trata de como enfrentar o luto, tanto por um ente querido como por si próprio, ou seja, como estar à frente da morte nos confronta com o medo de nosso próprio fim. Chama-se Sete Lições Avançadas na Terapia do Luto, e tem o como personagem central Irene, uma médica que havia perdido o marido, ainda com 35 anos. Cada uma das etapas vividas no tratamento é então retratada e como pode ser útil a todos neste enfrentamento ao qual todos seremos submetidos um dia.

Ele indica a importância do primeiro sonho relatado, aquele que vem sem os vícios da mente em se proteger do terapeuta; passa depois para a relação em si entre terapeuta e paciente, especialmente como este último enxerga aquele no processo de cura; posteriormente a constatação em si sobre a raiva incontida pelo luto imposto pela vida, algo para o qual não estamos preparados, ainda mais quando ocorrido de maneira surpreendente; o fato do paciente começar a ponderar sobre a influência do (mau) destino, como se este fosse algo tangível, que contaminasse todos à sua volta, a ponto de se sentir culpado; a importância de se ter consciência sobre o próprio estado e o contexto em que está inserido, de modo a subjugá-lo – “Minha abordagem terapêutica, portanto, tem sua síntese num comentário de Thomas Hardy (1): ‘Se há um caminho para o Melhor, ele exige um olhar pleno para o Pior’”; o avanço em termos da conscientização e cura tem como primeiro sinal o vislumbre da própria terapia somente como uma ferramenta, e não um fim em si mesmo. O terapeuta passa a ser um especialista que propõe e auxilia na busca conjunta pela cura. O trabalho é em grupo, entre o terapeuta e o paciente! Se este não ajuda, pouco há a fazer. E tantas são as circunstâncias:

É óbvio que enfrentar a própria morte é a mais poderosa das experiências limítrofes, mas existem muitas outras – doenças ou lesões graves, divórcio, fracassos profissionais, eventos marcantes (a aposentadoria, o momento em que os filhos saem de casa, a meia-idade, certos aniversários importantes) e, é claro, a experiência marcante da morte de um ente querido. (pág. 134)

A última lição deste capítulo, a mais óbvia de todas, é quando o paciente se dá conta de que deve seguir em frente. A Irene, em seu processo, por exemplo, foi a única que autorizou a identificação explícita de sua profissão e de seu caso, sem muitos retoques para a confidencialidade, para que Yalom pudesse divulgá-la e ajudar outras pessoas que estivessem passando pela mesma situação. Isso é ou não é seguir em frente?!

Nos dois últimos capítulos Yalom faz uso do terapeuta Ernst Lasch, personagem criado por ele para o romance Mentiras no Divã. Seu reaparecimento pretende demonstrar que essas histórias são intensamente ficcionalizadas (Posfácio, pág. 243). A primeira delas – Dupla Revelação – trata da hipótese de que uma paciente tivesse acesso, acidentalmente, às gravações feitas pelo terapeuta sobre as sessões realizadas, e o seu impacto no restante do tratamento; já A Maldição do Gato Húngaro está mais na linha do romance-fantasia, tão típico dos grandes autores latino-americanos, sendo uma alegoria sobre vidas passadas.

Dessa forma Yalom nos brinda nesta obra com pérolas de elevada qualidade. A mim particularmente agradou o capítulo de Sete Lições, útil não somente para quem passou pelo tormento ali exposto, como também para uma preparação para o porvir e como agir em tais circunstâncias. Destacaria ainda Viagens com Paula, por sua lição para o relacionamento a dois e como este deve ser cultivado com zelo; e o Dupla Revelação, pela sua comicidade. Devo dizer que dentre os quatro livros por mim lidos nesse exercício, este, juntamente com Criaturas de Um Dia, foi dos que mais me agradou. Mas isso é uma outra história para uma outra vez.


(1)   Thomas Hardy – Escritor Inglês - http://educacao.uol.com.br/biografias/thomas-hardy.htm .