Passado
algum tempo retomei as estórias do pequeno bruxo britânico Harry Potter.
Ataquei de uma vez só os quatro últimos livros – Harry Potter e o Cálice Sagrado; Harry Potter e a Ordem de Fênix; Harry Potter e o Enigma do Príncipe; e Harry Potter e as Relíquias da Morte – lançados aqui no Brasil
entre os anos de 2000 e 2007. Estes “episódios” alcançam o protagonista entre
os seus 14-17/18 anos, período que deveria cobrir seu último período de
formação formal enquanto bruxo.
Lembro-me
que anteriormente havia indicado o paralelismo entre esta série e os filmes de
adolescentes, ambientados em escolas, com todos os seus ingredientes - http://proximideas.blogspot.com.br/2015/01/harry-potter-37.html
. Ora, tais fatores permanecem, assim como os crescentes dilemas que envolvem
os já citados adolescentes e seus hormônios em ebulição. Outra característica
preservada na escrita de J. K. Rowling é a capacidade de reviravoltas na trama.
Mas tudo isso eu já havia dito anteriormente, quando abordei os 3 primeiros
livros. Outro fator, porém, me saltou aos olhos ao ler os quatro últimos.
Hogwarts,
diferentemente do que poderia parecer, a princípio, como sendo somente um
cenário onde desfilariam os diferentes enredos de cada uma das tramas – fato que
não se dá no último volume, por exemplo - Relíquias
da Morte -, muito mais ambientado fora do que dentro da escola – na verdade
é um personagem em si mesmo. À parte os aspectos específicos de uma escola de
bruxos – a existência de fantasmas, armaduras que se movem, elfos domésticos
que trabalham quase como escravos, escadas que somem, passagens secretas (ok,
estas podem existir em escolas comuns!), etc – Hogwarts se transforma, ou
melhor, se agiganta, como a razão de ser maior da obra.
Opa,
espera aí... Não quero tirar a primazia de Potter enquanto protagonista. Ele
certamente é o motor que leva adiante a série de livros, que faz com que as
coisas ocorram – ou pelo menos que enfrenta os problemas uma vez ocorridos, já
que se pode também dizer que Lorde Voldemort é que os causam, trazendo
movimento e agito para uma vida que Harry preferia que fosse mais calma, ainda
mais num momento em que ele passa lidar com suas paixões pelo sexo oposto. O
que eu quero dizer é que a estória não existiria sem Potter, porém Potter não
existiria sem Hogwarts.
Fica
claro com o passar do tempo e com o desenvolvimento das estórias como a escola
marca indelevelmente seus alunos. Logo no quarto volume – O Cálice Sagrado – em que existe uma disputa – O Torneio Tribuxo –
com outras duas escolas de bruxaria, vindas do estrangeiro – Durmstrang e
Beuxbatons, do leste europeu e da França, respectivamente – a identificação dos
alunos com aquilo que é o centro de suas vidas se fortalece como nunca. A
escola deixa de ser um meio de passagem para uma vida adulta, mas sim aquele
ambiente que marcará para o resto da vida seus alunos, com seus ensinamentos e
princípios.
Este
aspecto transparece para o leitor ao alcançar o último volume supracitado. A
ausência na maior parte do tempo de Hogwarts traz um sentimento de que está
faltando algo, um vazio em relação os volumes anteriores. Mas como tudo em
Rowling, isso tem um propósito. E este é justamente o de ressaltar a sua
importância ao final. Por vezes temi que a escritora estivesse divagando
caminhos modernos, com finais em aberto para inúmeras possibilidades. Mas ela
nos deixa a clara percepção de que tudo tem um propósito, e que a vida escolar
pode ser um momento de resgate do bem viver, emoções indescritíveis durante o
crescimento enquanto ser humano.
Eu tive essa oportunidade. Vivi minha vida
escolar de maneira intensa no mesmo lugar, um lugar que guardo no meu coração e
que para o meu prazer pude franquear a minha filha a mesma oportunidade. É isso
que Rowling, com a série Harry Potter, traz como grande prazer, o sentimento de
pertencimento a uma comunidade.
Amigos indissociáveis - Hermione, Harry e Rony |
OBS
1 – Os volumes 5 e 6 - Ordem de Fênix e Enigma do Príncipe – a meu ver servem
como pontes para o gran finale. Eles
trazem em seu bojo elementos que serão acessórios ao desenlace final. Além de
serem, como é típico de Rowling, complicadores no quebra-cabeça que vai sendo
montado. Ou seja, como tudo no mundo da magia, tem algo de ilusionismo aí
inserido. Mas tem que se ter fé e acreditar no bem, sempre. No final as coisas
se encaixam – até de modo surpreendente;
OBS
2 – Diria ainda que o Cálice de Fogo
encerraria a primeira parte da obra, a que eu chamaria de etapa “criancinha” de
Potter. E isso fica bem marcado com um rito de passagem no seu trecho final. Já
os três últimos volumes trazem um Harry Potter amadurecido precocemente, vislumbrando
suas responsabilidades enquanto futuro adulto, enfrentando problemas que seriam
difíceis até mesmo para um bruxo formado e experiente;
OBS
3 – A tradução de um livro é uma arte, ainda mais quando envolto em jogos de
palavras, que podem ser mais fáceis ou não em termos de adaptação para um novo
idioma. Duas expressões me chamaram atenção como tendo sido mal aproveitadas:
(a)
Potter
tinha um padrinho chamado Sirius Black. Em determinado momento, no último
volume, existe um jogo de palavras em que o Primeiro Ministro Inglês, ao tentar
se lembrar do nome dele o chama de “sério”, ou seja, no original seria “serious”,
que foneticamente seria idêntico à Sirius. Falto criatividade para uma melhor
adaptação, afinal, chamar alguém de Sério Black não cabe...;
(b)
Um
grupo de alunos se junta para ter aulas de defesa contra a Arte das Trevas.
Eles se autodenominam a “Armada de Dumbledore”, em alusão ao diretor da escola,
Alvo Dumbledore, que vinha passando por problemas para lá de burocráticos, ao
se confrontar como Ministério da Magia. O termo “Armada” não está errado para
uma tradução de cunho militar, uma vez que somos sabedores da existência da
expressão Forças Armadas. Porém, seria melhor descrito para o português se
traduzido de maneira literal a partir do termo “Army”, para o “Exército de
Dumbledore”. Talvez a preferência do tradutor, nesse caso, tenha sido por permitir
a permanência da sigla com as mesmas letras – A e D – fato este que se
demonstrará relevante no restante do livro. e
OBS
4 – Ficou um gostinho de “quero mais” no final, a perspectiva de ver uma versão
adulta do pequeno bruxo. Parece que uma adaptação de uma obra teatral com essa
ótica está vindo por aí, sob o cunho de 8º volume:
Harry Potter and the Cursed Child (https://www.pottermore.com/explore-the-story/cursed-child).
Somente espero que não seja uma exploração exagerada de um personagem que teve
início, meio e fim bem conectados.
JK Rowling já convivendo com a expectativa de uma nova estória. |