terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

HARRY POTTER 4-7

Passado algum tempo retomei as estórias do pequeno bruxo britânico Harry Potter. Ataquei de uma vez só os quatro últimos livros – Harry Potter e o Cálice Sagrado; Harry Potter e a Ordem de Fênix; Harry Potter e o Enigma do Príncipe; e Harry Potter e as Relíquias da Morte – lançados aqui no Brasil entre os anos de 2000 e 2007. Estes “episódios” alcançam o protagonista entre os seus 14-17/18 anos, período que deveria cobrir seu último período de formação formal enquanto bruxo.
 
Lembro-me que anteriormente havia indicado o paralelismo entre esta série e os filmes de adolescentes, ambientados em escolas, com todos os seus ingredientes - http://proximideas.blogspot.com.br/2015/01/harry-potter-37.html . Ora, tais fatores permanecem, assim como os crescentes dilemas que envolvem os já citados adolescentes e seus hormônios em ebulição. Outra característica preservada na escrita de J. K. Rowling é a capacidade de reviravoltas na trama. Mas tudo isso eu já havia dito anteriormente, quando abordei os 3 primeiros livros. Outro fator, porém, me saltou aos olhos ao ler os quatro últimos.

Hogwarts, diferentemente do que poderia parecer, a princípio, como sendo somente um cenário onde desfilariam os diferentes enredos de cada uma das tramas – fato que não se dá no último volume, por exemplo - Relíquias da Morte -, muito mais ambientado fora do que dentro da escola – na verdade é um personagem em si mesmo. À parte os aspectos específicos de uma escola de bruxos – a existência de fantasmas, armaduras que se movem, elfos domésticos que trabalham quase como escravos, escadas que somem, passagens secretas (ok, estas podem existir em escolas comuns!), etc – Hogwarts se transforma, ou melhor, se agiganta, como a razão de ser maior da obra.

Opa, espera aí... Não quero tirar a primazia de Potter enquanto protagonista. Ele certamente é o motor que leva adiante a série de livros, que faz com que as coisas ocorram – ou pelo menos que enfrenta os problemas uma vez ocorridos, já que se pode também dizer que Lorde Voldemort é que os causam, trazendo movimento e agito para uma vida que Harry preferia que fosse mais calma, ainda mais num momento em que ele passa lidar com suas paixões pelo sexo oposto. O que eu quero dizer é que a estória não existiria sem Potter, porém Potter não existiria sem Hogwarts.

Fica claro com o passar do tempo e com o desenvolvimento das estórias como a escola marca indelevelmente seus alunos. Logo no quarto volume – O Cálice Sagrado – em que existe uma disputa – O Torneio Tribuxo – com outras duas escolas de bruxaria, vindas do estrangeiro – Durmstrang e Beuxbatons, do leste europeu e da França, respectivamente – a identificação dos alunos com aquilo que é o centro de suas vidas se fortalece como nunca. A escola deixa de ser um meio de passagem para uma vida adulta, mas sim aquele ambiente que marcará para o resto da vida seus alunos, com seus ensinamentos e princípios.

Este aspecto transparece para o leitor ao alcançar o último volume supracitado. A ausência na maior parte do tempo de Hogwarts traz um sentimento de que está faltando algo, um vazio em relação os volumes anteriores. Mas como tudo em Rowling, isso tem um propósito. E este é justamente o de ressaltar a sua importância ao final. Por vezes temi que a escritora estivesse divagando caminhos modernos, com finais em aberto para inúmeras possibilidades. Mas ela nos deixa a clara percepção de que tudo tem um propósito, e que a vida escolar pode ser um momento de resgate do bem viver, emoções indescritíveis durante o crescimento enquanto ser humano.
Amigos indissociáveis - Hermione, Harry e Rony
Eu tive essa oportunidade. Vivi minha vida escolar de maneira intensa no mesmo lugar, um lugar que guardo no meu coração e que para o meu prazer pude franquear a minha filha a mesma oportunidade. É isso que Rowling, com a série Harry Potter, traz como grande prazer, o sentimento de pertencimento a uma comunidade.

OBS 1 – Os volumes 5 e 6 - Ordem de Fênix e Enigma do Príncipe – a meu ver servem como pontes para o gran finale. Eles trazem em seu bojo elementos que serão acessórios ao desenlace final. Além de serem, como é típico de Rowling, complicadores no quebra-cabeça que vai sendo montado. Ou seja, como tudo no mundo da magia, tem algo de ilusionismo aí inserido. Mas tem que se ter fé e acreditar no bem, sempre. No final as coisas se encaixam – até de modo surpreendente;

Personagens crescidos, próximo ao fim da saga - em primeiro plano
Rony, Hermione, Potter, a pequena Lílian e Gina -  já como
rescaldo do impacto da notícia de um possível oitavo volume
em manifestações via Twitter da própria autora
OBS 2 – Diria ainda que o Cálice de Fogo encerraria a primeira parte da obra, a que eu chamaria de etapa “criancinha” de Potter. E isso fica bem marcado com um rito de passagem no seu trecho final. Já os três últimos volumes trazem um Harry Potter amadurecido precocemente, vislumbrando suas responsabilidades enquanto futuro adulto, enfrentando problemas que seriam difíceis até mesmo para um bruxo formado e experiente;

OBS 3 – A tradução de um livro é uma arte, ainda mais quando envolto em jogos de palavras, que podem ser mais fáceis ou não em termos de adaptação para um novo idioma. Duas expressões me chamaram atenção como tendo sido mal aproveitadas:

(a)    Potter tinha um padrinho chamado Sirius Black. Em determinado momento, no último volume, existe um jogo de palavras em que o Primeiro Ministro Inglês, ao tentar se lembrar do nome dele o chama de “sério”, ou seja, no original seria “serious”, que foneticamente seria idêntico à Sirius. Falto criatividade para uma melhor adaptação, afinal, chamar alguém de Sério Black não cabe...;
(b)   Um grupo de alunos se junta para ter aulas de defesa contra a Arte das Trevas. Eles se autodenominam a “Armada de Dumbledore”, em alusão ao diretor da escola, Alvo Dumbledore, que vinha passando por problemas para lá de burocráticos, ao se confrontar como Ministério da Magia. O termo “Armada” não está errado para uma tradução de cunho militar, uma vez que somos sabedores da existência da expressão Forças Armadas. Porém, seria melhor descrito para o português se traduzido de maneira literal a partir do termo “Army”, para o “Exército de Dumbledore”. Talvez a preferência do tradutor, nesse caso, tenha sido por permitir a permanência da sigla com as mesmas letras – A e D – fato este que se demonstrará relevante no restante do livro. e


OBS 4 – Ficou um gostinho de “quero mais” no final, a perspectiva de ver uma versão adulta do pequeno bruxo. Parece que uma adaptação de uma obra teatral com essa ótica está vindo por aí, sob o cunho de 8º volume:
  Harry Potter and the Cursed Child (https://www.pottermore.com/explore-the-story/cursed-child). Somente espero que não seja uma exploração exagerada de um personagem que teve início, meio e fim bem conectados. 
JK Rowling já convivendo com a expectativa de uma
nova estória.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Dias de Inferno na Síria

Observamos no último mês uma crescente ocupação de espaço na mídia pela epidemia do vírus Zika. Tendo alcançado escala global e estando o Brasil envolto à preparação para a realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, a imprensa internacional voltou seus olhos para o país, alardeando o risco que os estrangeiros estariam vivendo.

Em recente debate nas redes sociais coloquei que tal fato – a repercussão negativa – se dá por diferentes motivos que não somente o combate ao vírus em si. Existe um jogo comercial, diplomático e esportivo que vem sendo disputado com antecipação, aproveitando-se do advento e da proliferação da doença via Aedes Aegypit. Existe a não aceitação por determinados países de que seus interesses – no caso, de ser sede dos Jogos Olímpicos, com toda a atração comercial e turística que gera – sejam ameaçados por países em desenvolvimento. No campo esportivo, para que melhor entendam, sugiro a leitura de outro blog - http://sportv.globo.com/site/blogs/especial-blog/blog-do-coach/post/o-terrorismo-olimpico-no-rio-2016.html .

Minha argumentação no debate anterior foi de que enfrentamos todos os anos o combate ao mosquito por conta da Dengue, endêmica em nosso país. Em nenhum momento vimos uma altercação, uma indignação por parte da imprensa mundial em torno de nossa situação. E quer saber? Isso pouco importa. O que devemos fazer é lutar contra as doenças e as condições que as permitem graçar em nosso país por nós mesmos, pela nossa população. Obviamente que os turistas serão beneficiados por tabela, mas não é este o foco principal. O alarmismo de agora vem de outros objetivos ocultos.

E o que esse longo prólogo tem a ver com a análise do livro Dias de Inferno na Síria, do jornalista Klester Cavalcanti? A publicação da editora Benvirá, datada de 2012, com 296 páginas, relata o terror vivido pelo autor ao se ver preso no país árabe que vem sofrendo uma longa guerra civil. Escrito em ritmo de thriller, com grande potencial cinematográfico (1), muito do que está ali descrito é resultado do descaso da comunidade mundial para com um país e uma região que sobrevivem a regimes despóticos. E esses regimes somente se mantém em função de atenderem interesses outros que não os de sua população. De todo modo a história prende o leitor do início ao fim, sem trocadilhos.


Agora, lhes pergunto: entenderam a correlação? Sabemos que vivemos em plena guerra civil velada por aqui. Nos acostumamos a conviver com a cultura da bala perdida. Porém, nosso status quo não afeta em nada a comunidade internacional. Os outros países não estão preocupados com a nossa luta do dia a dia. Esse é um problema nosso. A pergunta que eu faço é: dependemos deles para vencê-la? Ou devemos nós mesmos tomar a dianteira e superar os obstáculos que nos auto-impomos? Nossa luta já gerou alguns sucessos de crítica – Cidade de Deus, Tropa de Elite, etc. Mas somente isso basta para mudar nossa realidade? Não, mas a denúncia é pelo menos um começo.

Na Síria, um país destruído a partir de suas entranhas, Klester pôde identificar e se solidarizar com habitantes que, mesmo tendo suas vidas destroçadas, ainda possuíam coragem e amor no coração para acolher um brasileiro dentre os prisioneiros. Seu livro é dedicado a Ammar Ali, Adnan al-Saad e Walid Ali, sírios que dividiram a cela com ele, além de outros 20 pelo menos, e que tornaram sua breve passagem por lá algo no limite do suportável. É o começo a que ele, como jornalista e autor, se propõe. Sua pequena contribuição para tentar alterar a situação lá existente.

Agora imaginem vocês se conseguirmos erradicar a Zika e no meio desse caminho organizar uma das melhores Olimpíadas de todos os tempos, pelo menos no campo esportivo – como foi a Copa do Mundo de 2014, algo salientado pela imprensa mundial. Já no campo administrativo as denúncias sobre a cúpula do futebol mundial falam por si só – a quem dedicaremos tal glória, fruto do esforço de muitos anônimos? Acho que deveríamos dedicar aos brasileiros, cidadãos que sofrem a partir do momento em que acordam até a hora em que se deitam, após um longo dia de trabalho, driblando trânsito, mosquitos, diarreia, dor de cabeça e febre. E mesmo assim ainda conseguem manter um sorriso no rosto e receber muito bem os estrangeiros. Como Klester foi recebido por seus irmãos de cárcere...


(1)   Algo que de fato ocorrerá, com a direção de Caco Ciocler. Para mais detalhes ver http://www.adorocinema.com/noticias/filmes/noticia-111321/ .