Quando
o célebre personagem de Dan Brown, Robert Langdon, um professor de simbiologia
de Harvard, interpretado na telona por Tom Hanks, ganha notoriedade uma
mensagem nos é passada: além da trama de suspense e ação em que está inserido,
a curiosidade humana aguçada pelo mistério que se encontra por trás de antigos
idiomas e imagens. Os símbolos são para nós, seres humanos, essenciais para nos
identificarmos como grupo. Quando eles trazem em si uma carga de poder sua
atração se multiplica.
Mas
o que isso tem a ver com a obra de Edmar Bacha, “Belíndia 2.0”, editada pela
Civilização Fronteira, em 2012 (459 págs)? Logo vocês entenderão. Vamos decifrar,
então, o primeiro mistério, que está diretamente vinculado ao título. Para os
iniciados, os economistas de plantão, esta é uma pergunta fácil. “Belíndia 2.0”
se remete ao artigo que trouxe um grande reconhecimento ao autor, datado de 1974,
denominado “O economista e o rei da Belíndia: uma fábula para tecnocratas”.
Como o próprio autor afirma: “(...) o termo ‘Belíndia’ – junção de Bélgica com
Índia – que ficou para a história, como uma sintética descrição do Brasil das
clivagens sociais. (...) não requisito direitos de cunhagem do termo Belíndia.
Ao que me lembre, ele apareceu num debate sobre distribuição de renda no
auditório do IPEA* em 1972” (pág. 11).
O
livro seria, assim, uma compilação dos principais artigos escritos pelo
economista, “sócio fundador e diretor do Instituto de Estudos em Política
Econômica da Casa das Garças (IEPE/CdG), no Rio de Janeiro” e que “foi membro
da equipe econômica do governo, responsável pelo Plano Real. Foi também
presidente do BNDES, do IBGE e da Anbid e consultor sênior do Banco Itaú BBA.
Foi professor de economia da PUC-Rio, na EPGE/FGV, na UnB e na UFRJ, e
professor-visitante das universidades de Columbia, Yale, Berkeley e Stanford.
Foi também pesquisador do IPEA, na Universidade de Harvard e no MIT, além de
consultor do Federal Reserve Bank of New York, das Nações Unidas e do Banco
Mundial. (...) É bacharel em economia pela UFMG e Ph.D. em economia pela
Universidade de Yale, EUA”. Ufa!
O
livro inicia-se justamente pelo artigo supracitado e vai evoluindo, navegando pelos
distintos mares do idioma conhecido como “economês”. E aí faço, finalmente, o
link com o fictício Prof. Robert Langdon. Parte do charme e da atração do
personagem está justamente no fato de que ele domina os idiomas longínquos,
secretos, as caixas pretas deixadas pelas distintas civilizações. O “economês”
se enquadra também nessa categoria. E incensados ao altar de celebridades são
aqueles que traduzem tais idiomas para algo mais inteligível pelos meros
mortais, pessoas como Bacha e Langdon. Porém, posso lhes dizer que este último
é mais bem sucedido que o primeiro. Mas isto tem lá seus motivos.
Tom Hanks, na pele de Robert Langdon e o economista Edmar Bacha: luta pelo esclarecimento das caixas pretas
Bacha
não procura, nesta obra pelo menos, suavizar o “economês”. Como ele bebeu na
fonte original, da qual foi o próprio autor, construiu uma compilação que verdadeiramente
se presta para gravar na história sua contribuição intelectual para os diversos
temas que afligiram o Brasil e o estudo da Economia em nosso país. Estão lá
todos os grandes temas, a má distribuição de renda, a inflação (e o combate à),
a influência do café, possíveis alternativas de políticas em seus mais diversos
extratos, etc.
Para
o meu gosto particular, sempre mais vinculado à Macroeconomia – digo que a
Macroeconomia, diferentemente da Microeconomia, que é voltada para os dilemas
específicos, é aquela que remete ao que se lê nos jornais pelo povo, o que
efetivamente os afeta. Mas essa é a minha opinião. Existem aqueles que vão
discordar – destaco quatro artigos em especial:
·
“O
Plano Real: uma avaliação” (págs. 135-178);
· “Repensando
a agenda social”, assinado em conjunto com Simon Schwartzman (págs. 269-304);
·
“Política
brasileira do café: uma avaliação centenária” (págs. 305-408);
· “O
ascenso recente nos preços das commodities
e o crescimento da América Latina: mais do que vinho velho em garrafa nova?”,
assinado com Albert Fishlow (págs. 409-438).
Ou
seja, para o meu agrado, o livro ganhou vida apenas em sua segunda metade. Nas
demais, imerso em equações, regressões e outros que tais, me pareceu realmente
algo que não estimula os leigos à leitura. Os quatro artigos acima citados têm
sua atratividade justamente porque brilham a luz de outras características.
O
primeiro, “O Plano Real: uma avaliação” (2003), representa o registro de uma
fase por mim vivida intensamente. O Plano Real, principal instrumento de
estabilização da inflação em nosso país, surgiu justamente quando eu estagiava
na área financeira e ainda entrava em meu último ano de Faculdade de Economia.
O impacto da eliminação do dragão da inflação era, portanto, na minha mente, como
se eu estivesse vivendo a História.
Em
“Repensando a agenda social” (2011) os autores, Bacha e Schwartzman, propõem
uma série de políticas para distintos temas, a saber: saúde, previdência,
transferências de renda, educação e segurança. Eles colocam que “está, pois, na
hora de desenvolver uma nova agenda social para o Brasil, que seja equânime, ao
privilegiar o acesso dos mais pobres à seguridade social; realista, ao
reconhecer a restrição orçamentária; e eficaz, ao lidar com a complexidade das
tarefas à frente com uma gestão responsável e conseqüente dos recursos
públicos” (pág. 272).
Já
em “Política brasileira do café: uma avaliação centenária” (1992) o valor está
vinculado ao caráter de registro histórico, associado a uma análise de cada
fase da abordagem governamental quanto à administração da produção cafeeira
brasileira com os objetivos de estabilização do câmbio e atração de divisas.
Levando-se em conta que o artigo avalia cem anos – final do século XIX até o
final do século XX – temos realmente um documento de grande valor para
pesquisas futuras em mãos.
Por
último, surge “O ascenso recente nos preços das commodities e o crescimento da América Latina: mais do que vinho
velho em garrafa nova?” (2011). Este me atraiu por conta de seu viés
internacionalista. Existe uma análise sucinta da trajetória adotada por quatro
diferentes países sul-americanos em relação à sua dependência exportadora de
determinadas commodities - Argentina
(agrícolas); Chile (cobre); Venezuela (petróleo); e Brasil (variadas) – para a
condução de sua política econômica e industrial de maneira geral, afetando
diretamente seu grau de desenvolvimento.
Em
resumo: não é um livro de leitura fácil para leigos. Talvez o melhor método
para atacá-lo seria escolher, a dedo, os artigos que mais lhes atraem, deixando
os demais para uso e suporte para futuros textos. Mas é claro que aí estou me
referindo àqueles que se interessam pela produção acadêmica, o que acaba por
limitar o seu escopo. Para os que gostam de leituras mais leves, não é a obra
indicada.
*IPEA =
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – www.ipea.gov.br
. O IPEA possui sedes em Brasília e no
Rio de Janeiro.
OBS1
– Foram diversos os trechos, apêndices, etc, que pulei deliberadamente por se
tratarem do mais puro economês, com suas fórmulas matemáticas e teorias
econométricas que a mim não emocionam. Economia para mim, dissociada do fator
humano e com variáveis congeladas, trata-se de mera fantasia. Tais trechos
seriam: 124-133, em “O fisco e a inflação: uma interpretação do caso
brasileiro”; 185-212, em “Uma interpretação das causas da desaceleração
econômica do Brasil”; 242-247, em “Crédito, juros e incerteza jurisdicional:
conjeturas sobre o caso do Brasil”; e 254-259, em “Além da tríade: como reduzir
os juros?”;
OBS2
– Além dos aspectos do Plano Real em si, me atraiu a perspectiva de ter a visão
de um insider no seu processo de
implantação, enfrentando os diversos atores e tomadores de decisão envolvidos.
Um exemplo disso foi o diálogo com o Fundo Monetário Internacional (FMI – www.imf.org), um dos organismos criados a partir
de Bretton Woods para regular a economia internacional, mas que infelizmente
encontra-se na esfera de influência dos países desenvolvidos, o que impede sua
percepção ampliada das possibilidades e características presentes nos chamados
países em desenvolvimento e emergentes:
“O fato do FMI,
após longa negociação, não ter apoiado o programa não ajudou a melhorar as
expectativas de sucesso. A equipe do Fundo desejava um ajuste fiscal muito mais
profundo do que era factível e uma política monetária muito mais apertada do
que parecia aconselhável. A equipe do Fundo também estranhava a proposta de uma
reforma monetária em dois estágios, não conseguindo ver como a inflação poderia
sofrer uma queda abrupta com a introdução da nova moeda se as posturas fiscal e
monetária não seriam tão diferentes daquelas observadas na antiga moeda – com a
postura fiscal sendo medida pelo déficit operacional e a monetária pelo nível
de taxas de juros reais” (pág. 141).