Quando
o célebre personagem de Dan Brown, Robert Langdon, um professor de simbiologia
de Harvard, interpretado na telona por Tom Hanks, ganha notoriedade uma
mensagem nos é passada: além da trama de suspense e ação em que está inserido,
a curiosidade humana aguçada pelo mistério que se encontra por trás de antigos
idiomas e imagens. Os símbolos são para nós, seres humanos, essenciais para nos
identificarmos como grupo. Quando eles trazem em si uma carga de poder sua
atração se multiplica.

O
livro seria, assim, uma compilação dos principais artigos escritos pelo
economista, “sócio fundador e diretor do Instituto de Estudos em Política
Econômica da Casa das Garças (IEPE/CdG), no Rio de Janeiro” e que “foi membro
da equipe econômica do governo, responsável pelo Plano Real. Foi também
presidente do BNDES, do IBGE e da Anbid e consultor sênior do Banco Itaú BBA.
Foi professor de economia da PUC-Rio, na EPGE/FGV, na UnB e na UFRJ, e
professor-visitante das universidades de Columbia, Yale, Berkeley e Stanford.
Foi também pesquisador do IPEA, na Universidade de Harvard e no MIT, além de
consultor do Federal Reserve Bank of New York, das Nações Unidas e do Banco
Mundial. (...) É bacharel em economia pela UFMG e Ph.D. em economia pela
Universidade de Yale, EUA”. Ufa!
O
livro inicia-se justamente pelo artigo supracitado e vai evoluindo, navegando pelos
distintos mares do idioma conhecido como “economês”. E aí faço, finalmente, o
link com o fictício Prof. Robert Langdon. Parte do charme e da atração do
personagem está justamente no fato de que ele domina os idiomas longínquos,
secretos, as caixas pretas deixadas pelas distintas civilizações. O “economês”
se enquadra também nessa categoria. E incensados ao altar de celebridades são
aqueles que traduzem tais idiomas para algo mais inteligível pelos meros
mortais, pessoas como Bacha e Langdon. Porém, posso lhes dizer que este último
é mais bem sucedido que o primeiro. Mas isto tem lá seus motivos.
Tom Hanks, na pele de Robert Langdon e o economista Edmar Bacha: luta pelo esclarecimento das caixas pretas
Bacha
não procura, nesta obra pelo menos, suavizar o “economês”. Como ele bebeu na
fonte original, da qual foi o próprio autor, construiu uma compilação que verdadeiramente
se presta para gravar na história sua contribuição intelectual para os diversos
temas que afligiram o Brasil e o estudo da Economia em nosso país. Estão lá
todos os grandes temas, a má distribuição de renda, a inflação (e o combate à),
a influência do café, possíveis alternativas de políticas em seus mais diversos
extratos, etc.
Para
o meu gosto particular, sempre mais vinculado à Macroeconomia – digo que a
Macroeconomia, diferentemente da Microeconomia, que é voltada para os dilemas
específicos, é aquela que remete ao que se lê nos jornais pelo povo, o que
efetivamente os afeta. Mas essa é a minha opinião. Existem aqueles que vão
discordar – destaco quatro artigos em especial:
·
“O
Plano Real: uma avaliação” (págs. 135-178);
· “Repensando
a agenda social”, assinado em conjunto com Simon Schwartzman (págs. 269-304);
·
“Política
brasileira do café: uma avaliação centenária” (págs. 305-408);
· “O
ascenso recente nos preços das commodities
e o crescimento da América Latina: mais do que vinho velho em garrafa nova?”,
assinado com Albert Fishlow (págs. 409-438).
Ou
seja, para o meu agrado, o livro ganhou vida apenas em sua segunda metade. Nas
demais, imerso em equações, regressões e outros que tais, me pareceu realmente
algo que não estimula os leigos à leitura. Os quatro artigos acima citados têm
sua atratividade justamente porque brilham a luz de outras características.
O
primeiro, “O Plano Real: uma avaliação” (2003), representa o registro de uma
fase por mim vivida intensamente. O Plano Real, principal instrumento de
estabilização da inflação em nosso país, surgiu justamente quando eu estagiava
na área financeira e ainda entrava em meu último ano de Faculdade de Economia.
O impacto da eliminação do dragão da inflação era, portanto, na minha mente, como
se eu estivesse vivendo a História.
Em
“Repensando a agenda social” (2011) os autores, Bacha e Schwartzman, propõem
uma série de políticas para distintos temas, a saber: saúde, previdência,
transferências de renda, educação e segurança. Eles colocam que “está, pois, na
hora de desenvolver uma nova agenda social para o Brasil, que seja equânime, ao
privilegiar o acesso dos mais pobres à seguridade social; realista, ao
reconhecer a restrição orçamentária; e eficaz, ao lidar com a complexidade das
tarefas à frente com uma gestão responsável e conseqüente dos recursos
públicos” (pág. 272).
Já
em “Política brasileira do café: uma avaliação centenária” (1992) o valor está
vinculado ao caráter de registro histórico, associado a uma análise de cada
fase da abordagem governamental quanto à administração da produção cafeeira
brasileira com os objetivos de estabilização do câmbio e atração de divisas.
Levando-se em conta que o artigo avalia cem anos – final do século XIX até o
final do século XX – temos realmente um documento de grande valor para
pesquisas futuras em mãos.
Por
último, surge “O ascenso recente nos preços das commodities e o crescimento da América Latina: mais do que vinho
velho em garrafa nova?” (2011). Este me atraiu por conta de seu viés
internacionalista. Existe uma análise sucinta da trajetória adotada por quatro
diferentes países sul-americanos em relação à sua dependência exportadora de
determinadas commodities - Argentina
(agrícolas); Chile (cobre); Venezuela (petróleo); e Brasil (variadas) – para a
condução de sua política econômica e industrial de maneira geral, afetando
diretamente seu grau de desenvolvimento.
Em
resumo: não é um livro de leitura fácil para leigos. Talvez o melhor método
para atacá-lo seria escolher, a dedo, os artigos que mais lhes atraem, deixando
os demais para uso e suporte para futuros textos. Mas é claro que aí estou me
referindo àqueles que se interessam pela produção acadêmica, o que acaba por
limitar o seu escopo. Para os que gostam de leituras mais leves, não é a obra
indicada.
*IPEA =
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – www.ipea.gov.br
. O IPEA possui sedes em Brasília e no
Rio de Janeiro.
OBS1
– Foram diversos os trechos, apêndices, etc, que pulei deliberadamente por se
tratarem do mais puro economês, com suas fórmulas matemáticas e teorias
econométricas que a mim não emocionam. Economia para mim, dissociada do fator
humano e com variáveis congeladas, trata-se de mera fantasia. Tais trechos
seriam: 124-133, em “O fisco e a inflação: uma interpretação do caso
brasileiro”; 185-212, em “Uma interpretação das causas da desaceleração
econômica do Brasil”; 242-247, em “Crédito, juros e incerteza jurisdicional:
conjeturas sobre o caso do Brasil”; e 254-259, em “Além da tríade: como reduzir
os juros?”;
OBS2
– Além dos aspectos do Plano Real em si, me atraiu a perspectiva de ter a visão
de um insider no seu processo de
implantação, enfrentando os diversos atores e tomadores de decisão envolvidos.
Um exemplo disso foi o diálogo com o Fundo Monetário Internacional (FMI – www.imf.org), um dos organismos criados a partir
de Bretton Woods para regular a economia internacional, mas que infelizmente
encontra-se na esfera de influência dos países desenvolvidos, o que impede sua
percepção ampliada das possibilidades e características presentes nos chamados
países em desenvolvimento e emergentes:
“O fato do FMI,
após longa negociação, não ter apoiado o programa não ajudou a melhorar as
expectativas de sucesso. A equipe do Fundo desejava um ajuste fiscal muito mais
profundo do que era factível e uma política monetária muito mais apertada do
que parecia aconselhável. A equipe do Fundo também estranhava a proposta de uma
reforma monetária em dois estágios, não conseguindo ver como a inflação poderia
sofrer uma queda abrupta com a introdução da nova moeda se as posturas fiscal e
monetária não seriam tão diferentes daquelas observadas na antiga moeda – com a
postura fiscal sendo medida pelo déficit operacional e a monetária pelo nível
de taxas de juros reais” (pág. 141).
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