Se você inventou
algo novo, mas não inventou uma forma eficaz de vendê-lo, possui um mal negócio
– por melhor que seja o produto (pág. 138).
Em
tempos da ditadura do politicamente correto o discurso empregado por Peter
Thiel, um dos fundadores do Pay Pal, presente no livro escrito com a
colaboração de Blake Masters, é de difícil deglutição. “De Zero a Um – O que
aprender sobre empreendedorismo com o Vale do Silício” – Rio de Janeiro – Ed.
Objetiva – 2014 – 215 págs. – é capitalismo na veia na sua forma mais radical.
Porém, dado que tivemos recentemente a vitória de Donald Trump nas eleições
americanas, pode ser que o público para este livro seja muito maior do que se
imagina.
Na
verdade o livro apresenta o pensamento do empreendedor nato, aquele que se joga
de corpo e alma em busca do que imagina ser a nova empresa do século – a sua.
Para se ter uma ideia, um dos pilares da argumentação de Thiel é a necessidade
do monopólio para que o sistema capitalista funcione. Isso certamente provoca
arrepios não somente nos quadros políticos associados à esquerda normalmente,
mas também em toda uma lógica que pauta gerações de economistas que são
doutrinados mundo afora a observar e buscar o mundo da concorrência perfeita
como sendo o mais justo e necessário de todos.
Blake Masters (à esquerda) e Peter Thiel
Aqui
obviamente ocorre uma clivagem entre os dois grupos por mim citados.
Normalmente a esquerda tem outro objetivo. Indica que a presença do Governo
como ente mantenedor do consumo equitativo na sociedade como sendo mais do que
necessária. Já os economistas que apoiam “a mão livre do mercado” gerenciando o
mundo em que vivemos aponta para o Estado mínimo como necessário neste aspecto.
Acontece
que mesmo nesse último grupo existe o entendimento de que há necessidade de se
evitar a presença de monopólios, por serem deletérios, em princípio, para o
conjunto da sociedade. Ou seja, os únicos beneficiados com o monopólio seriam
os seus detentores. Todos os demais, e principalmente os consumidores, seriam
prejudicados.
O
livro de Thiel vai na linha contrária. Até mesmo porque ele se localiza num
contexto em que o monopólio é estabelecido per si como a cenoura que atrai o
coelho rumo ao seu bem-estar máximo. “Todas empresas felizes são diferentes:
cada uma conquista um monopólio ao solucionar um problema singular” (pág. 40). O
Vale do Silício é a região nos Estados Unidos reconhecida por gerar grande
parte das inovações que moldam o mundo hoje em dia, ou seja, soluções para
problemas singulares. E todo inovador busca proteger seu investimento através
de um monopólio temporário reconhecido pelo Estado – a patente.
Para um
economista, todo monopólio parece igual, quer elimine desonestamente os rivais,
obtenha uma licença do Estado ou abra caminho até o topo via inovação. Neste
livro, não estamos interessados em empresas desonestas ou favorecidas por
governos: por “monopólio” designamos o tipo de empresa que é tão boa no que faz
que nenhuma outra consegue oferecer um substituto próximo. O Google é um bom
exemplo de uma empresa que foi de 0 a 1: não tem concorrente em mecanismos de
busca desde o início da década de 2000, quando definitivamente se distanciou de
Microsoft e do Yahoo!
Os
norte-americanos idealizam a concorrência e acham que é ela que nos salva da
penúria socialista. Na verdade, capitalismo e concorrência são opostos. O
capitalismo tem por premissa a acumulação de capital, mas sob concorrência
perfeita todos os lucros desaparecem. A lição para os empreendedores é clara: se vocês querem criar e conquistar valor
duradouro, não desenvolvam um negócio de produto indiferenciado. (págs. 30
e 31)
Na
área da Propriedade Industrial é comum a definição de que patente é a barganha
entre o inovador e o Estado pelo acesso à informação tecnológica gerada. O
inovador recebe do Governo um monopólio temporário – a patente, válida por 20
anos – em troca de disponibilizar à sociedade todo o segredo de sua inovação,
propiciando a oportunidade de um seguido desenvolvimento tecnológico a partir
de sua criação. Outros inovadores, de posse desta informação, não partiriam
assim do zero para produzirem novas criações tecnológicas, se baseando no
conhecimento adquirido a partir da descrição da patente, que ora constitui a o
estado da técnica naquele determinado setor.
Os monopólios
promovem o progresso porque a promessa de anos, ou mesmo décadas, de lucros
monopolistas fornece um poderoso incentivo à inovação. Depois os monopólios
podem continuar inovando porque os lucros permitem que façam planos de longo
prazo e financiem projetos de pesquisa ambiciosos, com os quais as empresas
prisioneiras da concorrência sequer podem sonhar (pág. 39).
Salvo
no caso de uma licença negociada com seu criador, o objeto da patente não pode
ser produzido ou comercializado por terceiros nos países em que se encontra
devidamente depositada e protegida. Pois bem, o que Thiel enaltece em sua obra
é justamente a capacidade do monopólio ser o fator gerador do bem-estar da
sociedade por induzir o aprimoramento da sua tecnologia associada, o que acaba
por impactar em inúmeras possibilidades para os consumidores.
O
livro se apresenta como um guia para estes que se pretendem inovadores,
empreendedores num mundo de selvagem concorrência, para aqueles que almejam
deter um monopólio que os diferencie dos demais e gere ganhos exponenciais.
Para tanto ele traça os perfis mais adequados para as chamadas startups tecnológicas, dando exemplos da
história do meio empresarial norte-americano, alguns dos quais ele participou
diretamente. Fala especificamente sobre a estrutura ideal, tanto em termos
humanos quanto em lógica de trabalho.
Tecnologia nova
tende a surgir de empreendimentos novos: startups
(...), pequenos grupos de pessoas unidas por um sentido de missão têm mudado o
mundo para melhor. (...) As startups
operam baseadas no princípio de que você precisa interagir com outras pessoas
para realizar as coisas, mas precisa também permanecer pequeno o suficiente
para realmente conseguir realiza-las. Positivamente definida, uma startup é o maior grupo de pessoas que
você consegue convencer a participar de um plano para construir um futuro
diferente. (...) Porque é isto que uma startup
precisa fazer: questionar ideias já reconhecidas e repensar os negócios do zero
(pág. 16/17).
Passa
ainda por uma avaliação crítica dos preconceitos existentes a partir daqueles
que se acham detentores do conhecimento absoluto sobre a tecnologia – os nerds
– em relação ao processo de vendas de suas criações e os responsáveis pelo
mesmo – os vendedores por eles mesmos contratados por não dominarem esse mundo
comercial! (1) “No Vale do Silício, os nerds desconfiam da publicidade, do
marketing e das vendas porque parecem superficiais e irracionais. Mas
propaganda importa porque funciona. Funciona com os nerds, e funciona com você. (...) É fácil resistir às
campanhas de vendas mais óbvias, de modo que cultivamos uma falsa confiança em
nossa independência mental. Mas a publicidade não existe para fazê-lo comprar
um produto imediatamente. Ela existe para implantar impressões sutis que impelirão
vendas mais tarde” (pág. 135). Publicidade
e distribuição são assim apontados como a base para o segredo do sucesso. Na
verdade, isto está em linha com o conceito moderno de inovação. Um invento,
mesmo que protegido por uma patente, não é uma inovação até o momento em que
ele chegue ao mercado – e seja adotado por ele. Se ele não consegue fazer essa
passagem, é somente um papel na prateleira gerador de custos.
Antes
de terminar, acaba enaltecendo a necessidade de se criar o próprio futuro –
lugar comum, não é mesmo? – e indica uma receita de bolo. Thiel a denomina como
as 7 perguntas (ver abaixo) que toda empresa deveria se fazer caso queira
lançar-se num negócio (ou ainda, caso um empreendedor queira criar um negócio
baseado num produto).
A
obra assim se apresenta como um manual para aqueles que desejam empreender
tecnologicamente. Em termos literários não é um super livro. Inclusive o autor
se vale de ilustrações dispensáveis em seu terço final, sinal talvez de que o
seu discurso não fosse robusto o suficiente para gerar um livro inteiro. Por
outro lado, dada sua ênfase em vendas, à importância da presença dos fundadores
para inspirar as empresas – e para tanto não poderia deixar de citar Jobs e a
Apple – mais parece um catálogo para vender sua própria expertise e gerar a
possibilidade de ganhos com palestras do que qualquer outra coisa. Diria que
ele não atingiu o objetivo a que se propôs no início – “o que se segue não é um
manual ou um registro de conhecimentos, mas um exercício de pensamento” (pág. 17).
Pois seu discurso de imposição aponta justamente para o caminho contrário.
Vale
a pena ser lido? Vale, até por usar um linguajar fácil – precisa vender,
lembrem-se! – e por ir na contracorrente do discurso disseminado. Aí está a sua
força, o contraponto, associado ainda aos exemplos reais – muito elucidativo o
caso da Tesla na área de tecnologias limpas, com posterior expansão para outros
setores. Mas o leitor não deve se iludir: creio que experiências próprias é que
contam, e os mercados, e o próprio capitalismo, se adaptam a diferentes
contextos. Conhecer as experiências de terceiros é importante, para evitar
erros já incorridos, mas se a essência de se empreender é realmente se
arriscar, pode-se estar frente a um paradoxo. Neste aspecto, outro livro por
nós aqui já resenhado – Criatividade S.A., de Ed Catmull (Pixar) – é muito
superior, a meu ver.
As 7 Perguntas (pág. 163)
A pergunta sobre a
engenharia
– Você consegue criar tecnologia revolucionária em vez de melhorias graduais?;
A pergunta sobre o
momento certo
– Agora é o momento certo para iniciar seu negócio específico?;
A pergunta sobre o
monopólio
– Você está começando com uma porção grande de um mercado pequeno?;
A pergunta sobre
as pessoas
– Você dispõe da equipe certa?;
A pergunta sobre
distribuição
– Você dispõe de um meio de não apenas criar, mas entregar seu produto?
A pergunta sobre a
durabilidade
– Sua posição no mercado será defensável em dez e vinte anos no futuro?; e
A pergunta sobre o
segredo
– Você identificou uma oportunidade única que os outros não veem?
(1)
Como
na arte de atuar, as vendas funcionam melhor quando ocultas. Isso explica por
que quase todos cujo trabalho envolva distribuição – quer estejam em vendas,
marketing ou publicidade – ocupam cargos cujos nomes nada têm a ver com essas
atividades. Pessoas que vendem publicidade são chamadas de “executivos de
conta”. Pessoas que vendem clientes trabalham em “desenvolvimento de negócios”.
Pessoas que vendem empresas são “banqueiros de investimentos”. E pessoas que
vendem a si mesmas se chamam de “políticos”. Existe uma boa razão para essas
redescrições: nenhum de nós quer ser lembrado de que estão nos vendendo algo
(pág. 137).