domingo, 29 de janeiro de 2017

Pensar Bem Nos Faz Bem

Unanimidades são difíceis de encontrar. Certamente alguém não deve gostar dele. Mas eu ainda não encontrei. Estou falando do professor e filósofo Mario Sergio Cortella. “Conhecido pelas suas inúmeras palestras, participações em debates e em programas no rádio e na TV, nesta obra faz este provocativo convite: pensar grandes temas a partir de pequenas reflexões” – trecho da contracapa.

A obra a qual será objeto de nossa resenha é justamente “Pensar bem nos faz bem!”, volume 4 de uma coleção originada a partir dos comentários do autor na coluna Academia CBN, apresentada em rede nacional entre os anos de 2013 e 2014. A editora responsável foi a Vozes, de Petrópolis, Rio de Janeiro, tendo publicado tais textos no ano de 2015, sendo este volume especificamente composto de 136 páginas.

A linguagem apresentada por Cortella, como de praxe, apesar da erudição de informações com as quais ele permeia seu discurso, é de fácil entendimento. Cada um dos textos são curtas digressões sobre temas vários, voltados principalmente para as atitudes humanas perante dilemas existenciais ou simples problemas do cotidiano. Seria como pequenas homilias sobre o bem viver – e de que modo este vem a ser constituído.

O que me atraiu no volume 4 – adquirido na pequena loja dos beneditinos junto à igreja de São Bento, em Recife, Pernambuco – foi justamente o sub-título: vivência familiar, vivência profissional, vivência intelectual e vivência moral. Os quatro aspectos são de grande interesse para mim, e fiquei interessado em conhecer a abordagem específica do autor para cada um dos temas.

Nesse ínterim, me decepcionou que o livro não fosse dividido por capítulos ou seções temáticas, mas que seguisse livremente o curso das ponderações, sem uma ordem pré-concebida. Acredito que isso dificulta a identificação de temas de interesse, numa obra que poderia servir de base para inúmeros clubes de debates. A intenção, segundo os editores, foi de “preservar a característica que a coluna tem no cotidiano”, ou seja, o ouvinte não conhecia de antemão o tema que seria abordado.

Cortella surgiu para mim, salvo engano, a partir de uma entrevista dada num talk-show, o qual infelizmente não me recordo quando e em que canal de televisão. Lembro-me apenas que ele me impactou positivamente por sua interpretação lúcida sobre as diatribes políticas por trás da indicação/eleição de um papa, fruto talvez de sua formação enquanto cristão nas hostes religiosas. Nascido em Londrina/PR em 05 de Março de 1954, filósofo e escritor, com Mestrado e Doutorado em Educação, professor-titular da PUC-SP (na qual atuou por 35 anos, 1977/2012), com docência e pesquisa na Pós-Graduação em Educação: Currículo (1997/2012) e no Departamento de Teologia e Ciências da Religião (1977/2007); é professor-convidado da Fundação Dom Cabral (desde 1997) e ensinou no GVpec da FGV-SP (1998/2010). Foi Secretário Municipal de Educação de São Paulo (1991-1992) [Fonte: www.ferrazcortella.com.br].

A partir daí passei a observar com atenção suas aparições. Em tempos de mídias sociais duas delas ganharam destaque para mim. Um vídeo no YouTube de uma palestra dada a funcionários do Banco do Brasil, salvo engano, no qual ele aponta a pequenez da pergunta “Você sabe com quem está falando?”. A outra quando ele disserta sobre atitudes éticas, definindo-as como aquelas nas quais são respeitadas três condições: para empreender um ato deve-se observar se o autor deve fazê-lo; quer fazê-lo; e pode fazê-lo. Se uma dessas três condições não for respeitada, você não está diante de uma atitude ética.

Enfim, um livro curto, de textos curtos, para ser lido vagarosamente enquanto se espera o tempo passar. Assim sendo, é a deliciosa definição de um bom... passatempo. Que nos faz pensar. E pensar, nos faz bem!

Pequenas pílulas

Esforço Criativo – “Não é sentar e aguardar, não é repousar e, então, seremos possuídos por um momento de grande movimento cerebral. Não é só isso, é colocar-se no esforço” (pág. 54).

Rabugice – “Diz Deus para Mefistófeles: ‘Nada mais que dizer-me tens, só por queixar-te sempre vens, nada na Terra achas direito enfim’. Até a divindade chama a atenção de Mefistófeles por essa conduta rabugenta. (...) Nem Deus resistiu, na obra de Goethe” (pág. 60).

Discordância – “Sabemos: algo inerente à vitalidade republicana é a capacidade de acolher a discordância, a oposição respeitosa, a discussão que fica fora do pensamento único” (pág. 62).

Autoimplacabilidade – “Ser rigoroso demais consigo mesmo é considerar que aquilo que faz não é o jeito correto de fazer, quando, eventualmente, até o é” (pág. 71).

Propósito – “(...) pessoas que agem com uma convicção, com um propósito, com uma finalidade de causa que ajuda a elevar; elas têm um poder mais forte do que apenas aquelas que têm a ideia do autobenefício, da autoapropriação” (pág. 74).

Personalidade – “Há uma frase antiga, que circula por aí, que diz: ‘Não me envergonho dos homens que já fui’. Ela aponta a possibilidade de nos olharmos na nossa condição de termos sido de outros modos” (pág. 75).

Ocasião Propícia – “(...) o momento em que se junta a ação com a ocasião” (pág. 78).

Um novo tempo – “Quando a decisão pelo carpe diem nos agrada, não deveria ser um chamado ao desvario, mas sim a ideia de não deixar de pegar o que o dia oferece” (pág. 79).

Vaidade – “(...) ser lembrado para uma atividade, ser elogiado por algo ou ser elevado na condição criada acaba ganhando uma marca vaidosa, muito mais pelo fato de se supor merecedor daquilo do que pelo conteúdo que aquilo carrega” (pág. 83).

Acomodação – “A resignação mata a própria dignidade, porque tem, por princípio, a suposição de que nada pode ser feito ou porque falta coragem para fazê-lo” (pág. 93).

Partilha – “(...) a expressão ‘cada um é responsável por todos’ é indicadora de uma sanidade de vida que impeça que sejamos prisioneiros de uma tolice imensa, que é o egoísmo’” (pág. 97).


Expectativas enganosas – “(...) o número de coisas que nos assustam é muito maior do que aquilo que concretamente poderá nos fazer mal. Ser capaz de distinguir, de vislumbrar a diferença entre uma e outra, é algo que expressa inteligência” (pág. 111).

sábado, 21 de janeiro de 2017

SÓCRATES & CASAGRANDE

Minhas lembranças do movimento denominado Democracia Corintiana se restringem a cenas das finais do Campeonato Paulista de 82 e 83 – naquela época a Globo já influenciava, fazendo com que não coincidissem com as datas das finais do Carioca; a eliminação do Flamengo no Brasileiro de 84 (após uma vitória de 2 x 0 no Maracanã, o rubro-negro foi goleado pelo Corinthians no Morumbi por 4 x 1 no jogo da volta); e a participação de Casagrande e Sócrates no comício pelas Diretas Já.

Na década de 80 o noticiário esportivo era muito mais segmentado, com os telespectadores e ouvintes cariocas sendo servidos com um grande volume de informações somente dos clubes do Rio. No que diz respeito ao que acontecia em São Paulo tínhamos as reportagens, mas elas não eram aprofundadas o suficiente para termos ideia do impacto e do modo de gerir interno de um clube da capital paulista. Passados alguns anos, e devido ao impacto daquele movimento, acabamos por tomar conhecimento de sua singularidade.

É neste entorno que surge a forte amizade entre Sócrates e Casagrande, um verdadeiro caso de amor entre almas gêmeas, objeto do livro que leva o nome dos dois jogadores – ia escrever craques, mas somente Sócrates mereceria verdadeiramente tal alcunha – de autoria dividida entre o ex-centroavante e atual comentarista da Globo e o repórter Gilvan Ribeiro – a mesma dupla que escreveu a biografia “Casagrande e seus Demônios”. O livro, editado pela Globo Livros no ano passado, possui 376 páginas, e acaba se transformando num volume 2 das memórias de Casagrande, tal o entrelaçamento das histórias.

Sócrates e Gilvan, acompanhados de uma
pequena representação de Sócrates
O movimento Democracia Corintiana consistia na possibilidade de todos os membros do departamento de futebol poderem participar das decisões que se referiam ao time. Desde o diretor, Adílson Batista Monteiro, até o roupeiro, todos tinham voz e voto, de maneira igualitária. Isso chegou ao ponto de decidirem sobre questões insólitas, como, por exemplo, a possibilidade de Casagrande retornar no meio de uma excursão ao Japão por ter saudades da namorada de então, algo talvez inimaginável nos tempos atuais de extremo profissionalismo.

E aí está o centro de uma questão que têm dois aspectos: a chamada Democracia Corintiana, a meu ver, prevaleceu naquele momento por duas razões – a primeira é que era um movimento representativo de um anseio geral da população pelo retorno do regime democrático no país, e que acabou encontrando eco em algumas das cabeças pensantes do clube paulista, como Sócrates e Vladimir, líderes da equipe, e do próprio Adílson Batista, sociólogo por formação. A segunda é que ainda naquela época ainda podemos considerar um tempo de amadorismo prevalecente nas relações internas dos chamados clubes profissionais de futebol. Não amadorismo no sentido de que os jogadores não recebessem para jogar, mas sim em termos de relações humanas.

Se existe um questionamento em relação ao jogador de futebol é de que ele é um ser mimado. E isso é verdade. Tanto quanto um grande astro do rock ou das artes em geral, o jogador de futebol que alcança o estrelato tem uma série de facilidades e assessores que resolvem tudo para ele. Isso faz parte da estrutura que a indústria do entretenimento oferece para os seus expoentes. Isto porque, caso vocês não tenham percebido, o futebol profissional faz parte desta indústria. Isso justifica os salários estratosféricos dos grandes jogadores.

Mas este entorno político acaba sendo apenas o pano de fundo para a história entre Casagrande e Sócrates. Muitos outros aspectos são abordados no livro, traçando linhas paralelas entre as suas carreiras – desde o momento de explosão no Corinthians; ida para a Itália; experiência na Seleção Brasileira; o término da carreira, quando ambos coincidentemente passaram pelo Flamengo, em épocas distintas; a convivência dos protagonistas com suas famílias e filhos; a paixão pela música (em seus diferentes estilos), etc. Mas se fosse para eleger uma diretriz central para o livro foi justamente a fase final da vida de Sócrates.

Sócrates conversa com Caio Ribieiro, ex-jogador e comentarista da Globo
e Casagrande, em encontro ocorrido já próximo ao falecimento
do grande jogador.
Sócrates veio a falecer por complicações de uma cirrose hepática gerada a partir do seu vício em álcool, algo que esteve presente em toda sua carreira. Mesmo no final da vida ele jamais admitiu ser um viciado, o que muito entristeceu Casagrande, ele um lutador constante contra o uso das drogas ilícitas, dada a sua experiência pessoal. O gatilho para a narrativa exposta é justamente a retomada da amizade dos dois às portas da morte de Sócrates. Ele e Casagrande haviam se afastado por conta de uma observação mordaz do craque corintiano quando o ex-centroavante passou a trabalhar para a Globo e não teria se esforçado para obter uma posição equivalente para Sócrates naquela emissora. Fato que passou mais como um grande mal-entendido entre dois homens que se recusaram a crescer e agiam como dois adolescentes birrentos, com questões internas mal resolvidas.


O livro, desta forma, fecha um ciclo no que se refere aos grandes dilemas de Casagrande. Pode até ser que se englobarmos a experiência pessoal de Sócrates, essa trajetória poderia até ter um terceiro volume, desta vez centrada na vida do Doutor, como costumava ser chamado, dada sua formação em medicina, a partir das notas autobiográficas escritas antes de sua morte – e que serviram também de fonte para esta obra. Mas no que diz respeito à Casagrande me parece que agora, definitivamente, todos os seus demônios foram expurgados. Para o bem e para o mal, Sócrates participou de sua formação de caráter enquanto ser humano. Não que seu vício em drogas tivesse sido formatado a partir daí. Quando ele conheceu Sócrates já tinha iniciado essa roda-viva, infelizmente, a partir do estereótipo de jovem rebelde, amante do rock. Mas não há como negar que o ser político e humano no qual Casagrande se transformou teria sido completamente diferente caso não tivesse conhecido o Magrão, outra das alcunhas de Sócrates. Uma obra, enfim, não somente sobre futebol, mas sobre a relação de forte amizade entre dois homens, transcendendo épocas e diferenças, e como ela pode ser um alento numa vida tão atribulada como temos hoje em dia.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Os Quadrinistas

Quando moleque pensar em quadrinhos para mim era sinônimo dos super-heróis da Marvel ou da DC. Não, eu não lia Turma da Mônica, no máximo os quadrinhos da Disney. A Turma da Mônica era para as meninas.

Um pouco mais velho, o convívio com alguns conhecedores dessa arte me levou para outros caminhos. Dentre estes, ainda no colégio, estava Télio Leal Navega Júnior – ou simplesmente Télio Navega, como ele assina sua obra “Os Quadrinistas”, publicada pela editora Zarabatana Books em 2015, com 160 páginas.



Télio para mim era a representação do lado gauche da vida, um olhar de rebeldia para o establishment. Estudar num colégio católico como estávamos não casava muito com este perfil, mas foi por lá que travamos nossos primeiros contatos, já no então segundo grau – atual Ensino Médio. Naquela ocasião me lembro de ter sido influenciado a começar a ler a série japonesa Akira, de Katsuhiro Otomo - sensacional, mas infelizmente foi uma tarefa não levada até o fim por mim.

Desenhava como poucos – diz ele que não mais, mas eu não acredito. Com ele passei também a conhecer outras sonoridades, pois gostava de música, digamos, de vanguarda, fora do mainstream. Mas nesse aspecto pouco sobrou de impacto sobre mim. Passado este tempo e desfeitos os laços acadêmicos, passei acompanhar sua trajetória ao longe.

Passou a estudar Desenho Industrial, o que na minha cabeça era um caminho natural. Posteriormente foi trabalhar no O Globo, salvo engano como diagramador, o que também combinava com sua formação. Durante aquela estada – que duraram 20 anos – teve a oportunidade de criar o blog Gibizada, junto ao dito jornal, que passou a ser uma referência no ramo.
O autor retratado em
tempos de Gibizada
Já recentemente, como sinal de que ele tem destaque, foi convidado a traçar o perfil de uma obra recente de Marcelo Lelis – Gueule Noire (Goela Negra), com roteiro do francês Antoine Ozonam – algo que ele inclusive já havia feito parte em seu livro, como podemos constatar entre as páginas 84 e 89 – para o canal do YouTube de nome sugestivo “Quadrinhos para Barbados”, no quadro Barba, Cabelo e Bigode.


Desta experiência ele pode extrair o desejo de registrar em livro aqueles quadrinistas que considerava referência no cenário nacional. Sim, pois para vocês leigos na matéria, saibam que o Brasil é um país pleno de criadores neste campo, alguns deles inclusive trabalhando para as duas bigs acima citadas da indústria norte-americana – como Gustavo Duarte, por exemplo (págs. 54-59).

Somente no livro de Télio temos a oportunidade de conhecer mais um pouco da trajetória de 25 destes quadrinistas, cujas obras normalmente se encontram naqueles cantos específicos das livrarias dedicados aos quadrinhos de arte. Se não contivesse mais nada, o livro já teria esse mérito, de trazer à luz dos não iniciados um novo mundo a se descobrir. Não necessariamente o leitor deverá gostar da linguagem utilizada por todos eles, mas dentre o vasto portfólio apresentado, com riqueza de detalhes, certamente algumas das estórias ali apresentadas aguçará a curiosidade daqueles que ainda não tiveram a oportunidade de trilhar tais caminhos.

Em termos da estrutura do livro este se apresenta sob uma certa ordem alfabética, respeitados os nomes artísticos pelos quais os quadrinistas ficaram conhecidos, o que vem a facilitar sua localização, com o índice na orelha do livro. Deste modo, temos um cardápio à feição de quem quer consultar uma informação. Este aspecto ganha uma importância adicional pois não gera nenhum demérito do grupo ali retratado perante aquele de maior sucesso editorial e que também se encontra na obra – o próprio Maurício de Souza. Desta forma, todos estão em pé de igualdade em termos qualitativos e quantitativos, com o mesmo espaço.

Espaço é outro aspecto a ser observado. Dada a sua formação – técnica e profissional – Télio soube distribuir imagem e texto de maneira a deixar o leitor saciado com a informação oferecida. Lemos sobre os criadores e criaturas e temos a oportunidade, concomitante, de observá-los nas mesmas páginas com a reprodução de parte dos quadrinhos citados.

O ritmo do texto, ágil e direto, também demonstra influência da formação jornalística. Mas o que seria Télio então: um escritor/blogueiro/desenhista/diagramador/jornalista? Ou tudo isso ao mesmo tempo? Conhecendo sua cabeça, acho que ele prefere evitar rótulos, em que pese os distintos perfis parecerem ter sido escritos como se fossem partes não de um todo denominado livro, mas voltados para um outro meio de comunicação – afinal ele se denomina jornalista em alguns trechos – a revista argentina especializada n o tema, Fierro, é citada mais de uma vez como se fosse o primeiro momento em que surge no livro. Outras vezes, por exemplo, parecia faltar algo complementar num determinado capítulo, como se o leitor tivesse a impressão que nem toda a história sobre um determinado quadrinista havia sido contada – o capítulo sobre Danilo Beyruth termina de forma abrupta, por exemplo (pág. 17). Essa unicidade e complementaridade – ou aprofundamento - deveriam então ser objeto de trabalhos mais detalhados mais adiante.


Por outro lado, ele não deixa de dar também um tom informal na escrita, manifestando por vezes opiniões – algo que poderia estar distante da descrição pura e simples dos quadrinistas – de relance sobre temas extra-livro. Se por um lado isso atravessa o foco, por outro permite ao leitor perceber a linha de pensamento do escritor e como ele se aproximou do campo artístico pela veia pulsante do pensamento filosófico que permeou sua vida toda. Que Télio continue nos brindando com seu conhecimento e, quem sabe, ele não se anime para expressar sua arte por outros meios, com tantas influências?

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

O QUARTO PODER - Uma outra História

Ao receber de presente o livro “O Quarto Poder – uma outra história”, de autoria do jornalista Paulo Henrique Amorim, editado pela Hedra em 2015, com 556 páginas, imaginei ser uma análise isenta sobre a influência da imprensa – o tal “Quarto Poder” – no cotidiano do cidadão comum. Uma análise macro deste fenômeno muito me interessaria. Porém, não é isso que é apresentado pelo autor, que ficou conhecido do grande público como analista econômico em sua passagem pela Rede Globo.


O jornalismo de economia é a favor do mais forte – sempre. (...) O jornalismo de economia é tão ralo quanto o jornalismo brasileiro. E tão falso quanto a elite de que pretende fazer parte. Em tempo: o autor destas mal traçadas ganhou a vida, por muito tempo, como jornalista de economia.
Pág. 383

E a Globo acima citada acaba por se mostrar como sendo o objeto da catarse apresentada na obra em questão. Paulo Henrique Amorim durante 95% do livro se utiliza de anotações pessoais para validar sua versão da história político-econômica brasileira mais recente – a partir, pelo menos, do último governo Getúlio Vargas – como sendo algo construído ao bel prazer daquela corporação jornalística que ficou conhecida como Vênus Platinada.

Alforriado, critico patrões e empregos. E se trato mais da Globo e de Roberto Marinho, é porque eles fizeram por merecer. Pág. 472.

Ora, todos sabemos da grande influência que a mídia detém sobre os rumos da História, em qualquer país. Ela constrói mitos, destrói heróis, cria cenários para o surgimento de salvadores, prenuncia a terra arrasada de seus detratores. Tanto mais se dá quando existe uma hegemonia de uma única companhia em determinada região, Estado ou país. Dessa forma, caso o livro tivesse já em seu título um indicativo ao que se prestava, eu não compraria, pois isso é um fato mais do que sabido. Aí está o primeiro pecado do autor – vender gato por lebre.

Sempre digo a todos que questionam os textos jornalísticos dos principais meios de comunicação – quer seja em sua versão escrita ou falada – de que vento que venta lá, venta cá. Nós, cidadãos comuns, estamos sujeitos à construção de nossa opinião sobre os fatos narrados. Porém, como se narram os fatos é distinto do ocorrido em si. Dessa forma, cabe a nós saber separar o joio do trigo, tanto de um lado quanto do outro. Pregar que apenas um dos combatentes dissimula seu discurso em prol do benefício próprio é como afirmar que existe uma divisão clara entre anjos e demônios.

Todas as empresas de comunicação têm, a princípio, uma linha editorial a respeitar – caso eu esteja falando uma bobagem jornalística, que meus amigos da área me corrijam. Assim sendo, o texto (ou a fala, oriunda do texto) está sujeita a uma orientação ou filtro superior que direcionará o raciocínio de quem a apresenta e, em tese, com o objetivo de cooptar corações e mentes de quem lê ou assiste. Temos, portanto, enquanto leitores, ouvintes ou telespectadores, que proceder com a seguinte escolha: queremos ser cidadãos esclarecidos, mas que entendem por ser esclarecidos ter a dura tarefa de identificar desvios de discurso para identificar o fato em si, buscando a isenção a todo custo; ou queremos adotar a crença numa linha ideológica e abraçar suas manifestações e discursos, não importando a qualidade da fonte, uma vez que já fizemos nossa opção ex-ante?

No mundo do politicamente correto todos acorreriam para a primeira opção – queremos ser cidadãos isentos, ora pois. Mas observem que alternativas políticas fazem parte do cotidiano de todos. E, em princípio, o ser humano sempre buscará aquele discurso que mais lhe aprouver. Quase ninguém se dá ao trabalho de ler “o outro lado”, pois soa muito mais suave aos ouvidos as palavras que corroboram nosso pensamento constituído.

Nesse caminhar nos vemos envoltos, então, num novo nível do dilema “o ovo ou a galinha”. O que veio primeiro, a apropriação do cidadão pelo discurso constituído pelos meios de comunicação; ou a adesão aos meios de comunicação por um cidadão com um ideário pré-constituído?

Entendo que devemos, à luz das experiências históricas, identificar aquilo que entendemos seja o melhor para a nossa sociedade. E quando falo em experiências históricas não me remeto somente aos últimos 60, 70 anos, mas toda a trajetória da humanidade. Pergunto a vocês: a corrupção, praga renitente que insiste em molestar o mundo como um todo, existe desde quando? As sociedades de uma maneira geral buscaram se defender de tal prática adotando uma série de estratagemas, porém esta continua a existir e encontrar outras maneiras de se plasmar com aqueles que deveriam zelar por nós, infelizmente.

A corrupção, movida pelo capital, é aderente a toda forma de poder, quaisquer bandeiras que este poder empunhe. Cabe a nós, cidadãos, leitores, ouvintes, espectadores, estarmos atentos para identificá-la e denunciá-la. A existência de meios de comunicação aderentes ao poder vigente também é uma prática comum, quaisquer que sejam as matizes ideológicas representadas no trono da governança. Ter a consciência disso é o primeiro passo para separar o fato da versão do fato.

Conta-se que, depois da derrota para Collor, em 1989, Lula participou de um debate em Paris com Roberto Marinho e Jaime Lerner. Um estudante na plateia interpelou o dr. Roberto.

- O senhor não tem vergonha de usar uma concessão de um serviço público para manipular um debate e fazer uma cobertura vergonhosamente a favor de um candidato e contra outro?

O estudante foi freneticamente aplaudido. O dr. Roberto respondeu.

- Meu filho, eu não tenho nada contra esse rapaz aqui ao meu lado, o Lula. Mas, todo dia o partido dele passava na porta da TV Globo com o caixão em que ia me enterrar. Um outro candidato, o Brizola, dizia que ia tomar o meu lugar. E tinha um outro candidato, filho de um velho amigo meu e que me tratava muito bem na campanha. Quem o senhor acha que eu devia apoiar? O que ia me enterrar? O que ia tomar o meu lugar? Ou o filho do meu amigo?

Lula considerou a explicação razoável.
Pág. 304

E não será um livro que se imagina como sendo o bastião da verdade, apoiado somente em anotações pessoais, sem nenhuma prova contundente que não apenas o testemunho ocular, escrito de maneira desconexa, memórias que vão e vem, num texto sem lógica que não apenas destilar o que parece ser o ódio por um determinado sistema – do qual se alimentou – mas também para propagandear seu próprio trabalho atual que irá fazer com que alguém mude de opinião. É preciso muito mais do que isso para gerar um movimento de altercação, de repúdio a tudo que está por aí. A pergunta que fica é: Paulo Henrique Amorim, a que senhor você serve?

A Globo quer é fechar o Google no Brasil. Só isso! Pág. 406


Lhes digo: o quarto poder, na verdade, não é a imprensa. Somos nós. Nós é que temos a capacidade de mudar uma sociedade que esteja viciada. Mas devemos começar desde o mais pequeno dos atos – não jogar lixo na rua, por exemplo – até alcançarmos o maior deles – saber escolher nossos representantes. Paulo Henrique, infelizmente você me fez perder um precioso tempo. Melhor sorte da próxima vez.