Quando
moleque pensar em quadrinhos para mim era sinônimo dos super-heróis da Marvel
ou da DC. Não, eu não lia Turma da Mônica, no máximo os quadrinhos da Disney. A
Turma da Mônica era para as meninas.
Um
pouco mais velho, o convívio com alguns conhecedores dessa arte me levou para
outros caminhos. Dentre estes, ainda no colégio, estava Télio Leal Navega
Júnior – ou simplesmente Télio Navega, como ele assina sua obra “Os
Quadrinistas”, publicada pela editora Zarabatana Books em 2015, com 160
páginas.
Télio
para mim era a representação do lado gauche da vida, um olhar de rebeldia para
o establishment. Estudar num colégio
católico como estávamos não casava muito com este perfil, mas foi por lá que
travamos nossos primeiros contatos, já no então segundo grau – atual Ensino
Médio. Naquela ocasião me lembro de ter sido influenciado a começar a ler a
série japonesa Akira, de Katsuhiro Otomo - sensacional, mas infelizmente foi uma tarefa não levada
até o fim por mim.
Desenhava
como poucos – diz ele que não mais, mas eu não acredito. Com ele passei também
a conhecer outras sonoridades, pois gostava de música, digamos, de vanguarda,
fora do mainstream. Mas nesse aspecto
pouco sobrou de impacto sobre mim. Passado este tempo e desfeitos os laços
acadêmicos, passei acompanhar sua trajetória ao longe.
Passou
a estudar Desenho Industrial, o que na minha cabeça era um caminho natural.
Posteriormente foi trabalhar no O Globo, salvo engano como diagramador, o que
também combinava com sua formação. Durante aquela estada – que duraram 20 anos –
teve a oportunidade de criar o blog Gibizada, junto ao dito jornal, que passou
a ser uma referência no ramo.
Já recentemente, como sinal de que ele tem
destaque, foi convidado a traçar o perfil de uma obra recente de Marcelo Lelis –
Gueule Noire (Goela Negra), com roteiro do francês Antoine Ozonam – algo que ele inclusive já havia
feito parte em seu livro, como podemos constatar entre as páginas 84 e 89 –
para o canal do YouTube de nome sugestivo “Quadrinhos para Barbados”, no quadro Barba, Cabelo e Bigode.
O autor retratado em tempos de Gibizada |
Desta
experiência ele pode extrair o desejo de registrar em livro aqueles
quadrinistas que considerava referência no cenário nacional. Sim, pois para
vocês leigos na matéria, saibam que o Brasil é um país pleno de criadores neste
campo, alguns deles inclusive trabalhando para as duas bigs acima citadas da indústria norte-americana – como Gustavo
Duarte, por exemplo (págs. 54-59).
Somente
no livro de Télio temos a oportunidade de conhecer mais um pouco da trajetória
de 25 destes quadrinistas, cujas obras normalmente se encontram naqueles cantos
específicos das livrarias dedicados aos quadrinhos de arte. Se não contivesse
mais nada, o livro já teria esse mérito, de trazer à luz dos não iniciados um
novo mundo a se descobrir. Não necessariamente o leitor deverá gostar da
linguagem utilizada por todos eles, mas dentre o vasto portfólio apresentado,
com riqueza de detalhes, certamente algumas das estórias ali apresentadas
aguçará a curiosidade daqueles que ainda não tiveram a oportunidade de trilhar
tais caminhos.
Em
termos da estrutura do livro este se apresenta sob uma certa ordem alfabética,
respeitados os nomes artísticos pelos quais os quadrinistas ficaram conhecidos,
o que vem a facilitar sua localização, com o índice na orelha do livro. Deste
modo, temos um cardápio à feição de quem quer consultar uma informação. Este
aspecto ganha uma importância adicional pois não gera nenhum demérito do grupo
ali retratado perante aquele de maior sucesso editorial e que também se
encontra na obra – o próprio Maurício de Souza. Desta forma, todos estão em pé
de igualdade em termos qualitativos e quantitativos, com o mesmo espaço.
Espaço
é outro aspecto a ser observado. Dada a sua formação – técnica e profissional –
Télio soube distribuir imagem e texto de maneira a deixar o leitor saciado com
a informação oferecida. Lemos sobre os criadores e criaturas e temos a
oportunidade, concomitante, de observá-los nas mesmas páginas com a reprodução
de parte dos quadrinhos citados.
O
ritmo do texto, ágil e direto, também demonstra influência da formação jornalística.
Mas o que seria Télio então: um
escritor/blogueiro/desenhista/diagramador/jornalista? Ou tudo isso ao mesmo
tempo? Conhecendo sua cabeça, acho que ele prefere evitar rótulos, em que pese
os distintos perfis parecerem ter sido escritos como se fossem partes não de um
todo denominado livro, mas voltados para um outro meio de comunicação – afinal ele
se denomina jornalista em alguns trechos – a revista argentina especializada n
o tema, Fierro, é citada mais de uma vez como se fosse o primeiro momento em
que surge no livro. Outras vezes, por exemplo, parecia faltar algo complementar
num determinado capítulo, como se o leitor tivesse a impressão que nem toda a
história sobre um determinado quadrinista havia sido contada – o capítulo sobre
Danilo Beyruth termina de forma abrupta, por exemplo (pág. 17). Essa unicidade e
complementaridade – ou aprofundamento - deveriam então ser objeto de trabalhos
mais detalhados mais adiante.
Por
outro lado, ele não deixa de dar também um tom informal na escrita,
manifestando por vezes opiniões – algo que poderia estar distante da descrição
pura e simples dos quadrinistas – de relance sobre temas extra-livro. Se por um
lado isso atravessa o foco, por outro permite ao leitor perceber a linha de
pensamento do escritor e como ele se aproximou do campo artístico pela veia
pulsante do pensamento filosófico que permeou sua vida toda. Que Télio continue
nos brindando com seu conhecimento e, quem sabe, ele não se anime para
expressar sua arte por outros meios, com tantas influências?
Lembro que , nos anos 80, muitos quadrinistas brasileiros sofreram clara influência de Robert Crumb.
ResponderExcluirAngeli, com sua Rê Bordosa, foi um deles . E já admitiu isso
E acho que Laerte também . Mas duvido que admita .
Aliás , no caso dos dois , não sei bem se são quadrinistas ou cartunistas .
Crumb se destacou na revista Rolling Stone e já contou a história de Gênesis (da Biblia) e a Metamorfose (Kafka) em quadrinhos. From FB
Afonso, é clara a influência de Robert Crumb no trabalho de Angeli, assim como no de Marcatti. Laerte foi mais influenciado por Wolinski e Henfil. Não há demérito algum em ser influenciado por um cara como Crumb. Hoje, Angeli não é mais quadrinista, e sim chargista. Mas, ainda assim, ele possui uma respeitável obra em quadrinhos, dos tempos da revista "Chiclete com Banana". Laerte volta e meia lança algo em HQ. Evidentemente não produz tanto quanto antigamente, mas é uma das maiores quadrinistas do Brasil. Senão a maior. Recentemente, Laerte lançou o livro "Modelo Vivo" (Barracuda), com ilustrações e algumas de suas melhores HQs, inclusive com uma inédita. Então, ela continua quadrinista. > http://saopaulosao.com.br/.../2416-laerte-lan%C3%A7a-novo...
ExcluirOk, Telio. Agradeço muito seu esclarecimento . Que bom que parte do que imagino faz algum sentido .
ExcluirE agora estou mais interessado ainda em ler seu livro .
Sucesso, meu irmão !
Valeu !
Eu estaria errado em pensar que Laerte foi influenciado por Henfil não só no traço, no estilo, mas também politicamente ? Considerando sua atual militância.
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