segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Os Quadrinistas

Quando moleque pensar em quadrinhos para mim era sinônimo dos super-heróis da Marvel ou da DC. Não, eu não lia Turma da Mônica, no máximo os quadrinhos da Disney. A Turma da Mônica era para as meninas.

Um pouco mais velho, o convívio com alguns conhecedores dessa arte me levou para outros caminhos. Dentre estes, ainda no colégio, estava Télio Leal Navega Júnior – ou simplesmente Télio Navega, como ele assina sua obra “Os Quadrinistas”, publicada pela editora Zarabatana Books em 2015, com 160 páginas.



Télio para mim era a representação do lado gauche da vida, um olhar de rebeldia para o establishment. Estudar num colégio católico como estávamos não casava muito com este perfil, mas foi por lá que travamos nossos primeiros contatos, já no então segundo grau – atual Ensino Médio. Naquela ocasião me lembro de ter sido influenciado a começar a ler a série japonesa Akira, de Katsuhiro Otomo - sensacional, mas infelizmente foi uma tarefa não levada até o fim por mim.

Desenhava como poucos – diz ele que não mais, mas eu não acredito. Com ele passei também a conhecer outras sonoridades, pois gostava de música, digamos, de vanguarda, fora do mainstream. Mas nesse aspecto pouco sobrou de impacto sobre mim. Passado este tempo e desfeitos os laços acadêmicos, passei acompanhar sua trajetória ao longe.

Passou a estudar Desenho Industrial, o que na minha cabeça era um caminho natural. Posteriormente foi trabalhar no O Globo, salvo engano como diagramador, o que também combinava com sua formação. Durante aquela estada – que duraram 20 anos – teve a oportunidade de criar o blog Gibizada, junto ao dito jornal, que passou a ser uma referência no ramo.
O autor retratado em
tempos de Gibizada
Já recentemente, como sinal de que ele tem destaque, foi convidado a traçar o perfil de uma obra recente de Marcelo Lelis – Gueule Noire (Goela Negra), com roteiro do francês Antoine Ozonam – algo que ele inclusive já havia feito parte em seu livro, como podemos constatar entre as páginas 84 e 89 – para o canal do YouTube de nome sugestivo “Quadrinhos para Barbados”, no quadro Barba, Cabelo e Bigode.


Desta experiência ele pode extrair o desejo de registrar em livro aqueles quadrinistas que considerava referência no cenário nacional. Sim, pois para vocês leigos na matéria, saibam que o Brasil é um país pleno de criadores neste campo, alguns deles inclusive trabalhando para as duas bigs acima citadas da indústria norte-americana – como Gustavo Duarte, por exemplo (págs. 54-59).

Somente no livro de Télio temos a oportunidade de conhecer mais um pouco da trajetória de 25 destes quadrinistas, cujas obras normalmente se encontram naqueles cantos específicos das livrarias dedicados aos quadrinhos de arte. Se não contivesse mais nada, o livro já teria esse mérito, de trazer à luz dos não iniciados um novo mundo a se descobrir. Não necessariamente o leitor deverá gostar da linguagem utilizada por todos eles, mas dentre o vasto portfólio apresentado, com riqueza de detalhes, certamente algumas das estórias ali apresentadas aguçará a curiosidade daqueles que ainda não tiveram a oportunidade de trilhar tais caminhos.

Em termos da estrutura do livro este se apresenta sob uma certa ordem alfabética, respeitados os nomes artísticos pelos quais os quadrinistas ficaram conhecidos, o que vem a facilitar sua localização, com o índice na orelha do livro. Deste modo, temos um cardápio à feição de quem quer consultar uma informação. Este aspecto ganha uma importância adicional pois não gera nenhum demérito do grupo ali retratado perante aquele de maior sucesso editorial e que também se encontra na obra – o próprio Maurício de Souza. Desta forma, todos estão em pé de igualdade em termos qualitativos e quantitativos, com o mesmo espaço.

Espaço é outro aspecto a ser observado. Dada a sua formação – técnica e profissional – Télio soube distribuir imagem e texto de maneira a deixar o leitor saciado com a informação oferecida. Lemos sobre os criadores e criaturas e temos a oportunidade, concomitante, de observá-los nas mesmas páginas com a reprodução de parte dos quadrinhos citados.

O ritmo do texto, ágil e direto, também demonstra influência da formação jornalística. Mas o que seria Télio então: um escritor/blogueiro/desenhista/diagramador/jornalista? Ou tudo isso ao mesmo tempo? Conhecendo sua cabeça, acho que ele prefere evitar rótulos, em que pese os distintos perfis parecerem ter sido escritos como se fossem partes não de um todo denominado livro, mas voltados para um outro meio de comunicação – afinal ele se denomina jornalista em alguns trechos – a revista argentina especializada n o tema, Fierro, é citada mais de uma vez como se fosse o primeiro momento em que surge no livro. Outras vezes, por exemplo, parecia faltar algo complementar num determinado capítulo, como se o leitor tivesse a impressão que nem toda a história sobre um determinado quadrinista havia sido contada – o capítulo sobre Danilo Beyruth termina de forma abrupta, por exemplo (pág. 17). Essa unicidade e complementaridade – ou aprofundamento - deveriam então ser objeto de trabalhos mais detalhados mais adiante.


Por outro lado, ele não deixa de dar também um tom informal na escrita, manifestando por vezes opiniões – algo que poderia estar distante da descrição pura e simples dos quadrinistas – de relance sobre temas extra-livro. Se por um lado isso atravessa o foco, por outro permite ao leitor perceber a linha de pensamento do escritor e como ele se aproximou do campo artístico pela veia pulsante do pensamento filosófico que permeou sua vida toda. Que Télio continue nos brindando com seu conhecimento e, quem sabe, ele não se anime para expressar sua arte por outros meios, com tantas influências?

4 comentários:

  1. Lembro que , nos anos 80, muitos quadrinistas brasileiros sofreram clara influência de Robert Crumb.
    Angeli, com sua Rê Bordosa, foi um deles . E já admitiu isso
    E acho que Laerte também . Mas duvido que admita .
    Aliás , no caso dos dois , não sei bem se são quadrinistas ou cartunistas .
    Crumb se destacou na revista Rolling Stone e já contou a história de Gênesis (da Biblia) e a Metamorfose (Kafka) em quadrinhos. From FB

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    1. Afonso, é clara a influência de Robert Crumb no trabalho de Angeli, assim como no de Marcatti. Laerte foi mais influenciado por Wolinski e Henfil. Não há demérito algum em ser influenciado por um cara como Crumb. Hoje, Angeli não é mais quadrinista, e sim chargista. Mas, ainda assim, ele possui uma respeitável obra em quadrinhos, dos tempos da revista "Chiclete com Banana". Laerte volta e meia lança algo em HQ. Evidentemente não produz tanto quanto antigamente, mas é uma das maiores quadrinistas do Brasil. Senão a maior. Recentemente, Laerte lançou o livro "Modelo Vivo" (Barracuda), com ilustrações e algumas de suas melhores HQs, inclusive com uma inédita. Então, ela continua quadrinista. > http://saopaulosao.com.br/.../2416-laerte-lan%C3%A7a-novo...

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    2. Ok, Telio. Agradeço muito seu esclarecimento . Que bom que parte do que imagino faz algum sentido .
      E agora estou mais interessado ainda em ler seu livro .
      Sucesso, meu irmão !
      Valeu !

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    3. Eu estaria errado em pensar que Laerte foi influenciado por Henfil não só no traço, no estilo, mas também politicamente ? Considerando sua atual militância.

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