Não,
não se trata de uma obra sobre a força da Igreja Católica em nossa sociedade. O
livro de Charles Duhigg – O Poder do Hábito: por que fazemos o que fazemos na
vida e nos negócios – Rio de Janeiro – Ed. Objetiva – 2012 – 407 págs. – fala
daquelas pequenas atitudes que tomamos que com o passar do tempo passam a ser
tão costumeiras que nem notamos, ou seja, os hábitos de cada um. “Os hábitos,
dizem os cientistas, surgem porque o cérebro está o tempo todo procurando
maneiras de poupar esforço” (pág. 35).
Como
premiado repórter investigativo do New York Times, Charles Duhigg tomou a
precaução de checar fontes e conferir informações. Tal fato encontra-se
fartamente ilustrado na seção de Notas, ao final do livro, correspondendo a
praticamente 25% do trabalho. Ao se ler a obra percebe-se o quão necessário foi
este cuidado, uma vez que ele lida com questões delicadas, algumas de foro
pessoal, outras que atingem grandes instituições, em ambos os casos, todos
zelosos por resguardar sua imagem.
Parte
Um – Os Hábitos dos Indivíduos;
Parte
Dois – Os Hábitos de Organizações Bem-Sucedidas;
Parte
Três – Os Hábitos de Sociedades.
Meu
interesse maior estava voltado para a Parte Dois, pois entendo ser extremamente
útil ter conhecimento de teorias que possam ajudar na gestão de indivíduos,
algo que facilita sobremaneira o relacionamento interpessoal no trabalho.
Vamos
observar com cuidado a trajetória do autor em cada uma das seções A Parte Um
apresenta as bases da teoria que ele defenderá. Seria como na Faculdade de Contabilidade
– apresenta-se o que lhe dá suporte logo no primeiro período. O restante do
tempo são variações sobre o mesmo tema. Nesse contexto, ele disserta sobre a
dinâmica do que ele chama “o loop do
hábito”, que se circunscreve no tripé “Deixa / Rotina / Recompensa”. Explicando
sumariamente, os hábitos são formados a partir de 3 tempos: o tempo da deixa,
ou gatilho que o aciona / a rotina propriamente dita, ou seja, o hábito em ação
/ e a recompensa que advém do mesmo, aquela cenoura tão ansiada pelo coelho que
faz com que o loop se inicie. Ex.: o
prazer que um café no meio da tarde lhe proporciona, dando o gás necessário
para se seguir adiante.
Além
de apresentar as bases da teoria, a Parte Um se presta muito mais para aqueles
leitores que buscam tratar de problemas – ou maus hábitos – adquiridos
individualmente. Seria algo muito mais chegado para a cultura da chamada
“auto-ajuda”. Este aspecto é reforçado por um apêndice do livro – entre as
págs. 287 e 298 – no qual o autor dá uma “receita” contendo 4 passos para mudar
determinados hábitos. A meu ver, esta seção era desnecessária, enfraquecendo o
valor do livro, que até então tinha sua riqueza justamente em ilustrar a teoria
com farta produção de casos reais, sem se deixar levar pelo lado estritamente
comercial. De toda forma trechos focados em exemplos esportivos – minha praia,
digamos assim – fez com que o meu interesse se mantivesse vivo enquanto leitor
mesmo nesta seção:
“A maioria dos
times de futebol americano não são times de verdade. São só caras que trabalham
juntos”, me disse um terceiro jogador daquele período. “Mas nós viramos um time. A sensação era incrível. O
treinador era a faísca, mas a coisa ia além dele. Depois que ele voltou, a
sensação era de que realmente acreditávamos uns nos outros, como se soubéssemos
jogar juntos de um jeito que não sabíamos antes” (pág. 105).
Na
Parte Dois, que realmente me interessava, são apresentados casos vinculados à
Alcoa – e como a sua cultura de valorização da segurança no trabalho agiu
transversalmente levando a empresa a uma grande revolução interna que gerou
resultados esplendidos em todos os campos; do Starbucks e sua política de
autonomia para seus gestores, a partir da valorização de suas idéias, cultura
esta que pode mudar a vida inclusive de um rapaz problemático que não se
encontrava em nenhum trabalho (1); a crise no Rhode Island Hospital, a partir
do caso de insucesso de uma cirurgia por uma aparente negligência, e como esta
se transformou numa oportunidade para uma mudança de hábito; e em como estamos
inseridos numa sociedade em que somos monitorados – e por conseqüência nossos
hábitos – todo o tempo, gerando valor para empresas que coletam dados e os
vendem para outras empresas bem utilizá-los em favor de identificar o cliente
na melhor hora de favorecê-lo a uma compra, citando o crescimento da empresa
Target.
A
riqueza da Parte Dois, além de atingir o que eu imaginava, estava justamente no
fato de que o autor, sabiamente, buscou exemplos nos mais diversos cenários,
reforçando sua teoria de que o poder do hábito se encontra presente em todos os
campos (2). E daí vamos à surpreendente Parte Três, voltada para os hábitos – e
sua formação – na sociedade. Confesso que daí não sabia o que esperar.
A
Parte Três é dividida em duas seções, uma explicando como se deu a explosão da
luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e como uma Igreja Protestante se
consolidou perante seus fiéis. Confesso que após a leitura deste trecho não me
senti tão convicto sobre a validade da teoria em sua aplicação. Isto se
reforçou com a segunda seção, que se debruçou sobre o que ele chamou “A
Neurologia do Livre Arbítrio”. Nas notas a inquietude dos cientistas,
cautelosos em não afirmar categoricamente que uma determinada atitude foi
tomada em função de um hábito consolidado, é tão contundente que tal sentimento
de dúvida a mim ficou mais claro. Propalar que um hábito de uma sociedade – o
que poderia ser lido como a sua cultura intrínseca – foi formado por uma série
de gatilhos que respeitariam o loop
do hábito me pareceu forçoso demais. Existem inúmeras variáveis a serem
consideradas, típicas da humanidade existente em cada um de nós que somadas,
geram um sentimento de grupo. Tanto que o próprio autor colocou que existem
outras condições a serem respeitadas:
- Um movimento começa devido aos hábitos
sociais de amizade e aos laços fortes entre conhecidos próximos.
- Ele cresce devido aos hábitos de uma
comunidade a os laços fracos que unem vizinhanças e clãs.
- E ele perdura porque os líderes de um
movimento dão aos participantes novos hábitos que criam um novo senso de
identidade e um sentimento de propriedade. (pág. 231)
Quando
um teórico começa a adaptar sua teoria para que esta abranja cada vez mais
outros cenários que se apresentam, ele enfraquece seu discurso. Seria como se a
teoria, na prática da vida, fosse outra. Dessa forma, posso dizer que minha
convicção quanto a utilidade do livro – apoio à gestão de indivíduos num
ambiente profissional – se mostrou verdadeira. Mas será que esta minha veia
crítica é uma questão de hábito?
(1)
“Para
empresas e organizações, essa descoberta tem implicações enormes. O simples ato
de dar aos empregados um senso de autonomia – uma sensação de que estão no controle,
de que têm autoridade legítima para tomar decisões – pode aumentar radicalmente
o grau de energia e foco que eles dedicam ao emprego” (pág. 165).
(2)
“Ou
pensemos num jovem executivo aspirante a vice-presidente que, com um telefonema
discreto para um cliente importante, poderia frustrar a venda e sabotar o
departamento de um colega, tirando-o do páreo para a promoção. O problema da
sabotagem é que, mesmo que seja boa para você, ela geralmente é ruim para a
empresa. Por isso, na maioria das empresas surge uma regra tácita: você pode
ser ambicioso, mas se jogar pesado demais, seus colegas vão se unir contra
você. Por outro lado, se você se concentrar em alavancar o próprio
departamento, em vez de solapar seu rival, com o tempo você provavelmente
receberá atenção” (pág. 176).