sábado, 16 de fevereiro de 2013

Cem Dias entre Céu e Mar


Todos nós passamos por experiências que marcam a nossa vida, que servem de referência para nossas futuras atitudes. Desta forma vamos ganhando maturidade, vamos crescendo em sabedoria, vamos aprendendo “o caminho das pedras”. Essas lições servem, portanto, para que não cometamos os mesmos erros e para que possamos trilhar um rumo com menos tropeços e equívocos.

Porém, poucos são aqueles que podem dizer que anteciparam a experiência marcante pela qual passariam – exceção àqueles que ficaram 9 meses esperando o primeiro filho nascer. Amyr Klink foi um deles. No livro “Cem Dias entre Céu e Mar” – São Paulo – Ed. Companhia das Letras – 2005 – 160 págs. – este economista e administrador por formação apresenta o relato dos preparativos e da jornada de travessia, da África para o Brasil, do oceano Atlântico, a bordo de um barco a remos – o IAT.


Amyr Klink, ao contrário do que muitos podem pensar, não é um aventureiro. Isso se a palavra tiver o significado de ser uma pessoa que faz as coisas sem medir muito as conseqüências. Muito longe disso. Amyr Klink é uma pessoa metódica, organizada, que só se envolve em suas empreitadas com muito planejamento. Depois desta aventura, pela qual ficou conhecido – foi o primeiro a atravessar o Atlântico pelo hemisfério sul desta forma, sozinho, remando – ele ainda realizou outras, sendo de igual relevância, por exemplo, em termos de desafio, a permanência, isolado, entre a Antártica e o Ártico, num projeto que consumiu ao todo 2 anos.

Amyr Klink hoje em dia...

E o mais interessante ainda é que, uma vez que você passa a acompanhar com interesse reportagens sobre os chamados esportes radicais – casta talvez que mais se aproxime dele – percebe que os verdadeiros profissionais fazem tudo com muito método e planejamento, evitando assim contratempos e riscos desnecessários. Dito isto, seguem, abaixo, algumas lições extraídas do livro – que não sem razão, acabaram por ser um dos meios de renda do próprio Amyr, ministrando palestras para todo o tipo de público, principalmente empresas, que podem aplicá-las ao combativo mundo em que se inserem:

Planejamento é tudo

Um pouco antecipado no parágrafo acima, Amyr Klink antes de enfrentar os mares, analisa meticulosamente cada passo a ser dado. As surpresas no meio do caminho não deixam de existir – isso é a vida – porém sua capacidade de planejamento lhe dava a devida segurança para que, a cada “não” ou “porém” que surgisse, ele estivesse convicto, mesmo assim, de que estava no caminho certo. Tinha um rumo traçado, estudado, e nada poderia abalá-lo ao ponto de desistir.

O “dossiê amarelo” era meu advogado oficial: um documento de trinta páginas que escrevi dois anos antes, onde detalhava, item por item, o projeto que tinha em mente e que não deixava dúvidas sobre a sua viabilidade. Por muitas vezes ainda esse documento me livraria de situações complicadas. (pág. 22).

Coragem, mesmo nos momentos mais difíceis

Por vezes nos vemos envolvidos numa série de desencontros, decisões erradas, equívocos que nos fazem pensar que tudo de negativo está acontecendo conosco e que não temos como sair deste buraco negro. É o chamado “inferno astral”. Amyr Klink teve os seus, em mais de 3 meses no mar. Porém, em nenhum momento ele perdeu a coragem de seguir em frente, seguro que estava do projeto e das ferramentas que tinha à mão. Se ele teve medo? Claro que sim. O medo também faz parte, e sua principal função é nos auxiliar a não cruzarmos os limites. Mas sempre existe o imponderável da natureza, muito maior do que nós, que poderia levar tudo a perder. Mas para quem se prepara, sempre há uma saída. Há que ter paciência e atitude. Muitas vezes as coisas se ajeitam por si só. Desesperar jamais.

Naquela mesma noite fui acordado diversas vezes por ondas que golpeavam o barco com impressionante violência. O mar parecia ter enlouquecido e não havia mais nada que eu pudesse fazer a não ser permanecer deitado e rezar. (...) Mal tive tempo de analisar o que se passou, e o mundo deu novamente uma volta completa, tão rápida que nem cheguei a sair do lugar. (...) Impossível descobrir naquele momento. Precisava tirar a água primeiro. Não havia tempo para pensar. Sem que eu parasse de um minuto de acionar a alavanca da bomba, o dia começou a nascer e pude então perceber o tamanho da encrenca. (...) Os segundos passavam e nada acontecia desta vez. Eu tinha no fundo do barco um sistema de tanques flexíveis de borracha, embaixo dos tanques de água doce, previsto para uma eventualidade como essa. Eram tanques de lastro que, abastecidos com duzentos litros de água, fariam o barco retornar à posição normal. Pensei, então, em acionar a bomba de lastros. Mas não foi preciso. Mal tentei me virar para alcançar a alavanca da bomba, o barco endireitou. Que alívio! (págs. 36 e 37).

E Amyr Klink naqueles dias.

Saber avaliar o problema

Em nosso rápido mundo, queremos soluções já, imediatamente, para os problemas que nos afligem. Não paramos em nenhum momento para analisar se aquela questão é tão difícil que pode tomar muito mais tempo do que desejamos. Como se o ser humano não suportasse o sofrimento por um longo período. Ao contrário. Se tivermos a correta dimensão do que temos pela frente, saberemos então ter a devida paciência para, ultrapassando uma etapa de cada vez, sobrevivermos e acelerarmos, posteriormente, rumo ao objetivo traçado. Nenhum problema é tão grande que não possa ser resolvido. Porém, há que ter a paciência necessária para buscar a solução.

Não havia por que insistir em enfrentar a violência do mar. O barômetro, desde a véspera bastante baixo, continuava lentamente a descer e indicava que tão cedo as condições metereológicas não melhorariam. Eu estava sendo ultrapassado por um centro de baixa pressão. Entendi que de nada adiantaria medir braços com algo maior que as minhas forças, e que em vez de teimar com o tempo e correr o risco de quebrar o barco, deveria ser paciente e saber aguardar o momento certo de continuar em frente (pág. 59).

Depois da tempestade sempre vem a bonança

Ditado mais que batido, mas que sempre nos esquecemos em meio ao turbilhão que estamos enfrentando. Momentos ruins os teremos, mas também momentos bons serão muitos – e em maior quantidade. A vida é assim, feita de altos e baixos. Temo que saber enfrentar os baixos para bem usufruir dos altos, não nos esquecendo jamais que outros reveses poderão advir.

Não passei naqueles sete dias [sete dias seguidos de tempestade] por um momento sequer de monotonia, tristeza ou desespero. Pois nada é mais certo do que a chegada do bom tempo após uma tempestade que parece interminável. (pág. 60)

Dar valor às pequenas alegrias da vida

Quantas vezes desperdiçamos o proveito que podemos tirar das pequenas alegrias da vida. Aquele sorvete num dia de calor, uma caminhada na praia com a família, um jantar quentinho depois de um dia intenso de trabalho, entre outras inúmeras coisas. Todas elas nos dão forças para enfrentar os dilemas que imaginamos gigantes, mas que se tornam menores perante a grande quantidade de alegrias que usufruímos e não nos damos conta.

A imensidão do mar tornava minúsculos os meus maiores problemas e gigantes as menores alegrias. Ensinou-me a dar valor à vida que eu levava e a pequenas coisas que às vezes passavam despercebidas. Nada no mundo era mais gostoso do que terminar o jantar e ir para cama. Nada fazia mais falta do que um travesseiro comum. (...) E então pude constatar como tão poucas coisas eram suficientes para viver em paz e bem. (pág. 119)

Navegar é preciso, mas decidir é preciso

Nossa vida é uma trajetória que construímos, e essa ser, para mim, a principal lição de Amyr Klink. Construímos com planejamento, paciência e dedicação, com coragem para enfrentar os piores momentos, sabedoria para esperar os melhores momentos, que certamente virão. Mas para que possamos seguir em frente, não podemos fugir das decisões. Elas são a alavanca que farão com que superemos as dificuldades.

Ao se caminhar para um objetivo, sobretudo um grande e distante objetivo, as menores coisas se tornam fundamentais. Uma hora perdida é uma hora perdida, e quando não se tem um rumo definido é muito fácil perder horas, dias ou anos, sem dar conta disso. O mínimo progresso que conseguisse fazer num dia em direção ao Brasil era importante, ainda que fosse de centímetros apenas. Com o tempo, eu acumularia todos os progressos e os centímetros se transformariam em quilômetros. Senti que estava cumprindo uma obra de paciência e disciplina. E percebi como é simples conseguir isso. Nada de sacrifícios extremos ou esforços impossíveis. Nada de grandes sofrimentos. Ao contrário, bastava apenas o simples, minúsculo e indolor esforço de decidir. E ir em frente. Então tudo se tornava mais fácil. Os problemas encontravam solução. (págs. 119-120).

É isso, acho que não preciso dizer mais nada. Esse foi a aprendizado que tirei deste livro. Provavelmente vocês identificarão muitos outros, se tomarem a decisão de lê-lo. É tão simples...

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Em Algum Lugar do Paraíso


“O Veríssimo é um machista!”. Foi com essa afirmação peremptória que fui recebido pela minha esposa ao relatar alguns dos textos hilários escritos por Luis Fernando Veríssimo no livro “Em Algum Lugar do Paraíso” – Ed. Objetiva – 2011 – 198 págs.. Confesso que num primeiro momento minha reação foi de pensar que ela não estava tendo a sensibilidade necessária para a leitura dos textos daquele o qual reputo um dos maiores escritores de crônicas do cotidiano de nosso tempo.


 Posteriormente, ao observar com mais atenção os textos seguintes lidos no mesmo livro – ainda estava em meio à leitura da obra, mas não me contive em ler para ela aquelas palavras de tão bom humor, inteligentes, às quais estava tendo acesso – percebi sim um viés pelo estereótipo de nossa sociedade, ela sim, machista ao extremo. Ora, sendo o Veríssimo um cronista, um crítico, da sociedade em que vivemos, é óbvio que ele use como matéria prima os aspectos mais relevantes que esta possui – o machismo sendo uma delas.

A capacidade de rirmos de nós mesmos nos faz uma espécie singular. Nossas mazelas a todo o momento se fazem presentes e temos que ter a capacidade de encontrar nestas, aquele aspecto que faz com que as diminuamos ao seu real tamanho, estratégia elementar para que possamos superá-las. Veríssimo, com sua verve inspirada, nos auxilia nesta caminhada. “Veríssimo nos faz pensar sobre as escolhas, as decisões precipitadas, as que nunca foram tomadas – sempre com um olhar amoroso, bem-humorado, cúmplice de limitações demasiado humanas”. É assim que o autor é apresentado na orelha de sua própria obra.


 Entre as 41 crônicas apresentadas nesta coletânea algumas realmente abordam a visão machista indicada aqui no início. Aquela que dá título ao livro e que o abre, por exemplo, fala sobre a nova perspectiva de Adão a respeito da vida com o surgimento de Eva.

“Adão, sozinho no Paraíso, era um homem feliz porque era um homem sem datas. Mas quando Deus colocou Eva ao lado de Adão, a primeira coisa que ela perguntou, ainda úmida da criação, só para puxar assunto, foi: ‘Que dia é hoje?’, e ele sentiu que sua paz terminara” (pág. 7).

Porém, as mulheres têm também sua oportunidade de vingança, quando, por exemplo, somos comparados com George Clooney – “O Verdadeiro George Clooney” (págs. 63-65): “Longe de mim querer difamar alguém, mas acho que no caso do George Clooney o que está em jogo é a autoestima da nossa espécie” (pág. 63).

Muitos outros temas são abordados, e não somente a relação homem X mulher. Decisões equivocadas, a passagem do tempo, a curiosidade humana, religião, filosofia, teatro, etc... Em cada uma delas é destacada uma característica absurda, tal qual um caricaturista que identifica os principais traços do retratado, e o realça em nome de nós termos a exata noção do non-sense que muitas vezes nossos atos assumem.

Em resumo: Veríssimo é a dose certa para aqueles que são livres, livres para rirem de si próprios e da vida. E rir é o melhor remédio, já diz a cultura popular. Ou nas palavras de Veríssimo, em “Liberdade” (págs.181-185), crônica em que na verdade ele compila uma série de frases sobre o tema: “Mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, completamente livre, é a que não tem medo do ridículo” (pág. 185).

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Os Melhores Jovens Escritores Brasileiros


O processo seletivo é, por naturalidade, algo que tem por base um juízo de valor subjetivo. Isto é, não necessariamente o seu resultado reflete o que na concepção de outros julgadores poderia ser aquele que representa mais fidedignamente o objetivo ambicionado. Porém, deve se dar sim mérito a quem se propõe a este desafio, pois não deixa de ser uma exposição a sua análise e qualidade como avaliador e crítico de determinada matéria. É o que a Revista Granta abraçou como um de seus ofícios, e é a edição com o título acima que agora nós nos propomos a avaliar. Estaríamos sendo ousados?


 Primeiramente como se trata de um livro composto por distintas estórias escritas por diferentes autores seria mais plausível incluir a palavra “contos” no título – os melhores jovens escritores brasileiros “de contos”. A própria Revista assim o coloca em sua introdução: “Os textos aqui reunidos representam uma fatia importante dos escritores em atividade no Brasil: autores com menos de 40 anos e com pelo menos um conto já publicado” [grifo nosso] (pág. 5) (1). Mas este afigura-se como um mero detalhe formal no que diz respeito à avaliação em si da obra (ou das obras) ali expostas.

“Esta é a primeira edição de Granta dedicada aos melhores jovens escritores brasileiros. Em anos anteriores, Granta consagrou-se internacionalmente com edições dos melhores jovens escritores britânicos, dos melhores norte-americanos e, mais recentemente, com autores de língua espanhola. Agora, dedica esta edição aos talentos que começam a traçar os contornos da literatura brasileira do século XXI. No total, foram selecionados vinte nomes, nascidos a partir de 1972, que através do seu trabalho contribuem para mudar o panorama das letras no país” (pág. 5).

Ou seja, o desafio proposto pela Revista era realmente enorme. O trecho final da afirmação acima compilada – “(...) contribuem para mudar o panorama das letras no país” – traz a medida exata do que temos como background no trabalho. Não está aqui dito, de forma nenhuma, que o panorama anterior em termos qualitativos era pobre ou ruim, mas que novos rumos estariam sendo tomados. Existe, porém, um traço comum a praticamente todos os textos que me chamou atenção de maneira negativa: o próprio negativismo ali intrínseco. Quase todos os autores tiveram uma abordagem pessimista dos temas tratados, com estórias pesadas, com perspectivas futuras, influenciadas, talvez, por décadas passadas difíceis – não há como negar que as últimas décadas na América do Sul tiveram mais baixos que altos em diversos aspectos. Mas o meu questionamento é justamente se não deveríamos dar ênfase, sim, nesta fase, para os jovens autores que tentassem “sacudir a poeira”, vislumbrando alternativas positivas, do que por aqueles que meramente se deixaram influenciar – e influenciam – visões de futuro pessimistas.

O texto do qual mais gostei, por exemplo, foi o de Antonio Prata – “Valdir Peres, Juanito e Poloskei” (págs. 101-109). Não, não é um texto baseado em futebol, e não seria por isso que ele teria me atraído. Mas sim por tratar com leveza uma lembrança de infância, que serviu como exemplo de como a vida gira, e novas portas são abertas, e que mesmo que nossos valores sejam traçados desde o início, é importante revisar a vida e perceber como aquilo que adorávamos pode se tornar supérfluo com o passar do tempo, e que temos que olhar para a frente, sem nos abatermos com os possíveis reveses vividos.

“De início, todos na rua tinham o mesmo poder aquisitivo e os bens per capita resumiam-se a uma bicicleta, uma bola de futebol, uma caixa de Playmobils, peças para montar e outras quinquilharias. (...) Até o dia em que o Rodrigo apareceu com o Jeep de controle remoto” (pág. 103).

Por uma razão distinta – a possibilidade de reação em relação a um revés negativo, desta vez de uma forma ativa, distinta da perspectiva passiva de aguardar roda girar para melhor vislumbrar possibilidades futuras, conforme apontado acima – é o mérito de outro texto que me chamou a atenção, e é logo o que abre a coletânea, escrito por Michel Laub – “Animais” (págs. 11-23).

“1.Quando eu tinha onze anos, em Porto Alegre, meu cachorro Champion foi morto pelo dobermann do vizinho. 2. Esse vizinho era um coreano dono de uma fábrica de biscoitos, e onde a família dele morava há um prédio. Onde nós morávamos também há, assim como em toda vizinhança, que era cheia de terrenos baldios e calçadas onde dava para andar de skate” (pág. 13)

Levando-se em conta tudo isso, e que estou destacando dois textos, porém dizendo que apenas o primeiro deles tem uma abordagem efetivamente positiva, do início ao fim, que nos faz rir durante o seu desenvolvimento, concluímos ser muito pouco para um grupo total de 20. Como exemplo típico do negativismo que apontei acima poderia citar, dentre todos os outros, o texto de Daniel Galera – “Apneia” (págs. 77-100). Nele o filho, após reencontrar o pai depois de muitos anos, se vê a frente com o pedido inusitado dele para tomar algumas providências, uma vez que este (o pai) irá se suicidar no dia seguinte.

“Que cara é essa? O pai só esboça sorriso, a piada é velha, dá a resposta usual. A mesma de sempre” (pág. 79).

Temos ainda o texto de Luisa Geisler, a mais jovem autora do grupo, nascida em 1991, que em que pese ter como qualidade a ousadia de tentar escrever a visão de um personagem masculino sobre o processo profissional X vida pessoal (2), mesmo sendo uma menina, o faz com uma tensão durante o decorrer que meio que esvazia o final, quando o protagonista dá uma guinada até positiva em sua perspectiva – “O Que Você Está Fazendo Aqui” (págs. 49-63).

“Todos na minha volta recebem ligações interessantes, tipo aqueles dois do casal. Só notam a minha presença na minha ausência. A única função do meu telefone celular é substituir relógio de pulso, ninguém usa relógio de pulso.
Embora meu iPhone tenha câmera, jogos, wi-fi, Bluetooth, acesso à internet, infinitos apps, recepção mundial, mp3 e até memória pros contatos que eu preciso, ele resulta em um telefone que mais liga pra táxis e pro trabalho” (pág. 51).

De todo modo, parabenizamos à Granta pela iniciativa. Esta prospecção, característica da revista desde sua fundação “em 1889 por alunos da Universidade de Cambridge” revela a perspicácia de aproveitar um bom momento na literatura brasileira. Como eles mesmos colocam:

“O Brasil vive um momento especial na literatura. (...) Hoje, entra-se gradualmente no mapa da literatura mundial; contamos com um programa mais consistente de apoio à tradução, editoras e agentes estrangeiros demonstram interesse em encontrar novos talentos escrevendo em português, e, com a escolha do Brasil como país homenageado na Feira de Frankfurt em 2013, a tendência é que mais escritores sejam reconhecidos internacionalmente. Acreditamos que a Granta pode ser uma peça importante para revelar esses talentos” (pág. 9). (3)

(1)   Revista Granta, 9: os Melhores Jovens Escritores Brasileiros – Rio de Janeiro – Ed. Objetiva – 2012 – 287 págs.;
(2)   Infelizmente me pareceu que o personagem masculino dela estava tendo uma visão feminina do dilema, ou seja, ela não foi bem sucedida na empreitada em que se meteu;
(3)   Autores presentes na coletânea – Michel Laub; Laura Erber; J. P. Cuenca; Luisa Geisler; Ricardo Lísias; Daniel Galera; Antonio Prata; Julián Fuks; Vanessa Barbara; Chico Mattoso; Emilio Fraia; Antônio Xerxenesky; Javier Arancibia Contreras; Carol Bensimon; Cristhiano Aguiar; Leandro Sarmatz; Carola Saavedra; Miguel Del Castillo; Vinicius Jatobá; e Tatiana Salem Levy.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

As Esganadas

Desde que Jô Soares resolveu enveredar pelos romances policiais, nesta série publicada pela Companhia das Letras – O Xangô de Baker Street / O Homem que Matou Getúlio Vargas / Assassinatos na Academia Brasileira de Letras – ele vem presenteando os admiradores do humor por ele praticado com uma nova faceta: a ânsia por ambientar suas histórias no Rio Antigo.

Na primeira obra, que teve como personagem central um Sherlock Holmes para lá de atrapalhado, sua pesquisa histórica foi certamente intensa, consumindo grande parte do trabalho para não cometer equívocos quanto à localização dos atos nos cenários corretos. Como as demais estórias tinham, digamos, a mesma cenografia, ele soube como ninguém, a partir daí, tenho certeza, economizar esforços e buscar maximizar o uso das fontes anteriormente identificadas. Desse modo, a tendência é que sua dedicação ao bom humor dos diálogos pudesse fluir, talvez, com maior facilidade, uma vez que o agora escritor não teria nenhum tipo de preocupação exagerada em qual fonte buscar, pois as tinha a mão, para melhor enquadrar o ato que queria descrever (1)


Dessa forma, seus leitores têm um duplo prazer: o humor leve do texto e a possibilidade, pelo menos para aqueles acostumados com os logradouros do Rio Antigo, em se ter uma estória narrada em ambientes através dos quais trafegamos em nosso dia a dia. E mesmo para aqueles que não são do Rio, não deixa de ser um deleite, uma vez visitando a cidade, se surpreender se localizando na rua indicada naquela estória que o encantou.

Em “As Esganadas” – Ed. Companhia das Letras – 2011 – 262 págs – ele mais uma vez não deixa seus seguidores na mão. A estória gira em torno de uma série de assassinatos no qual as vítimas têm em comum o fato de estarem, digamos, “um pouquinho” além do peso adequado. Ele adota aqui a tática de divulgar logo de início o antagonista central – ou seja, o assassino – algo similar com o feito em “O Homem que Matou Getúlio Vargas”. Desta maneira, a atenção do leitor é direcionada para os pequenos esquetes do qual fazem parte os protagonistas – isto mesmo, no plural - uma trupe de investigadores formados por dois elementos da polícia local – o delegado-chefe Mello Noronha e o investigador Valdir Calixto, ambos obscurecidos perante o ex-detetive português Tobias Esteves (2). Além deles, se junta ao grupo uma repórter investigativa de grande beleza e audácia, Diana de Souza.


O texto leve e de bom humor é a pedida certa para uma leitura prazeirosa, em que pese rápida para quem está acostumado a calhamaços mais densos. De toda forma é algo que serve de instrumento, sem dúvida alguma, para boas risadas e como passatempo para aqueles momentos de espera em terminais de aeroporto, ônibus, barca, o que seja... O cansaço de um dia inteiro será esquecido em favor da alegria de uma boa piada. Agora, um pequeno exemplo do que encontrarão nesta obra, caso se interessem:

“Terminado o almoço, tomando o cafezinho de praxe, combinam de ir ao Mangue, conversar com Bogdana Malkowa, uma amiga da morta encontrada no cine Plaza.
- Vai me ser difícil voltar àquele cinema. É pena. Tenho belas recordações daquele sítio. Assisti lá a várias fitas do Bucha e Estica. Os acompanho desde quando era puto – afirma o português, deixando Valdir Calixto atônito.
- O senhor já foi puto? – espanta-se o desqueixelado Calixto.
- Pois não fomos todos?
- Eu não! – replica Calixto, indignado.
Noronha, rindo, se apressa a explicar:
- Puto, em Portugal, quer dizer ‘menino’, Valdir”.

(1)   Talvez o maior trabalho de pesquisa desta vez tenha sido o de vasculhar a narração de um jogo da Copa do Mundo de 1938, disputada na França, entre Brasil X Itália, feito este que provavelmente foi objeto do auxílio do jornalista esportivo da ESPN, Paulo Vinicius Coelho, um dos citados pelo autor na página de agradecimentos. Por sinal, um pequeno equívoco – falha de revisão – ocorreu justamente neste trecho, situado no capítulo 17 – págs. 112-129. Na página 118 o autor menciona “Na Itália, são dezenove horas e seis minutos”, quando na verdade a Copa foi disputada na França. Provavelmente o engano se deu pelo fato do jogo narrado ser contra os italianos, o que ludibriou o cérebro detalhista de Jô;
(2)   Aliás, a chegada de Esteves ao Brasil se dá justamente num 22 de Abril. Teria sido mais uma piada inadvertida do autor? Ou foi algo proposital?

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Marighella

Muitas vezes despertamos, tomamos banho, aproveitamos nosso café da manhã em família (ou numa correria só que mal dá para dar um beijo de despedida), e corremos para o ponto de ônibus, afim de não perder aquele que nos conduzirá para mais um dia de trabalho. E aí, meio que sorrateiramente, sempre vislumbramos uma mensagem, uma pichação, um letreiro, o desmiolado da rua, que nos chama atenção sabemos lá porquê! Eles são representações de algo que está escondido, que nos intriga, que nos inquieta, nem que seja pela mera curiosidade.

Minha experiência com o biografado de Mário Magalhães, na obra “Marighella- o guerrilheiro que incendiou o mundo” – Ed. Companhia das Letras – 2012 – 732 págs. começou deste modo. Próximo à Universidade Federal Fluminense persistia na minha retina a mensagem pichada num dos muros: “Marighella Vive!”. Me questionava quem teria sido ele, intuindo que fosse um ícone de esquerda, tal a preponderância dessa corrente no meio universitário, assim como pela força que a afirmação transparecia, típica de um grito de guerra.



Então, no final do ano passado o jornalista Mário Magalhães lança esta obra-reportagem, dissecando este personagem histórico. Porém, eu diria que além de ter como mérito apresentar a trajetória do ex-deputado baiano e líder guerrilheiro Carlos Marighella, Mário Magalhães teve como qualidade adicional indicar as idas e vindas, as contradições internas pelas quais o Partido Comunista Brasileiro (PCB) viveu, principalmente desde a Intentona em 1935 (1).

O PCB foi o berço a partir do qual Marighella criou sua teia filosófica, dando-lhe discurso para, introjetando um radicalismo renegado pelo próprio Partidão, incentivar a organização aleatória de grupos armados contra a ditadura militar. A biografia se presta, portanto, a apresentar o ponto de vista daqueles que transitaram pela opção armada, algo que, confesso, de livre e espontânea vontade, não buscaria. Mas eis que o acaso se fez presente e eu ganhei o dito livro de meus colegas de trabalho.

Assim sendo, fiel aos meus princípios que informação nunca é demais, e que cultura é uma riqueza da qual ninguém pode nos retirar, parti para a leitura deste lado, a meu ver, obscuro da humanidade – a alternativa em matar o próximo em nome de uma causa. Esclareço que minha crença particular é sempre pelo diálogo, mesmo que o “oponente” não o queira. Aderir à violência somente faz com que o outro lado chame a razão para si e para sua reação destemperada.

Em relação à qualidade da obra, não há dúvida de que foi resultado de uma pesquisa de fôlego, com todas as qualidades das minúcias e detalhes alcançados, após muitas entrevistas, no sentido de se confirmar a veracidade dos fatos ali relatados. Mesmo a crítica exposta na Revista Veja, em Novembro do ano passado, assinada por Augusto Nunes, na qual o tom era de minimizar a importância do personagem central, ressalta a qualidade do trabalho realizado. Nas palavras de Nunes “Magalhães desmonta versões fantasiosas, corrige equívocos, resgata documentos dados como perdidos, escava episódios desconhecidos – e reconstitui detalhadamente a trajetória [...]. Ao imprimir ritmo de thriller à narrativa, o autor torna possível completar, sem tantas pausas ofegantes, a extensa travessia do que prefere qualificar de reportagem” (2).

Mário Magalhães - um biógrafo e suas escolhas

Ora, se por um lado eu discordo da opção da guerrilha – e confesso que o papel de João Goulart, muitas vezes relegado em segundo plano por ter, em tese, aberto espaço sem luta para que a ditadura ocupasse espaço na história brasileira, me surpreendeu, pois foram inúmeras vezes em que este foi questionado se deveria dar um sinal positivo para o combate, ao que ele sempre repeliu em nome de que não poderia apoiar uma luta de brasileiros contra brasileiros, um verdadeiro fratricídio – por outro também não concordo com o raciocínio do crítico da Veja. Poucos são aqueles que, em função dos seus atos, conseguiram penetrar no imaginário do povo como uma representação de determinados ideais – mesmo que levados para o extremismo, do qual não sou partidário. E todos estes merecem, de algum modo, ter sua trajetória dissecada, até mesmo para que possamos aprender com os erros e acertos que a História nos propõe.

Che Guevara foi um mito deste tipo, com um determinado mote; Gandhi foi outro; o Dalai Lama tem uma outra abordagem; Ford para o capitalismo; e poderíamos seguir aqui com uma lista infindável de personagens. Decerto que estes que aqui relatei estão num nível de influência mundial, algo que talvez Marighella não tenha alcançado (3). Mas em âmbito nacional, pelo menos no nicho dito de esquerda, que influenciou uma série de formadores de opinião – somente para citar alguns, os jornalistas Franklin Martins (que veio a ocupar posição de destaque no Governo Lula); Juca Kfouri, repórter esportivo de largo histórico como militante de esquerda; e o especialista econômico George Vidor, de “O Globo”, todos perpetraram algum tipo de apoio ao ideário marighellista – ele não pode ser negligenciado como personagem.

Por último, com relação ao estilo da narrativa, Mário Magalhães preferiu adotar a construção por capítulos que ressaltavam momentos históricos relevantes e todo o seu entorno. Dessa forma, ele inicia com a prisão de Marighella no cinema em 1964, algo testemunhado por muitos e que ganhou grande visibilidade, sendo ele então deputado cassado, para depois retroagir, dando seqüência cronológica a partir de sua adolescência e juventude, passando pela adesão ao PCB, as primeiras prisões, às divergências com Prestes – figura que vagueia por toda a obra, tido às vezes como um líder ausente – a retomada de sua trajetória política, até a opção pela luta armada, finda em 1969, com sua morte nas mãos da polícia política.

É certo que por vezes, em meio ao texto, adota um recurso que não me agrada de todo – retroage para ter uma melhor percepção do que outros personagens tenham tido sobre a mesma cena, perdendo assim o ritmo que o leitor teria então alcançado – mas nada que impeça com que a leitura progrida. Mas não vou iludi-los: são quase 600 páginas de puro texto, restante outra centena para as referências. Há que ser muito curioso, como de fato eu sou, para enfrentá-las. Boa sorte para aqueles que tomarem essa decisão. Porém, minha visão de mundo permanece inalterada, em que pese, não posso negar, me sentir mais enriquecido culturalmente com sua leitura.

(1)   “A Intentona Comunista também conhecida como Revolta Vermelha de 35 ou Levante Comunista, foi uma tentativa de golpe contra o governo de Getúlio Vargas. Foi liderada pelo Partido Comunista Brasileiro em nome da Aliança Nacional Libertadora, ocorreu em novembro de 1935, e foi rapidamente combatida pelas Forças de Segurança Nacional”. Fonte: http://www.sohistoria.com.br/ef2/eravargas/p2.php - acessada em 04 de Fevereiro de 2013.
(2)   “Muita ação, poucas idéias – Marighella é quase irretocável como biografia. Mas nem que fosse perfeito o livro poderia elucidar o porquê de dedicar tanto trabalho, e tantas páginas, a esse personagem” – Revista Veja – Ed. Abril – Ano 45 – nº 48 – 28 de Novembro de 2012- Edição nº 2297- págs. 194-195;
(3)   Mais uma vez, nas palavras de Nunes “O guerrilheiro que incendiou o mundo – um título que nem os admiradores de Che Guevara ousaram reivindicar – só existiu no título do livro” – Veja – pág. 195.