Todos
nós passamos por experiências que marcam a nossa vida, que servem de referência
para nossas futuras atitudes. Desta forma vamos ganhando maturidade, vamos
crescendo em sabedoria, vamos aprendendo “o caminho das pedras”. Essas lições
servem, portanto, para que não cometamos os mesmos erros e para que possamos
trilhar um rumo com menos tropeços e equívocos.
Porém, poucos são aqueles que podem
dizer que anteciparam a experiência marcante pela qual passariam – exceção
àqueles que ficaram 9 meses esperando o primeiro filho nascer. Amyr Klink foi
um deles. No livro “Cem Dias entre Céu e Mar” – São Paulo – Ed. Companhia das
Letras – 2005 – 160 págs. – este economista e administrador por formação
apresenta o relato dos preparativos e da jornada de travessia, da África para o
Brasil, do oceano Atlântico, a bordo de um barco a remos – o IAT.
Amyr Klink, ao contrário do que muitos
podem pensar, não é um aventureiro. Isso se a palavra tiver o significado de
ser uma pessoa que faz as coisas sem medir muito as conseqüências. Muito longe
disso. Amyr Klink é uma pessoa metódica, organizada, que só se envolve em suas
empreitadas com muito planejamento. Depois desta aventura, pela qual ficou
conhecido – foi o primeiro a atravessar o Atlântico pelo hemisfério sul desta
forma, sozinho, remando – ele ainda realizou outras, sendo de igual relevância,
por exemplo, em termos de desafio, a permanência, isolado, entre a Antártica e o
Ártico, num projeto que consumiu ao todo 2 anos.
E o mais interessante ainda é que, uma
vez que você passa a acompanhar com interesse reportagens sobre os chamados
esportes radicais – casta talvez que mais se aproxime dele – percebe que os
verdadeiros profissionais fazem tudo com muito método e planejamento, evitando
assim contratempos e riscos desnecessários. Dito isto, seguem, abaixo, algumas
lições extraídas do livro – que não sem razão, acabaram por ser um dos meios de
renda do próprio Amyr, ministrando palestras para todo o tipo de público,
principalmente empresas, que podem aplicá-las ao combativo mundo em que se
inserem:
Planejamento
é tudo
Um pouco antecipado no parágrafo acima,
Amyr Klink antes de enfrentar os mares, analisa meticulosamente cada passo a
ser dado. As surpresas no meio do caminho não deixam de existir – isso é a vida
– porém sua capacidade de planejamento lhe dava a devida segurança para que, a
cada “não” ou “porém” que surgisse, ele estivesse convicto, mesmo assim, de que
estava no caminho certo. Tinha um rumo traçado, estudado, e nada poderia
abalá-lo ao ponto de desistir.
O “dossiê
amarelo” era meu advogado oficial: um documento de trinta páginas que escrevi
dois anos antes, onde detalhava, item por item, o projeto que tinha em mente e
que não deixava dúvidas sobre a sua viabilidade. Por muitas vezes ainda esse
documento me livraria de situações complicadas. (pág. 22).
Coragem,
mesmo nos momentos mais difíceis
Por vezes nos vemos envolvidos numa
série de desencontros, decisões erradas, equívocos que nos fazem pensar que
tudo de negativo está acontecendo conosco e que não temos como sair deste
buraco negro. É o chamado “inferno astral”. Amyr Klink teve os seus, em mais de
3 meses no mar. Porém, em nenhum momento ele perdeu a coragem de seguir em
frente, seguro que estava do projeto e das ferramentas que tinha à mão. Se ele
teve medo? Claro que sim. O medo também faz parte, e sua principal função é nos
auxiliar a não cruzarmos os limites. Mas sempre existe o imponderável da natureza,
muito maior do que nós, que poderia levar tudo a perder. Mas para quem se
prepara, sempre há uma saída. Há que ter paciência e atitude. Muitas vezes as
coisas se ajeitam por si só. Desesperar jamais.
Naquela
mesma noite fui acordado diversas vezes por ondas que golpeavam o barco com
impressionante violência. O mar parecia ter enlouquecido e não havia mais nada
que eu pudesse fazer a não ser permanecer deitado e rezar. (...) Mal tive tempo
de analisar o que se passou, e o mundo deu novamente uma volta completa, tão
rápida que nem cheguei a sair do lugar. (...) Impossível descobrir naquele
momento. Precisava tirar a água primeiro. Não havia tempo para pensar. Sem que
eu parasse de um minuto de acionar a alavanca da bomba, o dia começou a nascer
e pude então perceber o tamanho da encrenca. (...) Os segundos passavam e nada
acontecia desta vez. Eu tinha no fundo do barco um sistema de tanques flexíveis
de borracha, embaixo dos tanques de água doce, previsto para uma eventualidade
como essa. Eram tanques de lastro que, abastecidos com duzentos litros de água,
fariam o barco retornar à posição normal. Pensei, então, em acionar a bomba de
lastros. Mas não foi preciso. Mal tentei me virar para alcançar a alavanca da
bomba, o barco endireitou. Que alívio! (págs. 36 e 37).
Em nosso rápido mundo, queremos soluções
já, imediatamente, para os problemas que nos afligem. Não paramos em nenhum
momento para analisar se aquela questão é tão difícil que pode tomar muito mais
tempo do que desejamos. Como se o ser humano não suportasse o sofrimento por um
longo período. Ao contrário. Se tivermos a correta dimensão do que temos pela
frente, saberemos então ter a devida paciência para, ultrapassando uma etapa de
cada vez, sobrevivermos e acelerarmos, posteriormente, rumo ao objetivo
traçado. Nenhum problema é tão grande que não possa ser resolvido. Porém, há
que ter a paciência necessária para buscar a solução.
Não havia por
que insistir em enfrentar a violência do mar. O barômetro, desde a véspera
bastante baixo, continuava lentamente a descer e indicava que tão cedo as
condições metereológicas não melhorariam. Eu estava sendo ultrapassado por um
centro de baixa pressão. Entendi que de nada adiantaria medir braços com algo
maior que as minhas forças, e que em vez de teimar com o tempo e correr o risco
de quebrar o barco, deveria ser paciente e saber aguardar o momento certo de
continuar em frente (pág. 59).
Depois
da tempestade sempre vem a bonança
Ditado mais que batido, mas que sempre
nos esquecemos em meio ao turbilhão que estamos enfrentando. Momentos ruins os
teremos, mas também momentos bons serão muitos – e em maior quantidade. A vida
é assim, feita de altos e baixos. Temo que saber enfrentar os baixos para bem
usufruir dos altos, não nos esquecendo jamais que outros reveses poderão advir.
Não passei
naqueles sete dias [sete
dias seguidos de tempestade] por um
momento sequer de monotonia, tristeza ou desespero. Pois nada é mais certo do
que a chegada do bom tempo após uma tempestade que parece interminável. (pág.
60)
Dar
valor às pequenas alegrias da vida
Quantas vezes desperdiçamos o proveito
que podemos tirar das pequenas alegrias da vida. Aquele sorvete num dia de
calor, uma caminhada na praia com a família, um jantar quentinho depois de um
dia intenso de trabalho, entre outras inúmeras coisas. Todas elas nos dão
forças para enfrentar os dilemas que imaginamos gigantes, mas que se tornam
menores perante a grande quantidade de alegrias que usufruímos e não nos damos
conta.
A imensidão do
mar tornava minúsculos os meus maiores problemas e gigantes as menores
alegrias. Ensinou-me a dar valor à vida que eu levava e a pequenas coisas que
às vezes passavam despercebidas. Nada no mundo era mais gostoso do que terminar
o jantar e ir para cama. Nada fazia mais falta do que um travesseiro comum.
(...) E então pude constatar como tão poucas coisas eram suficientes para viver
em paz e bem. (pág. 119)
Navegar
é preciso, mas decidir é preciso
Nossa vida é uma trajetória que
construímos, e essa ser, para mim, a principal lição de Amyr Klink. Construímos
com planejamento, paciência e dedicação, com coragem para enfrentar os piores
momentos, sabedoria para esperar os melhores momentos, que certamente virão.
Mas para que possamos seguir em frente, não podemos fugir das decisões. Elas
são a alavanca que farão com que superemos as dificuldades.
Ao se caminhar
para um objetivo, sobretudo um grande e distante objetivo, as menores coisas se
tornam fundamentais. Uma hora perdida é uma hora perdida, e quando não se tem
um rumo definido é muito fácil perder horas, dias ou anos, sem dar conta disso.
O mínimo progresso que conseguisse fazer num dia em direção ao Brasil era
importante, ainda que fosse de centímetros apenas. Com o tempo, eu acumularia
todos os progressos e os centímetros se transformariam em quilômetros. Senti
que estava cumprindo uma obra de paciência e disciplina. E percebi como é
simples conseguir isso. Nada de sacrifícios extremos ou esforços impossíveis.
Nada de grandes sofrimentos. Ao contrário, bastava apenas o simples, minúsculo
e indolor esforço de decidir. E ir em frente. Então tudo se tornava mais fácil.
Os problemas encontravam solução. (págs. 119-120).
É isso, acho que não preciso dizer mais
nada. Esse foi a aprendizado que tirei deste livro. Provavelmente vocês
identificarão muitos outros, se tomarem a decisão de lê-lo. É tão simples...