quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Os Melhores Jovens Escritores Brasileiros


O processo seletivo é, por naturalidade, algo que tem por base um juízo de valor subjetivo. Isto é, não necessariamente o seu resultado reflete o que na concepção de outros julgadores poderia ser aquele que representa mais fidedignamente o objetivo ambicionado. Porém, deve se dar sim mérito a quem se propõe a este desafio, pois não deixa de ser uma exposição a sua análise e qualidade como avaliador e crítico de determinada matéria. É o que a Revista Granta abraçou como um de seus ofícios, e é a edição com o título acima que agora nós nos propomos a avaliar. Estaríamos sendo ousados?


 Primeiramente como se trata de um livro composto por distintas estórias escritas por diferentes autores seria mais plausível incluir a palavra “contos” no título – os melhores jovens escritores brasileiros “de contos”. A própria Revista assim o coloca em sua introdução: “Os textos aqui reunidos representam uma fatia importante dos escritores em atividade no Brasil: autores com menos de 40 anos e com pelo menos um conto já publicado” [grifo nosso] (pág. 5) (1). Mas este afigura-se como um mero detalhe formal no que diz respeito à avaliação em si da obra (ou das obras) ali expostas.

“Esta é a primeira edição de Granta dedicada aos melhores jovens escritores brasileiros. Em anos anteriores, Granta consagrou-se internacionalmente com edições dos melhores jovens escritores britânicos, dos melhores norte-americanos e, mais recentemente, com autores de língua espanhola. Agora, dedica esta edição aos talentos que começam a traçar os contornos da literatura brasileira do século XXI. No total, foram selecionados vinte nomes, nascidos a partir de 1972, que através do seu trabalho contribuem para mudar o panorama das letras no país” (pág. 5).

Ou seja, o desafio proposto pela Revista era realmente enorme. O trecho final da afirmação acima compilada – “(...) contribuem para mudar o panorama das letras no país” – traz a medida exata do que temos como background no trabalho. Não está aqui dito, de forma nenhuma, que o panorama anterior em termos qualitativos era pobre ou ruim, mas que novos rumos estariam sendo tomados. Existe, porém, um traço comum a praticamente todos os textos que me chamou atenção de maneira negativa: o próprio negativismo ali intrínseco. Quase todos os autores tiveram uma abordagem pessimista dos temas tratados, com estórias pesadas, com perspectivas futuras, influenciadas, talvez, por décadas passadas difíceis – não há como negar que as últimas décadas na América do Sul tiveram mais baixos que altos em diversos aspectos. Mas o meu questionamento é justamente se não deveríamos dar ênfase, sim, nesta fase, para os jovens autores que tentassem “sacudir a poeira”, vislumbrando alternativas positivas, do que por aqueles que meramente se deixaram influenciar – e influenciam – visões de futuro pessimistas.

O texto do qual mais gostei, por exemplo, foi o de Antonio Prata – “Valdir Peres, Juanito e Poloskei” (págs. 101-109). Não, não é um texto baseado em futebol, e não seria por isso que ele teria me atraído. Mas sim por tratar com leveza uma lembrança de infância, que serviu como exemplo de como a vida gira, e novas portas são abertas, e que mesmo que nossos valores sejam traçados desde o início, é importante revisar a vida e perceber como aquilo que adorávamos pode se tornar supérfluo com o passar do tempo, e que temos que olhar para a frente, sem nos abatermos com os possíveis reveses vividos.

“De início, todos na rua tinham o mesmo poder aquisitivo e os bens per capita resumiam-se a uma bicicleta, uma bola de futebol, uma caixa de Playmobils, peças para montar e outras quinquilharias. (...) Até o dia em que o Rodrigo apareceu com o Jeep de controle remoto” (pág. 103).

Por uma razão distinta – a possibilidade de reação em relação a um revés negativo, desta vez de uma forma ativa, distinta da perspectiva passiva de aguardar roda girar para melhor vislumbrar possibilidades futuras, conforme apontado acima – é o mérito de outro texto que me chamou a atenção, e é logo o que abre a coletânea, escrito por Michel Laub – “Animais” (págs. 11-23).

“1.Quando eu tinha onze anos, em Porto Alegre, meu cachorro Champion foi morto pelo dobermann do vizinho. 2. Esse vizinho era um coreano dono de uma fábrica de biscoitos, e onde a família dele morava há um prédio. Onde nós morávamos também há, assim como em toda vizinhança, que era cheia de terrenos baldios e calçadas onde dava para andar de skate” (pág. 13)

Levando-se em conta tudo isso, e que estou destacando dois textos, porém dizendo que apenas o primeiro deles tem uma abordagem efetivamente positiva, do início ao fim, que nos faz rir durante o seu desenvolvimento, concluímos ser muito pouco para um grupo total de 20. Como exemplo típico do negativismo que apontei acima poderia citar, dentre todos os outros, o texto de Daniel Galera – “Apneia” (págs. 77-100). Nele o filho, após reencontrar o pai depois de muitos anos, se vê a frente com o pedido inusitado dele para tomar algumas providências, uma vez que este (o pai) irá se suicidar no dia seguinte.

“Que cara é essa? O pai só esboça sorriso, a piada é velha, dá a resposta usual. A mesma de sempre” (pág. 79).

Temos ainda o texto de Luisa Geisler, a mais jovem autora do grupo, nascida em 1991, que em que pese ter como qualidade a ousadia de tentar escrever a visão de um personagem masculino sobre o processo profissional X vida pessoal (2), mesmo sendo uma menina, o faz com uma tensão durante o decorrer que meio que esvazia o final, quando o protagonista dá uma guinada até positiva em sua perspectiva – “O Que Você Está Fazendo Aqui” (págs. 49-63).

“Todos na minha volta recebem ligações interessantes, tipo aqueles dois do casal. Só notam a minha presença na minha ausência. A única função do meu telefone celular é substituir relógio de pulso, ninguém usa relógio de pulso.
Embora meu iPhone tenha câmera, jogos, wi-fi, Bluetooth, acesso à internet, infinitos apps, recepção mundial, mp3 e até memória pros contatos que eu preciso, ele resulta em um telefone que mais liga pra táxis e pro trabalho” (pág. 51).

De todo modo, parabenizamos à Granta pela iniciativa. Esta prospecção, característica da revista desde sua fundação “em 1889 por alunos da Universidade de Cambridge” revela a perspicácia de aproveitar um bom momento na literatura brasileira. Como eles mesmos colocam:

“O Brasil vive um momento especial na literatura. (...) Hoje, entra-se gradualmente no mapa da literatura mundial; contamos com um programa mais consistente de apoio à tradução, editoras e agentes estrangeiros demonstram interesse em encontrar novos talentos escrevendo em português, e, com a escolha do Brasil como país homenageado na Feira de Frankfurt em 2013, a tendência é que mais escritores sejam reconhecidos internacionalmente. Acreditamos que a Granta pode ser uma peça importante para revelar esses talentos” (pág. 9). (3)

(1)   Revista Granta, 9: os Melhores Jovens Escritores Brasileiros – Rio de Janeiro – Ed. Objetiva – 2012 – 287 págs.;
(2)   Infelizmente me pareceu que o personagem masculino dela estava tendo uma visão feminina do dilema, ou seja, ela não foi bem sucedida na empreitada em que se meteu;
(3)   Autores presentes na coletânea – Michel Laub; Laura Erber; J. P. Cuenca; Luisa Geisler; Ricardo Lísias; Daniel Galera; Antonio Prata; Julián Fuks; Vanessa Barbara; Chico Mattoso; Emilio Fraia; Antônio Xerxenesky; Javier Arancibia Contreras; Carol Bensimon; Cristhiano Aguiar; Leandro Sarmatz; Carola Saavedra; Miguel Del Castillo; Vinicius Jatobá; e Tatiana Salem Levy.

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