O
processo seletivo é, por naturalidade, algo que tem por base um juízo de valor
subjetivo. Isto é, não necessariamente o seu resultado reflete o que na
concepção de outros julgadores poderia ser aquele que representa mais
fidedignamente o objetivo ambicionado. Porém, deve se dar sim mérito a quem se
propõe a este desafio, pois não deixa de ser uma exposição a sua análise e
qualidade como avaliador e crítico de determinada matéria. É o que a Revista
Granta abraçou como um de seus ofícios, e é a edição com o título acima que
agora nós nos propomos a avaliar. Estaríamos sendo ousados?
Primeiramente
como se trata de um livro composto por distintas estórias escritas por
diferentes autores seria mais plausível incluir a palavra “contos” no título –
os melhores jovens escritores brasileiros “de contos”. A própria Revista assim
o coloca em sua introdução: “Os textos aqui reunidos representam uma fatia
importante dos escritores em atividade no Brasil: autores com menos de 40 anos
e com pelo menos um conto já publicado”
[grifo nosso] (pág. 5) (1). Mas este
afigura-se como um mero detalhe formal no que diz respeito à avaliação em si da
obra (ou das obras) ali expostas.
“Esta é a
primeira edição de Granta dedicada
aos melhores jovens escritores brasileiros. Em anos anteriores, Granta consagrou-se internacionalmente
com edições dos melhores jovens escritores britânicos, dos melhores
norte-americanos e, mais recentemente, com autores de língua espanhola. Agora,
dedica esta edição aos talentos que começam a traçar os contornos da literatura
brasileira do século XXI. No total, foram selecionados vinte nomes, nascidos a
partir de 1972, que através do seu trabalho contribuem para mudar o panorama
das letras no país” (pág. 5).
Ou
seja, o desafio proposto pela Revista era realmente enorme. O trecho final da
afirmação acima compilada – “(...) contribuem para mudar o panorama das letras
no país” – traz a medida exata do que temos como background no trabalho. Não está aqui dito, de forma nenhuma, que o
panorama anterior em termos qualitativos era pobre ou ruim, mas que novos rumos
estariam sendo tomados. Existe, porém, um traço comum a praticamente todos os
textos que me chamou atenção de maneira negativa: o próprio negativismo ali
intrínseco. Quase todos os autores tiveram uma abordagem pessimista dos temas
tratados, com estórias pesadas, com perspectivas futuras, influenciadas,
talvez, por décadas passadas difíceis – não há como negar que as últimas
décadas na América do Sul tiveram mais baixos que altos em diversos aspectos.
Mas o meu questionamento é justamente se não deveríamos dar ênfase, sim, nesta
fase, para os jovens autores que tentassem “sacudir a poeira”, vislumbrando
alternativas positivas, do que por aqueles que meramente se deixaram
influenciar – e influenciam – visões de futuro pessimistas.
O
texto do qual mais gostei, por exemplo, foi o de Antonio Prata – “Valdir Peres,
Juanito e Poloskei” (págs. 101-109). Não, não é um texto baseado em futebol, e
não seria por isso que ele teria me atraído. Mas sim por tratar com leveza uma
lembrança de infância, que serviu como exemplo de como a vida gira, e novas
portas são abertas, e que mesmo que nossos valores sejam traçados desde o
início, é importante revisar a vida e perceber como aquilo que adorávamos pode
se tornar supérfluo com o passar do tempo, e que temos que olhar para a frente,
sem nos abatermos com os possíveis reveses vividos.
“De início, todos na rua tinham o mesmo poder
aquisitivo e os bens per capita resumiam-se a uma bicicleta, uma bola de
futebol, uma caixa de Playmobils, peças para montar e outras quinquilharias.
(...) Até o dia em que o Rodrigo apareceu com o Jeep de controle remoto” (pág. 103).
Por
uma razão distinta – a possibilidade de reação em relação a um revés negativo,
desta vez de uma forma ativa, distinta da perspectiva passiva de aguardar roda
girar para melhor vislumbrar possibilidades futuras, conforme apontado acima –
é o mérito de outro texto que me chamou a atenção, e é logo o que abre a
coletânea, escrito por Michel Laub – “Animais” (págs. 11-23).
“1.Quando eu tinha onze anos, em Porto Alegre, meu
cachorro Champion foi morto pelo dobermann do vizinho. 2. Esse vizinho era um
coreano dono de uma fábrica de biscoitos, e onde a família dele morava há um
prédio. Onde nós morávamos também há, assim como em toda vizinhança, que era
cheia de terrenos baldios e calçadas onde dava para andar de skate” (pág. 13)
Levando-se
em conta tudo isso, e que estou destacando dois textos, porém dizendo que
apenas o primeiro deles tem uma abordagem efetivamente positiva, do início ao
fim, que nos faz rir durante o seu desenvolvimento, concluímos ser muito pouco
para um grupo total de 20. Como exemplo típico do negativismo que apontei acima
poderia citar, dentre todos os outros, o texto de Daniel Galera – “Apneia” (págs.
77-100). Nele o filho, após reencontrar o pai depois de muitos anos, se vê a
frente com o pedido inusitado dele para tomar algumas providências, uma vez que
este (o pai) irá se suicidar no dia seguinte.
“Que cara é essa? O pai só esboça sorriso, a piada é
velha, dá a resposta usual. A mesma de sempre” (pág. 79).
Temos
ainda o texto de Luisa Geisler, a mais jovem autora do grupo, nascida em 1991,
que em que pese ter como qualidade a ousadia de tentar escrever a visão de um
personagem masculino sobre o processo profissional X vida pessoal (2), mesmo
sendo uma menina, o faz com uma tensão durante o decorrer que meio que esvazia
o final, quando o protagonista dá uma guinada até positiva em sua perspectiva
– “O Que Você Está Fazendo Aqui” (págs. 49-63).
“Todos na minha volta recebem ligações
interessantes, tipo aqueles dois do casal. Só notam a minha presença na minha
ausência. A única função do meu telefone celular é substituir relógio de pulso,
ninguém usa relógio de pulso.
Embora meu iPhone tenha câmera, jogos, wi-fi,
Bluetooth, acesso à internet, infinitos apps, recepção mundial, mp3 e até
memória pros contatos que eu preciso, ele resulta em um telefone que mais liga
pra táxis e pro trabalho” (pág. 51).
De
todo modo, parabenizamos à Granta pela iniciativa. Esta prospecção,
característica da revista desde sua fundação “em 1889 por alunos da
Universidade de Cambridge” revela a perspicácia de aproveitar um bom momento na
literatura brasileira. Como eles mesmos colocam:
“O Brasil vive
um momento especial na literatura. (...) Hoje, entra-se gradualmente no mapa da
literatura mundial; contamos com um programa mais consistente de apoio à
tradução, editoras e agentes estrangeiros demonstram interesse em encontrar novos
talentos escrevendo em português, e, com a escolha do Brasil como país
homenageado na Feira de Frankfurt em 2013, a tendência é que mais escritores
sejam reconhecidos internacionalmente. Acreditamos que a Granta pode ser uma
peça importante para revelar esses talentos” (pág. 9). (3)
(1)
Revista
Granta, 9: os Melhores Jovens Escritores Brasileiros – Rio de Janeiro – Ed.
Objetiva – 2012 – 287 págs.;
(2)
Infelizmente
me pareceu que o personagem masculino dela estava tendo uma visão feminina do
dilema, ou seja, ela não foi bem sucedida na empreitada em que se meteu;
(3)
Autores
presentes na coletânea – Michel Laub; Laura Erber; J. P. Cuenca; Luisa Geisler;
Ricardo Lísias; Daniel Galera; Antonio Prata; Julián Fuks; Vanessa Barbara;
Chico Mattoso; Emilio Fraia; Antônio Xerxenesky; Javier Arancibia Contreras;
Carol Bensimon; Cristhiano Aguiar; Leandro Sarmatz; Carola Saavedra; Miguel Del
Castillo; Vinicius Jatobá; e Tatiana Salem Levy.
Obrigado pela dica Leopoldo. Desses, só já havia ouvido falar do Daniel Galera.
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