sábado, 2 de dezembro de 2017

Religião Também se Aprende

Para os católicos em geral existe uma batalha diária sendo travada. Ela diz respeito a como justificar, além da simples manifestação de fé, paradigmas de sua religião diante de um mundo novo.

Este desafio foi enfrentado com sabedoria pelo Padre Hélio Libardi, na obra “Religião Também se Aprende – Vol. 10”, da Editora Santuário – Aparecida, SP – 2003 – 96 páginas. Apesar de ter 14 anos, mantém-se atual, abordando inúmeras dúvidas que surgem a partir do cotidiano de um leigo frente às dificuldades do dia a dia.

Dividido por áreas temáticas – casamento, comportamento, cotidiano, crer ou não crer, Deus Pai, Igreja, modernidade, pecado, práticas cristãs, santos e unção dos enfermos – e com um linguajar leve, é obra de fácil leitura para todos. Esclarece diversas questões como se estivesse conversando contigo num banco de praça.

Eu mesmo venho observando com o passar do tempo, e é notória a adaptação do discurso de alguns religiosos aos fenômenos dos tempos atuais. O próprio Papa Francisco se notabilizou por enfrentar diretamente diversas dessas questões, sem fugir de nenhuma delas.

A confusão se inicia quando as pessoas se prendem ao discurso literal da Bíblia. A Bíblia chegou a nós através dos tempos por tradição oral, até o momento em que houve a preocupação de se ter um registro escrito do que era passado adiante entre os cristãos. As mensagens e histórias ali presentes tinham que respeitar o contexto da época e o público-alvo. Por isso a profusão de metáforas existentes.

A concepção de Paraíso e o surgimento da mulher (numa sociedade machista por natureza) são os exemplos mais notórios. Estes tinham como objetivo simplificar para o povo mais simples o entendimento dos conceitos de pecado e da origem do homem, dado o pouco conhecimento científico da época. Sim, a religião católica hoje em dia convive bem com o avanço da Ciência, obviamente mantendo seu entendimento como filosofia a respeito das questões expostas pelo meio científico. Não necessariamente este entendimento é abraçado por todos.

Este é o primeiro do entendimento que para os leigos é necessário: a contextualização da mensagem. De resto, os dois principais mandamentos servem como balizadores do restante da vida católica: amai-vos uns aos outros como Eu vos amei; e amar a Deus acima de todas as coisas. Imagine se as pessoas, independentemente de religião, seguissem tais preceitos? O mundo seria um lugar muito melhor para se viver, sem dúvida!

Vinculado a isto teríamos o respeito mútuo e a percepção de que existe um algo maior que todos nós, o que nos daria o devido entendimento da nossa pequenez diante das coisas. Cada problema seria dimensionado como deveria ser: como um problema a ser resolvido, e nada mais do que isso. Soluções existem para quase tudo, como diz a sabedoria popular. Portanto, porque não trabalhar isso de maneira harmônica com o próximo? Se cada um de nós tivesse isso em mente, começando por si próprio, talvez essa corrente se espalhasse e todos veríamos um círculo virtuoso se formando.

Mas, isso também não tem que ser visto como uma obrigação. O próprio conceito de culpa e pecado também é abordado pelo Padre Hélio, flexibilizando essa auto-imposição de um martírio que os católicos parecem carregar. Somos humanos, sujeitos a falhas, e temos que saber conviver com elas, tendo-as como aprendizado para não voltar a cometê-las no futuro. Mas elas também não podem ser um peso em nossas vidas! Religião também se aprende, e deve ser um alívio, e não um fardo.

Deixo com vocês, abaixo, a transcrição de uma das seções do livro para entenderem o que lhes expus acima:

Um simples olhar já é pecado? – páginas 73-74

A desorientação e a falta de formação de consciência fazem muita gente sofrer e viver atormentada. Quantas se julgam em pecado por causa de um olhar, de um pensamento.

Aqui entra o grande problema de quem forma sua consciência segundo a letra da Lei. Embora Jesus tenha dito e mostrado pelas curas feitas em sábado e pelas espigas arrancadas pelos discípulos que a Lei não salva ninguém, há quem se sinta seguro agarrando-se à letra da Lei. De fato não é fácil romper o cerco de tantos anos de catequese e de velhas listas de pecado. A Lei é excelente, mas ela é indicadora do caminho e não o próprio caminho. É isso que leva Paulo a dizer que as leis existem por causa das transgressões.

Assim acontece com os leitores distraídos do texto: “Quem olhar para uma mulher com desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em seu coração” (Mt 5,28). Não percebem que o que faz o pecado é a maldade.

Ver é um ato normal, não podemos andar de olhos vendados, a realidade está na nossa frente, ninguém pode induzir-nos a ser como certos santos que nem sequer olhavam para o rosto da própria mãe, se é que isso é verdade.


É certo também que devemos fazer a vigilância, porque quem não se policia, resguarda-se, vai ter uma mente fecunda em imagens e situações que facilmente os levarão ao desequilíbrio ou ao erro. (...) Uma mente mais aberta é mais saudável para todos. (...).