Livros
acadêmicos. Teorias uma vez apresentadas buscam impactar os leitores de modo a
solidificar seus autores numa determinada área. Este é o modus operandi usual. Porém, a obra de Daron Acemoglu & James
Robinson, acadêmicos radicados nos Estados Unidos – MIT e Harvard
respectivamente – “Por Que as Nações Fracassam – as origens do poder, da
prosperidade e da pobreza” – Ed. Elsevier – 2012 – 401 páginas – abusou de outro
artifício, que pode ter sido involuntário, o da repetição.
Uma
obra de 400 páginas – ok, as notas e fontes ocupam 40 páginas ao final do
livro, ou seja, 10% do volume – na qual já deu o que tinha para dizer com um
pouco mais da metade, corre o sério de risco de não alcançar outra parcela do
público leitor. Aquela constituída pelos leitores curiosos sobre a matéria de
Política Internacional e Economia, mas que não são catedráticos, que se cansam
fácil da repetição de argumentos. Assim, o livro acaba se voltando para um
determinado nicho, que teria paciência e vontade – porque não dizer – de encontrar
uma falha na teoria apresentada. Ou existe algum meio mais vaidoso que a
Academia?*
*Sim, existe. Academias
de ginástica, o mundo fashion, críticos literários e de gastronomia, etc... Mas
tinha que provocar...
A
repetição acaba por surgir naturalmente em livros que possuem mais de um autor.
Os debates entre os dois criadores em torno do tema acabam por suscitar um sem
número de fatos e argumentos os quais balizam suas posições. Assim, se o texto
não for bem negociado, acaba-se por se inserir todos os fatos, dados e
arrazoados que ambos intuíram. E sabemos que num texto acadêmico o mais difícil
é a edição do mesmo. O autor nunca fica satisfeito de cortar isso ou aquilo que
para ele parece tão precioso e que deu tanto trabalho para pesquisar e
identificar. Porém, o editor, ao olhar, verifica rapidamente que tal não contribui
em termos de novidade e atração. Acontece que aqui o editor tem que lutar
contra a vaidade de dois autores. Certamente tarefa dobrada e de maior
dificuldade.
De
todo modo, deve-se dizer que ambos atingiram seu intento ‘teórico’. “Uma teoria
bem-sucedida (...) não procura reproduzir detalhes com fidelidade, mas
proporciona uma justificativa útil e empiricamente bem fundamentada para uma
gama de processos, ao mesmo tempo em que joga luz sobre as principais forças em
ação” (pág. 332). Ambos elencaram uma série de fatos históricos e dispuseram ao
serviço dos leitores suas conexões com a realidade atual da divisão mundial
entre países desenvolvidos, em desenvolvimento e de menor desenvolvimento
relativo. Passamos assim a compreender as raízes de tal divisão sob a ótica
deles, porque esta permanece, tendo papel fundamental para tal dinâmica a
Revolução Industrial – onde ela eclodiu e por que eclodiu em determinados
países, a existência do que eles chamam de uma política e economia inclusivas,
e o acaso, pois sem o acaso de determinadas situações, oportunidades não
surgiriam para serem aproveitadas, oportunidades estas geradas e suportadas
pela economia e estrutura políticas inclusivas, que acabaram por gerar a
Revolução Industrial, e aí está formado o círculo virtuoso.
A
inserção do acaso em sua teoria é uma espécie, assim, de porta de saída para
críticas. Caso os críticos acabem por indicar falhas em sua teoria – ou até
mesmo indicar que eles não apontaram nada de novo (Revolução Industrial como a
raiz das diferenças é um “clássico”), eles sempre poderão argumentar que o
acaso está aí para desequilibrar as coisas:
“(...) é
impossível prever, com qualquer grau de certeza, qual será o estado de coisas
daqui a 500 anos – o que não chega a caracterizar um ponto fraco da nossa
teoria. O relato histórico que apresentamos até aqui indica que toda abordagem
baseada no determinismo histórico – a partir da geografia, cultura ou mesmo outros
fatores históricos – é inadequada. As pequenas diferenças e a contingência não
fazem parte apenas de nossa teoria; fazem parte do desenrolar da história”
(pág. 336).
Agora,
como eles pontuam seus principais argumentos. Vamos tentar dissecá-los aqui
abaixo.
Política e
Economia
Cada sociedade
funciona com um conjunto de regras econômicas e políticas criadas e aplicadas
pelo Estado e pelos cidadãos em conjunto. As instituições econômicas dão forma
aos incentivos econômicos: incentivos para buscar mais educação, para poupar e
investir, para inovar e adotar novas tecnologias, e assim por diante. É o
processo político que determina a que instituições econômicas as pessoas serão
submetidas, e são as instituições políticas que ditam como funciona esse
processo. Por exemplo, são as instituições políticas de uma nação que
estabelecem a capacidade dos cidadãos de controlar os políticos e influenciar
seu comportamento – o que, por sua vez, define se os políticos serão agentes
dos cidadãos, ainda que imperfeitos, ou se terão a possibilidade de abusar do
poder que lhes foi confiado, ou que usurparam, para fazer fortuna e agir em
benefício próprio, em detrimento dos cidadãos. As instituições políticas
incluem Constituições escritas – mas não se limitam a elas – e o fato de a
sociedade ser uma democracia. Compreendem o poder e a capacidade do Estado de
regular e governar a sociedade. É igualmente necessário considerar de forma
mais ampla os fatores que determinam como o poder político se distribui na
sociedade, sobretudo a capacidade de diferentes grupos de agir coletivamente em
busca de seus objetivos ou impedir outros de atingirem os seus (pág. 32).
Ou
seja, pela explicação dos autores dada acima, um país desenvolvido possui uma
maturidade política elevada. Nada de novo até aqui, não!? E a angústia nos
assola por um determinado momento. Eles mesmos fazem um contraponto sobre este
domínio da Política sobre a Economia mais adiante, de maneira irônica: “A
economia tradicionalmente ignora a política, mas compreendê-la é crucial para
explicar as desigualdades do mundo. [Citação à Abba Lerner (1970)] A economia
conquistou o título de Rainha das Ciências Sociais ao escolher como domínio
problemas políticos já resolvidos” (pág. 54).
O Poder da
Destruição Criativa, Inovação, Revolução Industrial e Propriedade Intelectual
Um
dos principais argumentos utilizados pelos autores para justificar o
diferencial entre o desenvolvimento atual dos países é a importância e a
distribuição da riqueza em função da proteção da propriedade intelectual e o que
esta proporciona como dividendos para seus criadores – nada a se estranhar,
dada a origem dos mesmos – Estados Unidos:
O que mais chama
atenção no registro de patentes nos Estados Unidos é o fato de que os autores
dos pedidos vinham de todo tipo de extrato sociocultural e história de vida,
não só do meio dos ricos e da elite. Muitos fizeram fortuna graças às suas
patentes. Foi o caso de Thomas Edison (...), fundador da General Electric, até
hoje uma das maiores empresas do mundo. Edison era o mais novo de sete irmãos.
Seu pai, Samuel Edison, teve diversas ocupações, de serrador de sarrafos para
telhados a alfaiate, passando por dono de taverna. Thomas teve pouca educação
formal, mas sua mãe o ensinou em casa (pág. 24).
Ou
seja, a segurança jurídica, obtida de sólidas instituições políticas e
econômicas, geram oportunidades para todos os extratos sociais.
Não é
coincidência que a Revolução Industrial tenha iniciado na Inglaterra, poucas
décadas após a Revolução Gloriosa (1). Grandes inventores, como James Watt (que
aprimorou o motor a vapor), Richard Trevithick (construtor da primeira locomotiva
a vapor), Richard Arkwright (inventor de uma máquina de fiar algodão
hidráulica) e Isambard Kingdom Brunel (construtor de vários navios a vapor
revolucionários), puderam aproveitar as oportunidades econômicas geradas por
suas ideias, confiando em que seus direitos de propriedade seriam respeitados,
e tiveram acesso a mercados nos quais suas inovações poderiam ser vendidas e
utilizadas de maneira rentável (pág. 81).
(1)
Revolução
Gloriosa = nome dado pelo movimento
ocorrido na Inglaterra entre 1688 e 1689 no qual o rei Jaime II foi destituído
do trono britânico. Chamada por vezes de "Revolução sem sangue", pela forma deveras pacífica com que ocorreu, ela
resultou na substituição do rei da dinastia
Stuart, católico, pelos protestantes Guilherme (em inglês, William), Príncipe de
Orange, da Holanda, em conjunto com sua mulher Maria II (respectivamente genro
e filha de Jaime II).
Fonte: http://www.infoescola.com/historia/revolucao-gloriosa/
Porém,
os próprios europeus são identificados como sendo um dos culpados pelo fato
deste círculo virtuoso não ter se espraiado pelo restante do mundo, dado que
tiveram tal possibilidade em relação às suas colônias e não o fizeram pelo
interesse no extrativismo de suas economias – e manutenção de uma lógica perversa
de exploração (ver página 96).
A desigualdade
existente hoje no mundo se deve ao fato de que, durante os séculos XIX e XX,
certos países lograram tirar proveito da Revolução Industrial e das tecnologias
e métodos de organização por ela acarretados, ao passo que outros, não. A
mudança tecnológica é apenas uma das forças motrizes da prosperidade, mas
talvez seja também a mais crítica. Os países que não aproveitaram as novas
tecnologias tampouco se aproveitaram de outros motores da prosperidade (pág.
210).
Como se pode
então resumir a teoria apresentada?
Salvo raras
exceções, os países ricos de hoje são aqueles que embarcaram no processo de
industrialização e transformação tecnológica a partir do século XIX, e os
pobres são aqueles que não seguiram esse caminho (pág. 234).
Como
já colocamos acima, a obra é permeada de momentos em que os autores reforçam
seus conceitos. A sua grande força, talvez, seja a abrangência histórica e
geográfica de sua pesquisa – isso ficará mais claro na seção Curiosidades
abaixo – e em como eles vinculam os fatos com os argumentos. Os autores
transitam pela história de nações de todos continentes, literalmente,
demonstrando um fôlego invejável para a coleta de dados.
“Este, muitas
vezes, como (...) nos casos da Argentina, Colômbia e Egito, assume a forma de insuficiência
da atividade econômica, em virtude da exploração dos recursos promovida pelos
políticos, que tratam de esmagar todo e qualquer tipo de atividade econômica
independente que possa vir a ameaçá-los e às elites econômicas. Em certos casos
extremos, como no Zimbábue e em Serra Leoa, (...), as instituições
extrativistas preparam o terreno para a total falência do Estado, pondo não só
a lei e a ordem a perder, mas também mesmo os mais básicos incentivos
econômicos. O resultado é a estagnação econômica e – como comprovam as
histórias recentes de Angola, Camarões, Chade, República Democrática do Congo,
Haiti, Libéria, Nepal, Serra Leoa, Sudão e Zimbábue – conflitos civis,
migrações em massa, fomes e epidemias, tornando muitos desses países mais
pobres hoje o que eram nos anos 1960” (pág. 289).
“As nações
fracassam economicamente devido ao extrativismo de suas instituições [políticas e
econômicas]. São elas que mantêm os
países pobres na pobreza e os impedem de enveredar por um caminho de
crescimento econômico.É o caso, hoje, na África, de lugares como o Zimbábue e
Serra Leoa; na América do Sul, de países como Colômbia e Argentina; na Ásia, de
lugares como Coreia do Norte e Uzbequistão; e, no Oriente Médio, de nações como
o Egito. As diferenças entre esses países são evidentes. Alguns são de clima
tropical,outros se encontram em latitudes temperadas. Alguns foram colônias
britânicas; outros, do Japão, da Espanha e da Rússia. Apresentam as mais
diversas histórias, idiomas e culturas. O que todos têm em comum são as
instituições extrativistas. Em todos esses casos, a base dessas instituições é
uma elite que estrutura as instituições econômicas de modo a locupletar-se e
perpetuar o próprio poder, em detrimento da vasta maioria da população” (pág.
309).
OBS.: para nossa
realidade sul-americana destaco a seção denominada ‘Quem é o Estado?’, entre as
páginas 293 e 301, que disseca a situação gerada a partir do contexto sócio político
na Argentina, Colômbia e Venezuela.
Porém,
também acreditamos que estes poderiam ter poupado os leitores de tanta
repetição. O livro poderia ter-se encerrado facilmente lá por sua metade, aonde
os conceitos já estavam alicerçados e devidamente apresentados. Faltou, de
fato, um pulso mais forte de um editor.
Mas
então, o que é necessário para a mudança? Os autores pregam que “uma
confluência de fatores, especialmente uma circunstância crítica aliada a ampla
coalizão entre os que pressionam por reformas ou outras instituições existentes
que sejam propícias, para que um país avance ao encontro de instituições mais
inclusivas. Além disso, um toque de sorte é sempre fundamental porque a
história sempre se desenrola de forma contingente” (pág. 330).
Curiosidades
· Em 1534, os
espanhóis (...) fundaram uma cidade na atual localização de Buenos Aires.
Deveria ser um lugar ideal para os europeus. Buenos Aires, que literalmente
significa ‘bons ares’, tinha um clima temperado e convidativo. A primeira
temporada dos espanhóis por lá teve vida curta, porém. Afinal, eles não estavam
atrás d de bons ares, mas de recursos para extrair e mão de obra para coagir.
Os charruas e os querandís, contudo, não se mostraram nem um pouco cooperativos
(pág. 7);
· [Capitão John
Smith] Foi o primeiro inglês a estar frente a frente com Wahunsunacock [rei da
Confederação Powhatan- América do Norte], e foi nesse primeiro encontro que,
segundo alguns relatos, a vida de Smith só foi salva graças à intervenção da
jovem filha de Wahunsunacock, Pocahontas (pág. 15);
· O último
imperador da Etiópia, Ras Tafari, foi coroado Hailê Selassiê em 1930 (pág.
184);
· [Botsuana] Hoje,
possui a mais alta renda per capita da África subsaariana e encontra-se no
mesmo patamar de países bem-sucedidos do Leste Europeu, como Estônia e Hungria,
e das nações latino-americanas de maior êxito, como Costa Rica.