sábado, 16 de maio de 2015

POR QUE AS NAÇÕES FRACASSAM?


Livros acadêmicos. Teorias uma vez apresentadas buscam impactar os leitores de modo a solidificar seus autores numa determinada área. Este é o modus operandi usual. Porém, a obra de Daron Acemoglu & James Robinson, acadêmicos radicados nos Estados Unidos – MIT e Harvard respectivamente – “Por Que as Nações Fracassam – as origens do poder, da prosperidade e da pobreza” – Ed. Elsevier – 2012 – 401 páginas – abusou de outro artifício, que pode ter sido involuntário, o da repetição.


Uma obra de 400 páginas – ok, as notas e fontes ocupam 40 páginas ao final do livro, ou seja, 10% do volume – na qual já deu o que tinha para dizer com um pouco mais da metade, corre o sério de risco de não alcançar outra parcela do público leitor. Aquela constituída pelos leitores curiosos sobre a matéria de Política Internacional e Economia, mas que não são catedráticos, que se cansam fácil da repetição de argumentos. Assim, o livro acaba se voltando para um determinado nicho, que teria paciência e vontade – porque não dizer – de encontrar uma falha na teoria apresentada. Ou existe algum meio mais vaidoso que a Academia?*

*Sim, existe. Academias de ginástica, o mundo fashion, críticos literários e de gastronomia, etc... Mas tinha que provocar...

A repetição acaba por surgir naturalmente em livros que possuem mais de um autor. Os debates entre os dois criadores em torno do tema acabam por suscitar um sem número de fatos e argumentos os quais balizam suas posições. Assim, se o texto não for bem negociado, acaba-se por se inserir todos os fatos, dados e arrazoados que ambos intuíram. E sabemos que num texto acadêmico o mais difícil é a edição do mesmo. O autor nunca fica satisfeito de cortar isso ou aquilo que para ele parece tão precioso e que deu tanto trabalho para pesquisar e identificar. Porém, o editor, ao olhar, verifica rapidamente que tal não contribui em termos de novidade e atração. Acontece que aqui o editor tem que lutar contra a vaidade de dois autores. Certamente tarefa dobrada e de maior dificuldade.

 
De todo modo, deve-se dizer que ambos atingiram seu intento ‘teórico’. “Uma teoria bem-sucedida (...) não procura reproduzir detalhes com fidelidade, mas proporciona uma justificativa útil e empiricamente bem fundamentada para uma gama de processos, ao mesmo tempo em que joga luz sobre as principais forças em ação” (pág. 332). Ambos elencaram uma série de fatos históricos e dispuseram ao serviço dos leitores suas conexões com a realidade atual da divisão mundial entre países desenvolvidos, em desenvolvimento e de menor desenvolvimento relativo. Passamos assim a compreender as raízes de tal divisão sob a ótica deles, porque esta permanece, tendo papel fundamental para tal dinâmica a Revolução Industrial – onde ela eclodiu e por que eclodiu em determinados países, a existência do que eles chamam de uma política e economia inclusivas, e o acaso, pois sem o acaso de determinadas situações, oportunidades não surgiriam para serem aproveitadas, oportunidades estas geradas e suportadas pela economia e estrutura políticas inclusivas, que acabaram por gerar a Revolução Industrial, e aí está formado o círculo virtuoso.

A inserção do acaso em sua teoria é uma espécie, assim, de porta de saída para críticas. Caso os críticos acabem por indicar falhas em sua teoria – ou até mesmo indicar que eles não apontaram nada de novo (Revolução Industrial como a raiz das diferenças é um “clássico”), eles sempre poderão argumentar que o acaso está aí para desequilibrar as coisas:

“(...) é impossível prever, com qualquer grau de certeza, qual será o estado de coisas daqui a 500 anos – o que não chega a caracterizar um ponto fraco da nossa teoria. O relato histórico que apresentamos até aqui indica que toda abordagem baseada no determinismo histórico – a partir da geografia, cultura ou mesmo outros fatores históricos – é inadequada. As pequenas diferenças e a contingência não fazem parte apenas de nossa teoria; fazem parte do desenrolar da história” (pág. 336).

Agora, como eles pontuam seus principais argumentos. Vamos tentar dissecá-los aqui abaixo.

Política e Economia

Cada sociedade funciona com um conjunto de regras econômicas e políticas criadas e aplicadas pelo Estado e pelos cidadãos em conjunto. As instituições econômicas dão forma aos incentivos econômicos: incentivos para buscar mais educação, para poupar e investir, para inovar e adotar novas tecnologias, e assim por diante. É o processo político que determina a que instituições econômicas as pessoas serão submetidas, e são as instituições políticas que ditam como funciona esse processo. Por exemplo, são as instituições políticas de uma nação que estabelecem a capacidade dos cidadãos de controlar os políticos e influenciar seu comportamento – o que, por sua vez, define se os políticos serão agentes dos cidadãos, ainda que imperfeitos, ou se terão a possibilidade de abusar do poder que lhes foi confiado, ou que usurparam, para fazer fortuna e agir em benefício próprio, em detrimento dos cidadãos. As instituições políticas incluem Constituições escritas – mas não se limitam a elas – e o fato de a sociedade ser uma democracia. Compreendem o poder e a capacidade do Estado de regular e governar a sociedade. É igualmente necessário considerar de forma mais ampla os fatores que determinam como o poder político se distribui na sociedade, sobretudo a capacidade de diferentes grupos de agir coletivamente em busca de seus objetivos ou impedir outros de atingirem os seus (pág. 32).

Ou seja, pela explicação dos autores dada acima, um país desenvolvido possui uma maturidade política elevada. Nada de novo até aqui, não!? E a angústia nos assola por um determinado momento. Eles mesmos fazem um contraponto sobre este domínio da Política sobre a Economia mais adiante, de maneira irônica: “A economia tradicionalmente ignora a política, mas compreendê-la é crucial para explicar as desigualdades do mundo. [Citação à Abba Lerner (1970)] A economia conquistou o título de Rainha das Ciências Sociais ao escolher como domínio problemas políticos já resolvidos” (pág. 54).

O Poder da Destruição Criativa, Inovação, Revolução Industrial e Propriedade Intelectual

Um dos principais argumentos utilizados pelos autores para justificar o diferencial entre o desenvolvimento atual dos países é a importância e a distribuição da riqueza em função da proteção da propriedade intelectual e o que esta proporciona como dividendos para seus criadores – nada a se estranhar, dada a origem dos mesmos – Estados Unidos:

O que mais chama atenção no registro de patentes nos Estados Unidos é o fato de que os autores dos pedidos vinham de todo tipo de extrato sociocultural e história de vida, não só do meio dos ricos e da elite. Muitos fizeram fortuna graças às suas patentes. Foi o caso de Thomas Edison (...), fundador da General Electric, até hoje uma das maiores empresas do mundo. Edison era o mais novo de sete irmãos. Seu pai, Samuel Edison, teve diversas ocupações, de serrador de sarrafos para telhados a alfaiate, passando por dono de taverna. Thomas teve pouca educação formal, mas sua mãe o ensinou em casa (pág. 24).

Ou seja, a segurança jurídica, obtida de sólidas instituições políticas e econômicas, geram oportunidades para todos os extratos sociais.

Não é coincidência que a Revolução Industrial tenha iniciado na Inglaterra, poucas décadas após a Revolução Gloriosa (1). Grandes inventores, como James Watt (que aprimorou o motor a vapor), Richard Trevithick (construtor da primeira locomotiva a vapor), Richard Arkwright (inventor de uma máquina de fiar algodão hidráulica) e Isambard Kingdom Brunel (construtor de vários navios a vapor revolucionários), puderam aproveitar as oportunidades econômicas geradas por suas ideias, confiando em que seus direitos de propriedade seriam respeitados, e tiveram acesso a mercados nos quais suas inovações poderiam ser vendidas e utilizadas de maneira rentável (pág. 81).

(1)     Revolução Gloriosa = nome dado pelo movimento ocorrido na Inglaterra entre 1688 e 1689 no qual o rei Jaime II foi destituído do trono britânico. Chamada por vezes de "Revolução sem sangue", pela forma deveras pacífica com que ocorreu, ela resultou na substituição do rei da dinastia Stuart, católico, pelos protestantes Guilherme (em inglês, William), Príncipe de Orange, da Holanda, em conjunto com sua mulher Maria II (respectivamente genro e filha de Jaime II).
Fonte: http://www.infoescola.com/historia/revolucao-gloriosa/

Porém, os próprios europeus são identificados como sendo um dos culpados pelo fato deste círculo virtuoso não ter se espraiado pelo restante do mundo, dado que tiveram tal possibilidade em relação às suas colônias e não o fizeram pelo interesse no extrativismo de suas economias – e manutenção de uma lógica perversa de exploração (ver página 96).

A desigualdade existente hoje no mundo se deve ao fato de que, durante os séculos XIX e XX, certos países lograram tirar proveito da Revolução Industrial e das tecnologias e métodos de organização por ela acarretados, ao passo que outros, não. A mudança tecnológica é apenas uma das forças motrizes da prosperidade, mas talvez seja também a mais crítica. Os países que não aproveitaram as novas tecnologias tampouco se aproveitaram de outros motores da prosperidade (pág. 210).

Como se pode então resumir a teoria apresentada?

Salvo raras exceções, os países ricos de hoje são aqueles que embarcaram no processo de industrialização e transformação tecnológica a partir do século XIX, e os pobres são aqueles que não seguiram esse caminho (pág. 234).

Como já colocamos acima, a obra é permeada de momentos em que os autores reforçam seus conceitos. A sua grande força, talvez, seja a abrangência histórica e geográfica de sua pesquisa – isso ficará mais claro na seção Curiosidades abaixo – e em como eles vinculam os fatos com os argumentos. Os autores transitam pela história de nações de todos continentes, literalmente, demonstrando um fôlego invejável para a coleta de dados.

“Este, muitas vezes, como (...) nos casos da Argentina, Colômbia e Egito, assume a forma de insuficiência da atividade econômica, em virtude da exploração dos recursos promovida pelos políticos, que tratam de esmagar todo e qualquer tipo de atividade econômica independente que possa vir a ameaçá-los e às elites econômicas. Em certos casos extremos, como no Zimbábue e em Serra Leoa, (...), as instituições extrativistas preparam o terreno para a total falência do Estado, pondo não só a lei e a ordem a perder, mas também mesmo os mais básicos incentivos econômicos. O resultado é a estagnação econômica e – como comprovam as histórias recentes de Angola, Camarões, Chade, República Democrática do Congo, Haiti, Libéria, Nepal, Serra Leoa, Sudão e Zimbábue – conflitos civis, migrações em massa, fomes e epidemias, tornando muitos desses países mais pobres hoje o que eram nos anos 1960” (pág. 289).

“As nações fracassam economicamente devido ao extrativismo de suas instituições [políticas e econômicas]. São elas que mantêm os países pobres na pobreza e os impedem de enveredar por um caminho de crescimento econômico.É o caso, hoje, na África, de lugares como o Zimbábue e Serra Leoa; na América do Sul, de países como Colômbia e Argentina; na Ásia, de lugares como Coreia do Norte e Uzbequistão; e, no Oriente Médio, de nações como o Egito. As diferenças entre esses países são evidentes. Alguns são de clima tropical,outros se encontram em latitudes temperadas. Alguns foram colônias britânicas; outros, do Japão, da Espanha e da Rússia. Apresentam as mais diversas histórias, idiomas e culturas. O que todos têm em comum são as instituições extrativistas. Em todos esses casos, a base dessas instituições é uma elite que estrutura as instituições econômicas de modo a locupletar-se e perpetuar o próprio poder, em detrimento da vasta maioria da população” (pág. 309).

OBS.: para nossa realidade sul-americana destaco a seção denominada ‘Quem é o Estado?’, entre as páginas 293 e 301, que disseca a situação gerada a partir do contexto sócio político na Argentina, Colômbia e Venezuela.

Porém, também acreditamos que estes poderiam ter poupado os leitores de tanta repetição. O livro poderia ter-se encerrado facilmente lá por sua metade, aonde os conceitos já estavam alicerçados e devidamente apresentados. Faltou, de fato, um pulso mais forte de um editor.

Mas então, o que é necessário para a mudança? Os autores pregam que “uma confluência de fatores, especialmente uma circunstância crítica aliada a ampla coalizão entre os que pressionam por reformas ou outras instituições existentes que sejam propícias, para que um país avance ao encontro de instituições mais inclusivas. Além disso, um toque de sorte é sempre fundamental porque a história sempre se desenrola de forma contingente” (pág. 330).

Curiosidades

·       Em 1534, os espanhóis (...) fundaram uma cidade na atual localização de Buenos Aires. Deveria ser um lugar ideal para os europeus. Buenos Aires, que literalmente significa ‘bons ares’, tinha um clima temperado e convidativo. A primeira temporada dos espanhóis por lá teve vida curta, porém. Afinal, eles não estavam atrás d de bons ares, mas de recursos para extrair e mão de obra para coagir. Os charruas e os querandís, contudo, não se mostraram nem um pouco cooperativos (pág. 7);
·       [Capitão John Smith] Foi o primeiro inglês a estar frente a frente com Wahunsunacock [rei da Confederação Powhatan- América do Norte], e foi nesse primeiro encontro que, segundo alguns relatos, a vida de Smith só foi salva graças à intervenção da jovem filha de Wahunsunacock, Pocahontas (pág. 15);
·       O último imperador da Etiópia, Ras Tafari, foi coroado Hailê Selassiê em 1930 (pág. 184);

·       [Botsuana] Hoje, possui a mais alta renda per capita da África subsaariana e encontra-se no mesmo patamar de países bem-sucedidos do Leste Europeu, como Estônia e Hungria, e das nações latino-americanas de maior êxito, como Costa Rica.