sábado, 27 de agosto de 2016

4 X John Grisham

Neste post avaliaremos quatro obras do famoso escritor norte-americano John Grisham. Como se encontra na orelha de seus livros como apresentação do mesmo, trata-se de um autor de 22 romances, um trabalho de não-ficção, um livro de contos e um romance para jovens leitores. É um dos diretores do Innocence Project (1), organização que defende prisioneiros inocentes. É presidente do Innocence Project do Mississipi, sediado na faculdade de direito do estado. Vive em Virginia e no Mississipi.
John Grisham
John Grisham se caracterizou, por sua formação jurídica, em ambientar seus romances neste meio. Ou seja, os principais personagens ou estão envoltos em casos que chegam às barras do tribunal e lá têm seus principais lances de drama ou então são advogados vivendo seus dilemas a partir de trabalhos efetuados, que não necessariamente têm como cenário o tribunal em si, mas todo o seu entorno.

Sendo eu um apreciador desta linha de romance, com este tipo de ambiente, não tive dúvidas em emendar logo 4 obras do dito autor em sequência, muitas delas que já sofreram suas devidas adaptações para telona, tal a riqueza do que foi ali exposto. Vamos ver se vocês se sentem tão instigados como eu.

Tempo de Matar

Em “Tempo de Matar” (Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1994 – 592 págs) temos Grisham na sua primeira aventura como escritor de ficção. Publicado originalmente em 1989 sob o título A Time to Kill, Grisham deixa bem claro em uma nota introdutória para edição a que eu tive acesso, redigida em 1992, de que se trata de seu romance mais autobiográfico, dado que o personagem central, o advogado Jake Brigance, tem muito dele. Nas palavras do autor:

Eu não advogo mais, mas durante dez anos pratiquei a advocacia muito ao modo de Jake Brigance. Eu representava indivíduos, e não instituições financeiras, companhias de seguros ou grandes firmas. Eu era um advogado das ruas. Jake e eu temos a mesma idade. Minha posição era de zagueiro nos tempos de colégio, embora eu não jogasse muito bem. Muita coisa que ele faz e diz é exatamente o que eu acho que faria e diria nas mesmas circunstâncias. Nós dois temos automóveis da mesma marca. Nós dois sentimos a pressão insuportável da corte criminal, uma coisa que procuro captar no livro. Nós dois perdemos o sono por causa de clientes e vomitamos nos banheiros do tribunal. Este livro saiu do coração. É um primeiro livro e às vezes se perde em digressões, mas eu não trocaria uma palavra, se me pedissem (pág. 9).

A estória gira em torno do julgamento de um morador de Clanton, Mississipi, no sul dos EUA, negro, chamado Carl Lee Halley, que teve a filha de 10 anos estuprada por dois brancos. Carl Lee chamou para si a justiça, assassinando-os em pleno tribunal com o um M-16, sub-metralhadora. Jake Brigance, por ter sido bem sucedido na defesa do irmão de Carl Lee, Lester, tempos atrás, contra uma acusação de homicídio, é o escolhido da família para atuar como advogado novamente.

Esse é o quadro geral. A estória transcorre em meio a estruturação da estratégia de defesa, atividade com a qual Brigance conta com o apoio de outros dois advogados da cidade, amigos de longa data por circunstâncias diferentes, e de uma estagiária que surge a meio caminho, com um interesse específico naquele que prometia ser o “caso do ano”. A resistência de uma comunidade de maioria branca, o ressurgimento da Ku Klux Klan, além da atratividade política do processo, traz uma série de interesses e atores que buscam produzir pedras no caminho de Brigance e sua “equipe”.

Destaco logo de cara uma pequena pérola da narrativa, que é o diálogo pré-assassinato entre Brigance e o Carl Lee, quando este já indicava suas intenções ao advogado. Ele termina com a seguinte colocação: “Não tenho escolha, Jake. Nunca mais vou dormir tranquilo sabendo que aqueles dois estão vivos. Devo isso à minha filha. Devo a mim mesmo e devo à minha gente. Vai ser feito” (pág. 63). Esse indica o principal dilema a que é posto o júri: como condenar um pai que passou por tamanha tragédia?

Outro aspecto interessante da narrativa de Grisham é a sua qualidade em retratar o ambiente vivido ao sul do Mississipi com um caso de tal peso. O surgimento de forasteiros curiosos, principalmente da imprensa, em contraste com a rotina do dia a dia da pequena cidade, é exposto nos mínimos detalhes. Talvez Grisham, quando colocou na nota introdutória, que por vezes ele se perdia em digressões, tenha quisto indicar estas passagens. À parte o tom de lamento nesta colocação, esta é uma das riquezas da obra, pois ao contrário do que coloca, ele não se perde e são passagens necessárias. Existem outros livros que se utilizam muito mais de tais “digressões” e se tornam cansativos. Isso não acontece com Grisham. Talvez aí já indicasse como se tornaria um autor atrativo para a indústria do cinema.

Dois estranhos, sentados perto da caixa registradora, olhavam temorosos para Claude. Provavelmente repórteres, pensou Jake. Toda vez que Claude se aproximava e olhava carrancudo para eles, os dois obedientemente apanhavam uma costeleta e começavam a mastigar. Nunca tinham experimentado costeletas antes e não havia dúvida de que eram do Norte. Tinham pedido saladas mistas, mas Claude, praguejando, os mandou comer churrasco ou desocupar a mesa. Então, contou para todo mundo que aqueles idiotas queriam salada mista (pág. 134).

A capacidade de Grisham para expor os sentimentos de cada um dos personagens, essencial para uma estória que envolvia tantos dilemas de ética, princípios morais, etc, realça ainda mais o poder de atração de sua prosa. Vejam por exemplo como ele narra o sentimento de constrangimento sofrido pelo personagem central ao superar um revés em meio a sua trajetória: (...) Jake estava farto de se esconder, cansado de se sentir constrangido. Enquanto não aparecesse nos jornais e fosse lido pelos fregueses do Coffee Shop, pelos fiéis da igreja e pelos outros advogados, (...), ia ficar quieto e escondido (pág. 256).

Como ponto fraco diria que o último terço do livro se prende apenas sob um determinado aspecto para resolver toda a trama, e que não está diretamente vinculado à capacidade de oratória do personagem central – algo que é a expectativa em geral do leitor nesse tipo de romance. Mas nada que venha a perturbar sobremaneira a qualidade do livro (2).

(2)   É fato que, como citado pelo próprio autor, o sucesso de A Firma, seu segundo livro, foi que catapultou o interesse por Tempo de Matar. Mas eu diria que as principais características do autor já se encontravam presentes na primeira obra. Outro aspecto interessante também comentado por ele é de que não é bom para títulos. Ora, e não é que eu o admirava justamente pela simplicidade destes.

O Corretor

No segundo livro desta série a qual me dediquei ao autor John Grisham temos O Corretor (The Broker, do original em inglês). A edição que manuseio, publicada pela Rocco, data de 2005, mesmo ano do que o original, aparentemente. São 365 páginas em que o autor norte-americano se presta a enaltecer um anti-herói com todas suas características clássicas.

A estória gira em torno de um lobista – o corretor do título – que recebe um indulto presidencial de presente, como um dos últimos atos do então mandatário maior dos EUA antes de refugiar-se num exílio no Caribe após o final do mandato. Meu primeiro espanto com a obra foi logo em seu início. Um dos agentes do FBI que foi informa-lo sobre o indulto se chamava Adair. Galera, Adair pode ser nome de porteiro, de agente do FBI nunca!

O desafio de Grisham continuava, de toda forma. Como fazer para que este se apegue (ou passe a torcer) para um escroque? Afinal, “quando forçado a escolher entre lealdade e dinheiro, Marco (3) sempre fizera a mesma coisa. Optara pelo dinheiro. Virara as costas a seu país. Tudo pela glória do dinheiro” (pág. 209). Qual seria mágica?

Grisham vai tecendo a teia com maestria, ambientando a adaptação do mesmo ao novo tempo livre após 6 anos atrás das grades em paisagens idílicas, de turismo, na Itália (4). “Por exemplo, nunca peça um cappuccino depois das 10:30 da manhã. Mas um espresso pode ser tomado a qualquer hora do dia. Sabia disso?” (pág. 65). Além disso, como estimulador maior para que o carisma do mesmo cresça, nada como colocar entre 4 e 5 agências internacionais de espionagem atrás do indivíduo por motivos nada puritanos.

Minha crítica volta-se justamente ao trecho final do livro. Mais uma vez parece que a resolução de todos os dilemas se dá num instante, numa aceleração do processo que poderia ser melhor trabalhado em termos de suspense. Seria livro, talvez, para 600 páginas. Mas será que um livro maior seria mais facilmente vendável para as telonas?

(3)   Um dos codinomes que o corretor, Joel Backman, teve que passar a usar após a “liberdade”.
(4)   “E a mãe se retirou de novo, cantarolando agora, bastante satisfeita por ter alguém para cuidar e alguém para alimentar” (pág. 247). Vocês já viram melhor descrição da mama italiana típica do que essa!?

O Homem que Fazia Chover

A terceira obra de John Grisham a qual tivemos a possibilidade de ler na sequência trata-se de O Homem que Fazia Chover. Publicada originalmente em 1995, com o título em inglês de The Rainmaker, discorre sobre a trajetória do advogado recém-formado Rudy Baylor. O jovem rapaz, cheio de tiradas sarcásticas, típicas talvez da idade, personifica melhor do que qualquer outro protagonista das estórias anteriores o sonho americano. Como por exemplo ao enfrentar dois policiais que o investigam a respeito de um incêndio ocorrido na firma de advocacia que teria lhe passado a perna:

[Policial] – Comportamento bastante estranho para um advogado.
[Rudy Baylor] – Já vi piores. E não sou advogado. Sou um paralegal (5) ou coisa parecida. Acabo de me formar. E as acusações foram retiradas, o que tenho certeza, está escrito bem visível nesse seu impresso de computador. E se vocês pensam que quebrar alguns vidros em abril tem alguma coisa a ver com o incêndio da noite passada, então o verdadeiro incendiário pode ficar descansado. Ele está seguro. Nunca vai ser apanhado.

Baylor, que tem como melhor amigo de faculdade um advogado negro, estudante de uma universidade pública, supera as dificuldades iniciais de sua carreira, abraçando a primeira grande oportunidade que lhe surge. Por mais inverossímil que pareça a série de fatos que em sequência o favorecem, ele não deixa de estar frente a problemas que muitos outros teriam desistido no meio do caminho. Ao invés disso, acreditando que pode ultrapassar tais dilemas, ele vai garimpando seu caminho, rumo ao sucesso e ao coração da sua amada.

Lendo com atenção cada uma das 581 páginas da publicação editada pela Rocco para o Brasil em 1996 não nos damos conta de como estamos sendo envolvidos no folhetim com ganchos típicos daqueles que torcem pelos menos favorecidos superarem os gigantes que se interpõem entre eles e sua felicidade. Neste caso específico, a luta de Davi contra Golias seria representada por Baylor contra uma companhia de seguros de práticas pouco recomendáveis, chamada Great Benefit.

Além disso, sua cara metade, a jovem Kelly Riker, enfrenta um casamento falido do qual luta para escapar e encontrar o príncipe encantado que, adivinhem quem é! Apesar de todos esses chavões, o espirituoso protagonista diverte o leitor com sua trajetória, talvez mais pelo fato de que os antagonistas são engolfados pela má sorte, o que lhe dá oportunidade de rir da miséria alheia. Mas devo dizer que o final – em que pese ter tudo a ver com o que dissemos acima – acabou por me surpreender. Enfim, a vida pode ser muito mais que a fama amealhada nos tribunais.

(5)   Paralegais são assistentes de advocacia. Normalmente fazem o trabalho de pesquisa em escritórios estabelecidos, função exercida preferencialmente por jovens formados que ainda não obtiveram a licença para advogar ou que ainda estejam em graduação.

O Júri

Trama que envolve não somente o tribunal – que continua sendo o centro da ação – mas as atividades paralelas que podem influenciar um veredicto, sendo legítimas ou não, o livro O Júri, de John Grisham – Ed. Rocco – 511 págs – 1998 – traz o embate entre a convicção de um corpo de jurados e a defesa da gigantesca indústria do tabaco pela produção e efeitos da venda de cigarros.

Extraindo-se o fato em si – ação movida por viúva que teve seu marido vitimado pelos efeitos do fumo – o principal debate gerado durante o suspense pela tomada de posições de cada um dos membros do júri leva em consideração as motivações que podem levar cada um deles pender para um lado ou para outro. Além disso, as normas a serem seguidas de modo a manter o julgamento mais imparcial possível soam como um anacronismo diante de um mundo de hoje tão conectado, no qual as informações nos chegam por todos os lados. Sendo o livro de 1998, talvez o autor não tivesse a dimensão exata até que ponto a internet ia chegar naquele momento – não existem smartphones naquela época.

De todo modo, todo livro centrado num tribunal, assim pode-se notar – e isso fica patente ao se ler as 4 obras aqui descritas, na verdade ultrapassa a dimensão do enfrentamento entre dois corpos de advogados, a acusação e a defesa, e das informações trocadas entre si. São dramas humanos, no qual o olhar psicológico, individual sobre cada um dos elementos, é o que importa. Aqui, quando se imaginava que somente os jurados seriam a verbalização de tais dramas, uma trama típica de filmes de espiões corre em paralelo, trazendo a reboque o questionamento de como o sistema pode ser desafiado para fazer justiça por linhas tortas.

Os filmes

As obras de Grisham são de uma narrativa tão intensa, envolvem de tal modo os leitores, que era mais do que natural que gerassem adaptações cinematográficas. Tal aspecto deve ser visto com cuidado, pois as mesmas por muitas vezes seguem caminhos distintos da obra literária em favor da nova linguagem com a qual estão lidando, mesmo que o elemento central seja idêntico ou pelo menos similar. Mas vocês já sabem minha opinião sobre este ponto: o livro sempre é melhor!

Das quatro obras por mim aqui analisadas três geraram adaptações cinematográficas – O Júri, O Homem que Fazia Chover e Tempo de Matar. Dessas a que mais se aproximou de sua versão literária foi justamente esta última. Tempo de Matar (1996) contou com a participação de Mathew McConaughey e Samuel Lee Jackson nos papéis centrais, respectivamente, de Jake Brigance e Carl Lee Halley. Mas quando eu digo que se aproximou, é somente isso. No processo de adaptação não houve uma deturpação exagerada da obra original. E esse é o grande mérito se comparado os dois meios.

Quanto aos dois outros filmes: O Homem que Fazia Chover (1997), com Matt Damon no papel principal do jovem advogado Rudy Baylor, sofreu pela necessidade de condensar uma estória na qual teve papel fundamental na sua segunda parte a relação entre o juiz, que no filme foi interpretado por Danny Glover, com o advogado de defesa da Great Benefit, interpretado por John Voigt, aspecto este suprimido enormemente. Ficou um filme estéril, de soluções fáceis. Mas o livro em si, dada a importância do tema, já era um dos mais fracos entre os quatro, ficou no mesmo patamar em termos cinematográficos.

Agora, a maior carnificina foi a realizada na adaptação de O Júri (2003). Na versão cinematográfica a indústria posta em xeque foi a de armas, quando no livro a que foi atacada foi a do fumo (aliás, a mesma de O Homem que Fazia Chover). Além disso, um personagem totalmente secundário foi enfatizado no filme, talvez em favor do ator que o encarnou, Dustin Hoffman. Assim sendo, dos três filmes, foi o que mais se afastou de sua versão original literária.

Deste modo continuo com a minha predileção pelos livros, por serem mais ricos em nuances e darem asas à imaginação do leitor, proporcionando uma experiência a qual o cinema não conseguiu refletir. Para aqueles que de todo modo preferirem a telona, recomendaria apenas Tempo de Matar. Os outros dois filmes são descartáveis, ou porque são simples demais (O Homem que Fazia Chover) ou porque deturpam a fonte original da qual beberam (O Júri). Dos livros, o melhor é O Júri, o que só ressalta a lástima que foi sua adaptação para o cinema.


OBS.: Tempo de Matar ainda teve a curiosidade de juntar numa mesma obra pai e filho – Kiefer e Donald Sutherland, em papéis secundários. Não me lembro deles terem repetido a experiência em outro filme.