Fechando
este tour pelas obras de Rodrigo Alvarez às quais tivemos acesso recentemente
analisaremos hoje seu primeiro livro de ficção, em que pese ainda estar
vinculado a figuras históricas da Igreja Católica. Chama-se #MadalenaSemFiltro –
Editora LeYa, Rio de Janeiro – 2018 – 160 págs. Obra centrada na figura de
Santa Maria Madalena, aquela que acompanhou Cristo desde que se juntou ao seu
grupo até os últimos momentos, já na cruz. E ainda tendo o privilégio de ser a
primeira a tê-lo visto ressuscitado.
Fonte: Twitter |
Sendo
#MadalenaSemFiltro uma obra ficcional, isto fica mais velado ou escondido. E em
alguns momentos até mesmo não percebido. Isto porque o autor prefere centrar
forças em digressões a respeito do inconformismo da personagem central com
relação à imagem que teria sido passada pelos evangelistas (e outros autores
posteriormente) a seu respeito, como uma prostituta e aquela que se beneficiou,
de uma certa forma, de uma proximidade com Cristo “indevida”.
Esse
é o lado ficcional prevalecendo. Não temos certeza – e nunca saberemos – como era
o relacionamento de Maria Madalena com os demais apóstolos. Se hoje ainda
convivemos com uma insegurança nos relacionamentos em ambientes profissionais
entre homens e mulheres e o incompreendido – dada a modernidade em que nos
inserimos – desnível no reconhecimento da importância dos feitos da mulher em
relação àqueles debitados aos homens, imagina naquela época, quando isso era muito
mais explícito e fazia parte da cultura.
Maria
Madalena é então, incensada pelo autor, como uma das primeiras feministas da
História. Aquela em que num momento tão singular da humanidade teria,
naturalmente, buscado ser um personagem relevante num meio totalmente dominado
pelo ser masculino. O problema do livro, a meu ver, foi justamente essa escolha
isolada. Isso acaba por cansar o leitor menos prevenido, que tinha curiosidade
sobre a visão do autor a respeito de outras nuances da santa.
O
título em si já remete para uma jornada de luta por mudança de conceitos. A
utilização da #, fazendo vínculo com os meios digitais de divulgação de uma
ideia utilizados amplamente nos diferentes caminhos da web, indica que o livro
será uma declaração sem pudores de alguém que se sente injustiçado – como é típico
daqueles que se utilizam desse meio. Verdades virão à tona, afinal a santa está
“sem filtro”, ou sem papas na língua, e quer que sua versão da própria história
alcance o mundo. Porém, volto a dizer, essa confissão de temores – ou luta, ou
remorso contido, quer seja como leiam – peca por concentrar-se somente no libelo
feminista. Melhor seria buscasse explorar outros aspectos.
Tal
fator motivador somente fica claro para o leitor na seção Sobre Este Livro,
presente no final da obra – págs. 131-132. Destacamos o seguinte trecho abaixo:
Nós, e também as editoras Leila Name e Martha Ribas, (...),
compartilhávamos o grande desejo de criar um livro esclarecedor sobre Maria Madalena,
que não fosse apenas mais uma coleção de pesquisas repletas de interrogações.
Naquele dia, falamos sobre o surgimento do movimento #MeToo[1]
e de suas ramificações pelo mundo, falamos sobre o grande momento vivido pelas
mulheres, certamente por ver naquelas que se levantam contra os abusos uma
identificação com Madalena (cuja causa mortis desconhecemos, mas que de
diversas formas foi assassinada em sua dignidade feminina ao longo da história).
Bom,
se o objetivo era que o livro fosse “esclarecedor” como aqui dito, de tudo que
pode ser dito sobre ele a única coisa que ele não constitui é ser uma obra “esclarecedora”
de algo – a não ser, talvez, pela introdução de nomes de autores que teriam
tratado da trajetória da santa da em diferentes momentos alguns séculos atrás, com
destaque para Rabanus Maurus (A Vida de
Maria Madalena – século IX); a Homilia 33 do papa Gregório I; e Jacopo de
Varazze, arcebispo de Gênova, com sua Lenda
Áurea, publicado na Idade Média, com histórias de santos, mas amplamente
criticado por ser demasiado ficcional e fantasioso (aqui temos a face do pesquisador
e jornalista se fazendo presente). Rodrigo Alvarez, porém, se conformou em
fazer um libelo a um movimento feminista, e tão somente. Pena. Acreditamos que perdeu
uma ótima oportunidade em sua estreia como ficcionista. De todos os livros
lidos, sem dúvida alguma, #MadalenaSemFiltro foi o mais fraco. Um desperdício.
Esperemos uma melhor próxima jornada.