domingo, 17 de fevereiro de 2019

#MadalenaSemFiltro


Fechando este tour pelas obras de Rodrigo Alvarez às quais tivemos acesso recentemente analisaremos hoje seu primeiro livro de ficção, em que pese ainda estar vinculado a figuras históricas da Igreja Católica. Chama-se #MadalenaSemFiltro – Editora LeYa, Rio de Janeiro – 2018 – 160 págs. Obra centrada na figura de Santa Maria Madalena, aquela que acompanhou Cristo desde que se juntou ao seu grupo até os últimos momentos, já na cruz. E ainda tendo o privilégio de ser a primeira a tê-lo visto ressuscitado.

Fonte: Twitter
O autor se propõe a buscar um testemunho da própria santa sobre sua trajetória. O sub-título aponta diretamente para isso – Memórias Póstumas da Apóstola de Jesus. Ainda é acrescentada na capa uma explicação didática – Uma narrativa baseada em fatos e documentos históricos. Para quem leu os posts anteriores sabe que um dos méritos de Alvarez é que, por sua formação jornalística, ser um profissional que busca basear suas afirmações em fontes. E em não tendo segurança, dá o benefício da dúvida e o expõe.

Sendo #MadalenaSemFiltro uma obra ficcional, isto fica mais velado ou escondido. E em alguns momentos até mesmo não percebido. Isto porque o autor prefere centrar forças em digressões a respeito do inconformismo da personagem central com relação à imagem que teria sido passada pelos evangelistas (e outros autores posteriormente) a seu respeito, como uma prostituta e aquela que se beneficiou, de uma certa forma, de uma proximidade com Cristo “indevida”.

Esse é o lado ficcional prevalecendo. Não temos certeza – e nunca saberemos – como era o relacionamento de Maria Madalena com os demais apóstolos. Se hoje ainda convivemos com uma insegurança nos relacionamentos em ambientes profissionais entre homens e mulheres e o incompreendido – dada a modernidade em que nos inserimos – desnível no reconhecimento da importância dos feitos da mulher em relação àqueles debitados aos homens, imagina naquela época, quando isso era muito mais explícito e fazia parte da cultura.

Maria Madalena é então, incensada pelo autor, como uma das primeiras feministas da História. Aquela em que num momento tão singular da humanidade teria, naturalmente, buscado ser um personagem relevante num meio totalmente dominado pelo ser masculino. O problema do livro, a meu ver, foi justamente essa escolha isolada. Isso acaba por cansar o leitor menos prevenido, que tinha curiosidade sobre a visão do autor a respeito de outras nuances da santa.

O título em si já remete para uma jornada de luta por mudança de conceitos. A utilização da #, fazendo vínculo com os meios digitais de divulgação de uma ideia utilizados amplamente nos diferentes caminhos da web, indica que o livro será uma declaração sem pudores de alguém que se sente injustiçado – como é típico daqueles que se utilizam desse meio. Verdades virão à tona, afinal a santa está “sem filtro”, ou sem papas na língua, e quer que sua versão da própria história alcance o mundo. Porém, volto a dizer, essa confissão de temores – ou luta, ou remorso contido, quer seja como leiam – peca por concentrar-se somente no libelo feminista. Melhor seria buscasse explorar outros aspectos.

Tal fator motivador somente fica claro para o leitor na seção Sobre Este Livro, presente no final da obra – págs. 131-132. Destacamos o seguinte trecho abaixo:

Nós, e também as editoras Leila Name e Martha Ribas, (...), compartilhávamos o grande desejo de criar um livro esclarecedor sobre Maria Madalena, que não fosse apenas mais uma coleção de pesquisas repletas de interrogações. Naquele dia, falamos sobre o surgimento do movimento #MeToo[1] e de suas ramificações pelo mundo, falamos sobre o grande momento vivido pelas mulheres, certamente por ver naquelas que se levantam contra os abusos uma identificação com Madalena (cuja causa mortis desconhecemos, mas que de diversas formas foi assassinada em sua dignidade feminina ao longo da história).

Bom, se o objetivo era que o livro fosse “esclarecedor” como aqui dito, de tudo que pode ser dito sobre ele a única coisa que ele não constitui é ser uma obra “esclarecedora” de algo – a não ser, talvez, pela introdução de nomes de autores que teriam tratado da trajetória da santa da em diferentes momentos alguns séculos atrás, com destaque para Rabanus Maurus (A Vida de Maria Madalena – século IX); a Homilia 33 do papa Gregório I; e Jacopo de Varazze, arcebispo de Gênova, com sua Lenda Áurea, publicado na Idade Média, com histórias de santos, mas amplamente criticado por ser demasiado ficcional e fantasioso (aqui temos a face do pesquisador e jornalista se fazendo presente). Rodrigo Alvarez, porém, se conformou em fazer um libelo a um movimento feminista, e tão somente. Pena. Acreditamos que perdeu uma ótima oportunidade em sua estreia como ficcionista. De todos os livros lidos, sem dúvida alguma, #MadalenaSemFiltro foi o mais fraco. Um desperdício. Esperemos uma melhor próxima jornada.

Um comentário:

  1. Amo muito Maria Madalena. Pena q este livro foi o mais fraco na sua opinião. Amo muito Maria Madalena e acredito q se deve justamente ao fato de não se ter tantos livros e escritos sobre ela e de haver muita especulação e ficção sobre temas relacionados a ela, por conta de sua figura feminina altamente representativa e q na época não se encaixava.

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