Entramos
na segunda jornada seguindo o autor Rodrigo Alvarez na sua caminhada pelo
chamado desvendar dos ícones católicos. Se no primeiro post abordamos sua obra “Aparecida”,
na qual através de uma pesquisa detalhada o jornalista conseguiu trilhar a
trajetória daquela que viria a se tornar a santa padroeira do Brasil, agora
nosso mergulho conjunto será em direção ao seu Filho, alguém que marcou não
somente um país, mas todo o mundo.
Em
“Jesus: o homem mais amado da História”, Rodrigo Alvarez nos proporciona, como
acordado logo de início, um olhar que tenta ser equidistante entre sua importância
religiosa e histórica, tentando pautar as afirmações existentes com provas
concretas do que é apontado – e quão não as possui, indicando que as mesmas não
existem ou são objeto de polêmica até os dias de hoje. Não fosse Jesus o
personagem central do livro, qual outro poderia adquirir uma reverência tal grande
pelo pesquisador, a fim de evitar dúvidas ao leitor sobre a veracidade dos
fatos? Os autores literários muitas vezes anseiam pela ambiguidade de modo a
deixar aquela dúvida em seus aficionados, prendendo-os em teias, enredando-os
de tal modo que sua curiosidade pelo próximo capítulo o instigue a seguir a
narrativa.
Pois,
a História de Jesus a maioria das pessoas da cultura Ocidental Cristã a conhece
muito bem. Pelo menos no que diz respeito aos seus fatos essenciais, descritos
naquela que talvez seja a obra mais lida do mundo, a Bíblia, ela que através de
Gutemberg originou a expansão do conhecimento chegando às massas. É a partir de
tal nuance que Alvarez se diferencia daqueles que se propõem esmiuçar a vida Daquele
que dividiu a História de nossa civilização entre o antes e o depois.
O
livro, publicado pela Editora LeYa, do Rio de Janeiro, no ano passado (2018),
possui 368 páginas nas quais a todo momento o autor nos surpreende com novos
mínimos detalhes talvez nunca imaginados. Ele ainda se faz seguro de confrontar
os evangelistas – no que eles têm de complementares e, de certa forma, contraditórios
entre si. Isso porque como os religiosos, no fervor da sua fé por vezes deixam
passar, a verdade é que os textos foram escritos com base na memória e passagem
de histórias orais, dado que os fatos narrados ocorreram muitos anos antes da
sua redação.
Além
disso, Alvarez faz questão de consultar todos os pesquisadores que submergiram
nessa história, e que por vezes indicam teorias mirabolantes para explicar
determinados feitos, fugindo da narrativa usual. Mas ele sempre o faz
voltando-se para a linha central até então vigente e prevalecente, buscando não
profanar a crença majoritária tal como existente hoje em dia. Ressalta sempre
que são teorias alternativas, nunca comprovadas até então, e que, portanto, não
podem solapar o que move montanhas entre seus fiéis.
Fonte: www.gazetaonline.com.br |
Desde a primeira linha, procurando sentir o ambiente
em que Jesus viveu, me afastei dos olhares repetitivos, ou mesmo viciados,
daqueles que querem defender essa ou aquela tese e nada mais enxergam. Passei
também muito longe do sensacionalismo de escritores que se aventuram pelo tema
e muitas vezes concluem o que lhes parece mais escandaloso, com base apenas num
pergaminho obscuro, ou numa ossada de origem duvidosa, ou mesmo em mera
especulação, quando, por exemplo, se exaltam as qualidades intelectuais de
Jesus desejando transfigurá-lo na forma de autoajuda. (pág. 19)
Para
se perceber o quanto Alvarez é cuidadoso no trato com a História, basta dizer
que ele divide a obra em 11 capítulos, sendo a primeira parte dedicada ao
início da sua pregação a partir do encontro com São João Batista, e a segunda
ao seu caminhar resoluto para a crucifixão, desde o momento em que adentra Jerusalém
para a Páscoa. Dessa forma o rito tão conhecido fica preservado. E ele como
autor pode enveredar pelas frestas em caminho conhecido da maioria, ajustando-as
para trazer o sentimento de clímax para o leitor, dado que este espera com
anseio verificar se cada passo não esconde uma surpresa até o seu grande final.
Dentre
as surpresas com as quais somos confrontados, logo no início o autor coloca à
mesa a real possibilidade, dadas as características dos discursos de São João
Batista e Jesus, de ambos terem convivido um bom tempo, não apenas aquele
limitado ao batismo, numa seita partilhada entre seguidores denominados essênios.
Não que Jesus fosse totalmente subordinados a eles – dado que os mesmos
pregavam o isolamento total (tais quais ermitões) – mas muito do seu discurso
religioso filosófico partilha de pensamentos comuns com aqueles. A
contextualização histórica, assim, é uma preocupação constante na obra, apresentando
detalhes que, ou não estão expostos na Bíblia, ou não são objeto do cristão
comum que se atém a seguir a liturgia da Igreja sem estudá-la mais a fundo.
Até mesmo cristãos, muitas vezes padres com
conhecimento em teologia e arqueologia, afirmarão que João Batista, o antecessor
de Jesus, viveu uma parte importante de sua vida na comunidade essênia do mar
Morto. E será impossível não perceber as semelhanças entre os essênios, João e
Jesus. Mas por que será que os evangelhos jamais mencionarão essa seita judaica
que usa o batismo para alcançar a remissão dos pecados? (...) Por que afinal o
próprio Jesus ignoraria a existência de um grupo que pensa tão parecido com
ele? (...) Estudiosos defenderão a tese de que Jesus não poderia ter se tornado
um intelectual de grande estatura, capaz de mudar o mundo, se não tivesse
passado longo tempo em salas de estudo com grandes mestres, ou numa biblioteca
onde pudesse se aprofundar nas escrituras judaicas. (págs. 50-52)
Esse
é o desafio proposto por Alvarez àqueles que se interessarem por ler essa sua
obra. Mesmo sendo uma história tremendamente conhecida, venha usufruir de uma
narrativa que lhe trará detalhes que enriquecerão o seu olhar e sua
perspectiva. Como a cereja do bolo, o livro é ricamente decorado com fotos belíssimas
logo em seu início de como alguns dos principais locais da passagem de Cristo
se encontram hoje. E durante todo o transcurso do texto, vez e outra surgem
reproduções pictóricas de obras belíssimas que se encontram espalhadas pelo mundo
afora. Enfim, um deleite para os olhos, mentes e alma.
Boa provocação, Leo. Esse tema dá um nó nas ideias, não é mesmo? Pela sua resenha, diria que esse jornalista é bem audacioso ao enfrentar tal discussão. Pra mim, a questão que sempre fica nesse tipo de abordagem sobre Jesus é: ser humano ou ser divino? Por isso tenho apreço pela literatura que trata do tema a partir de uma abordagem histórica e/ou arqueológica. Como os escritos sobre o personagem foram preparados cerca de 300 anos depois de sua suposta passagem na terra a partir da compilação de algumas narrativas escolhidas dentre um vasto volume disponível, a primeira impressão que tenho é que o relato consagrado é fruto/construção da imaginação humana. Assim, a questão que me atrai nessa temática é: que interesses moviam os organizadores dessa obra consagrada e como este evento ajudou a consolidar o mundo tal qual o conhecemos hoje? Forte abraço!!!
ResponderExcluirPrezado Araken, vamos pergunta à pergunta. Nó nas ideais, sim, mas há que se separar a fé dos fatos objetivos. Minha fé nunca foi abalada, o que não implica em dizer que eu não goste de fatos objetivos. Acho sim que Jesus tinha tanto o humano quanto o divino em si. Porém, isso não significa dizer que sua porção humana não tivesse a necessidade de aprendizado contínuo para enfrentar os desafios que ele sabia que viriam. E inteligência para saber jogar o jogo político da época. Quanto aos 300 anos, na verdade os primeiros escritos vieram após 70 anos de sua passagem na Terra. E, sem dúvida alguma, para a civilização tal como a conhecemos hoje, ele é um personagem sintomático, o mais importante de todos. Não existiria a História como a conhecemos não fosse ele. Basta pensar no que significou a Igreja Católica para a época das navegações.
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