Para
os que me conhecem sabem que sou um personagem diurno. Dessa forma, minha pouca
interação com a noite carioca se deu majoritariamente durante o período da
faculdade. Transitei entre os bairros da Tijuca, Laranjeiras e Copacabana,
locais de pouso, quando naquela época visitava meus colegas, futuros
economistas.
Daquele
período guardo ótimas risadas e a sensação de saber curtir a noite com poucos
recursos financeiros, algo típico de um estudante. Minha vida se via facilitada
ainda mais pelo fato de não beber, o que me poupava um custo relevante para
quem se pretende notívago.
Logo
se percebe, portanto, que fui um jovem um tanto quanto fora do padrão em
termos, digamos, da idade “acadêmica” per si. Posso acrescentar ainda que nunca
fui folião. Isso mesmo, acrescido ao fator “estranho” de não beber, ainda não
era (sou) chegado ao reinado de Momo. Poderiam vocês pensar: “Que sujeito chato,
difícil de agradar! Será que tem muitos amigos?”. Digamos, então, se vocês não
estivessem lendo essas linhas, estaria eu redondamente enganado, soube cultivar
as amizades pelo sorriso fácil e a mente leve, curtindo os dias com eles e
deixando-os à vontade para curtir a noite.
E
porque estou fazendo tão grande explanação sobre algumas de minhas próprias
características neste que se propõe um blog de crítica literária? Isto está
vinculado ao fato de que a obra que analisarei trata-se de algo que se propõe
avaliar a noite carioca sob a ótica de um porteiro baiano, a partir do universo
singular do Leblon, dado que seu autor – João Ubaldo Ribeiro – era habitante
daquele meio ambiente. Seria, portanto uma ousadia da minha parte, já que não
vivi as aventuras ali descritas? Não, o ser humano pode ser lido, admirado, ser
risível, enfim, sob diversos ângulos. E não necessariamente precisamos viver as
mesmas experiências descritas para reconhecê-las. Talvez as minhas
características sirvam, ao contrário, para enaltecer a obra de João Ubaldo,
dado o meu distanciamento e mesmo assim, encantamento gerado a partir de sua
narrativa.
“Noites
Lebloninas” – Ed. Alfaguara/Objetiva – 103 págs. – é composto por apenas dois
contos – “Noites Lebloninas” e “O Cachorro Falafina e seu Dono Dagoberto”- dado
que o nobre imortal demonstrou-se, infelizmente, pelo paradoxo do mundo das
letras, um mero mortal ao sucumbir no ano passado com 73 anos. Escritor de 10 romances,
2 livros de contos, 6 de crônicas, 1 de ensaio e 3 infanto-juvenis, mas que acima
de tudo parecia onipresente – e assim o será, pois a pré-dita “imortalidade”
assim está baseada na permanência de seus textos - em nossas vidas pelas
críticas bem-humoradas e mordazes que publicava nos jornais “O Globo” e “O
Estado de São Paulo”.
João
Ubaldo era, assim, alguém que nos alegrava pela sua visão do cotidiano, sabendo
retratar os personagens que conhecia à rua. E assim são estas duas pérolas, que
seriam introdutórias para esta sua última obra inacabada. Em “Noites Lebloninas”
ele apresenta o narrador principal, um porteiro que relataria no decorrer dos
contos, estórias, personagens e cenários do bairro em que trabalhava. Logo
neste conto, tudo ao revés do que seria a minha vida, não que eu não pudesse
reconhecer os atos e fatos noturnos do sentido comum. Uma noitada carioca mal-conduzida
é descrita da maneira singular daquele que por tanto tempo e em diversas formas
enalteceu Itaparica, sua terra natal, com as mesmas armas. Já o segundo – “O
Cachorro Falafina...” – apresenta, sempre sob a ótica de nossos informantes
ocasionais – os porteiros – a vida romântica de um dos moradores, homossexual, que
tinha um guardião fiel, o cachorro do título (cachorro no sentido canino de
ser, que fique bem claro).
Fica
ao leitor um sabor de quero mais. Porém, infelizmente mais não teremos os
longos parágrafos, entremeados de pensamentos, num ir e vir adocicado pela
linguagem popular usada. Mesmo eu, sendo tão distinto e pouco freqüentador do
que nos é apresentado, algo de universal sempre me cativou nos trabalhos de
João Ubaldo: saber valorizar uma das principais características do povo
brasileiro – o bom humor e a espontaneidade no olhar para o comum, trazendo
para o seio da narrativa aqueles que talvez não tivessem oportunidade, se não
fosse pelo olhar clínico de um dos melhores escritores brasileiros.