segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

NOITES LEBLONINAS

Para os que me conhecem sabem que sou um personagem diurno. Dessa forma, minha pouca interação com a noite carioca se deu majoritariamente durante o período da faculdade. Transitei entre os bairros da Tijuca, Laranjeiras e Copacabana, locais de pouso, quando naquela época visitava meus colegas, futuros economistas.

Daquele período guardo ótimas risadas e a sensação de saber curtir a noite com poucos recursos financeiros, algo típico de um estudante. Minha vida se via facilitada ainda mais pelo fato de não beber, o que me poupava um custo relevante para quem se pretende notívago.

Logo se percebe, portanto, que fui um jovem um tanto quanto fora do padrão em termos, digamos, da idade “acadêmica” per si. Posso acrescentar ainda que nunca fui folião. Isso mesmo, acrescido ao fator “estranho” de não beber, ainda não era (sou) chegado ao reinado de Momo. Poderiam vocês pensar: “Que sujeito chato, difícil de agradar! Será que tem muitos amigos?”. Digamos, então, se vocês não estivessem lendo essas linhas, estaria eu redondamente enganado, soube cultivar as amizades pelo sorriso fácil e a mente leve, curtindo os dias com eles e deixando-os à vontade para curtir a noite.

E porque estou fazendo tão grande explanação sobre algumas de minhas próprias características neste que se propõe um blog de crítica literária? Isto está vinculado ao fato de que a obra que analisarei trata-se de algo que se propõe avaliar a noite carioca sob a ótica de um porteiro baiano, a partir do universo singular do Leblon, dado que seu autor – João Ubaldo Ribeiro – era habitante daquele meio ambiente. Seria, portanto uma ousadia da minha parte, já que não vivi as aventuras ali descritas? Não, o ser humano pode ser lido, admirado, ser risível, enfim, sob diversos ângulos. E não necessariamente precisamos viver as mesmas experiências descritas para reconhecê-las. Talvez as minhas características sirvam, ao contrário, para enaltecer a obra de João Ubaldo, dado o meu distanciamento e mesmo assim, encantamento gerado a partir de sua narrativa.

“Noites Lebloninas” – Ed. Alfaguara/Objetiva – 103 págs. – é composto por apenas dois contos – “Noites Lebloninas” e “O Cachorro Falafina e seu Dono Dagoberto”- dado que o nobre imortal demonstrou-se, infelizmente, pelo paradoxo do mundo das letras, um mero mortal ao sucumbir no ano passado com 73 anos. Escritor de 10 romances, 2 livros de contos, 6 de crônicas, 1 de ensaio e 3 infanto-juvenis, mas que acima de tudo parecia onipresente – e assim o será, pois a pré-dita “imortalidade” assim está baseada na permanência de seus textos - em nossas vidas pelas críticas bem-humoradas e mordazes que publicava nos jornais “O Globo” e “O Estado de São Paulo”.


João Ubaldo era, assim, alguém que nos alegrava pela sua visão do cotidiano, sabendo retratar os personagens que conhecia à rua. E assim são estas duas pérolas, que seriam introdutórias para esta sua última obra inacabada. Em “Noites Lebloninas” ele apresenta o narrador principal, um porteiro que relataria no decorrer dos contos, estórias, personagens e cenários do bairro em que trabalhava. Logo neste conto, tudo ao revés do que seria a minha vida, não que eu não pudesse reconhecer os atos e fatos noturnos do sentido comum. Uma noitada carioca mal-conduzida é descrita da maneira singular daquele que por tanto tempo e em diversas formas enalteceu Itaparica, sua terra natal, com as mesmas armas. Já o segundo – “O Cachorro Falafina...” – apresenta, sempre sob a ótica de nossos informantes ocasionais – os porteiros – a vida romântica de um dos moradores, homossexual, que tinha um guardião fiel, o cachorro do título (cachorro no sentido canino de ser, que fique bem claro).


Fica ao leitor um sabor de quero mais. Porém, infelizmente mais não teremos os longos parágrafos, entremeados de pensamentos, num ir e vir adocicado pela linguagem popular usada. Mesmo eu, sendo tão distinto e pouco freqüentador do que nos é apresentado, algo de universal sempre me cativou nos trabalhos de João Ubaldo: saber valorizar uma das principais características do povo brasileiro – o bom humor e a espontaneidade no olhar para o comum, trazendo para o seio da narrativa aqueles que talvez não tivessem oportunidade, se não fosse pelo olhar clínico de um dos melhores escritores brasileiros.

2 comentários:

  1. Ubaldo era figurinha fácil no Leblon. Curioso que, nos últimos tempos, não podia beber álcool e se contentava com algo que não contivesse teor etílico. Acho que o que apreciava mesmo, nesta fase final da vida, era sentar no bar Tio Sam para observar os passantes, captar-lhes os gestos e emoções e, desse laboratório, extrair a seiva criativa que dava origem aos seus personagens e histórias.

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