sábado, 11 de abril de 2015

Palavras do Papa Francisco no Brasil

Com a saída de Bento XVI a Igreja Católica, em seu processo de escolha de um novo papa, se viu diante de um cenário distinto das eleições anteriores: nesta o papa que “saía” passava a ter um papel importante na escolha de seu sucessor. A mim não cabe dúvida que o papa Francisco é resultado do trabalho prévio de Bento. Entenda-se trabalho prévio, inclusive a influência durante o Conclave.

Havia a necessidade então, não apenas de um reformador – faceta por demais exaltada em função de escândalos administrativos recorrentes na cúpula da Igreja – mas também de um comunicador. Foram encontrar então, num jesuíta argentino, a resposta para seus dilemas. Quem melhor para comunicar ao mundo, enfrentando adversidades internas e externas, o “novo” approach que o Catolicismo teria que passar a ter para encarar os dilemas da sociedade do século XXI? Isso sem se desfazer dos dogmas, mas sim buscando ajustar o discurso a uma realidade que já estava ficando distante das práticas então adotadas.

Tal clareza quanto a sua função fica explícita na obra pautada nos pronunciamentos oficiais do Papa Francisco em sua primeira missão oficial, para conduzir a Jornada Mundial da Juventude aqui no Brasil, no ano de 2013. “Palavras do Papa Francisco no Brasil” – Ed. Paulinas – 2013 – 160 páginas – indica cada um dos pilares de sua atuação.

Interessante observar, por exemplo, uma característica forte do comunicador. Para se fazer entender pelas massas, facilmente – o que era também uma preocupação clara de Jesus, ao utilizar as parábolas – o Papa Francisco faz uso amplamente de tripés. Ou seja, apresenta suas idéias divididas em três partes, fazendo com que o público fique atento e ansioso por compreender as mensagens e verificar quais seriam cada uma das três partes. Vou exemplificar.

24 de Julho de 2013 – Santa Missa na Basílica de Nossa Sra. Aparecida – “(...) valores que farão deles [dos jovens] construtores de um País e de um mundo mais justo, solidário e fraterno. (...) 3 simples posturas: conservar a esperança; deixar-se surpreender por Deus; viver na alegria”. E assim ele seguia suas palavras, explicando cada um dos três pontos elencados. Ele repetiu essa estratégia inúmeras vezes em seus discursos. Senão vejamos:

25 de Julho – Comunidade de Varginha (Manguinhos): Amor / Generosidade / Alegria;
25 de Julho – Festa de Acolhida dos Jovens (Copacabana): Bote fé / Bote amor / Bote esperança;
26 de Julho – Via Sacra com os Jovens (Copacabana): O que vocês terão deixado na Cruz? / O que terá deixado a Cruz de Jesus em cada um? / O que esta Cruz ensina para nossa vida?;
27 de Julho – Santa Missa com religiosos (Catedral de São Sebastião) – sobre aspectos da vocação: chamados por Deus / chamados a anunciar o Evangelho / chamados a promover a cultura do encontro;
27 de Julho, ainda, em encontro com políticos brasileiros (Teatro Municipal) – os políticos devem ter um olhar calmo, sereno e sábio. Para isso terão que respeitar 3 aspectos: originalidade de uma tradição cultural / responsabilidade solidária para construir o futuro / diálogo construtivo para encarar o presente;
27 de Julho – vigília de oração com os jovens (Copacabana) – o que significa ser um discípulo missionário: o campo como lugar onde se semeia / o campo como lugar de treinamento / o campo como obra de construção;
28 de Julho (domingo) – Santa Missa (Copacabana) – “Hoje, à luz da palavra de Deus (...), o que nos diz o Senhor?”: Ide / Sem medo / Para servir;
28 de Julho – encontro com a cúpula eclesiástica latino-americana – dentre um longo discurso, pautado por diversas orientações, encontramos também a tríade quando ele fala sobre “as tentações contra o discipulado missionário”: a ideologização da mensagem evangélica / o funcionalismo / o clericalismo.

À parte a estratégia do comunicador, como salientamos acima, ferramenta necessária para melhor entendimento da mensagem a que se quer passar, mais ainda, instrumento para prender a atenção da audiência, temos também aqui um importante simbolismo. Para aqueles que professam a fé católica são sabedores da força que possuem imagens tripartites: a Santíssima Trindade – para falar da maior de todas – e a constante repetição, em três partes, de palavras importantes durante o rito litúrgico, para enfatizar seu peso. Esta última é uma tradição trazida dos tempos antigos, quando ainda não havia o superlativo e se utilizavam desta repetição justamente para ressaltar a importância de uma determinada idéia.

Francisco assim veio preparado ao Brasil para apresentar seu cartão de visitas. Dois dos inúmeros textos são mais voltados para aspectos estratégicos de condução administrativa da Igreja – Encontro com o Episcopado Brasileiro – págs. 85-108; e Encontro com a Comissão de Coordenação do CELAM (Conselho Episcopal Latino Americano – www.celam.org) – págs. 131-148. Porém, os demais são voltados ao povo, ao rebanho. E pela leitura de suas palavras parece ter atingido seu objetivo. Mas ele ainda terá grandes desafios pela frente. Aqui termino minha análise. Agora vou deixar vocês com algumas das idéias deste que vem se transformando num dos ícones deste nosso início de século:

Força de vontade para superar problemas: “Estendemos a mão a quem vive em dificuldade, a quem caiu na escuridão da dependência, talvez sem saber como, e digamos-lhe: você pode se levantar, pode subir; é exigente, mas é possível se você quiser. Queridos amigos, queria dizer a cada um de vocês (...): você é o protagonista da subida; esta é a condição imprescindível” (pág. 31).

Fé, amor e esperança: “bote fé e a vida terá um sabor novo, a vida terá uma bússola que indica a direção; bote esperança e todos os seus dias serão iluminados e seu horizonte já não será escuro, mas luminoso; bote amor e sua existência será como uma casa construída sobre a rocha, o seu caminho será alegre, porque encontrará muitos amigos que caminham com você” (págs. 54/55).

Solidariedade e Fraternidade: “(...) a solidariedade e a fraternidade são elementos que fazem nossa civilização verdadeiramente humana” (pág. 75).

Alerta aos políticos: “Que a ninguém falte o necessário e que se garanta a todos dignidade, fraternidade e solidariedade: este é o caminho proposto. Já na época do profeta Amós era muito freqüente a admoestação de Deus: ‘Vendem o justo por dinheiro, o pobre, por um par de sandálias. Esmagam a cabeça dos fracos no pó da terra e tornam penosa a vida dos oprimidos’ (Am 2, 6-7). Os gritos que pedem justiça continuam ainda hoje” (pág. 80).

A importância da existência de um Estado Laico: “A convivência pacífica entre as diferentes religiões se vê beneficiada pelo laicismo do Estado, que, sem assumir como própria nenhuma posição confessional, respeita e valoriza a presença da dimensão religiosa na sociedade, favorecendo suas expressões mais concretas” (pág. 82).

Diálogo com o mundo atual: “Faz-nos bem lembrar estas palavras do Concílio Vaticano II: As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e atribulados, são também alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos discípulos de Cristo (cf. GS, 1). Aqui reside o fundamento do diálogo com o mundo atual.

A resposta às questões existenciais do homem de hoje, especialmente das novas gerações, atendendo à sua linguagem, entranha uma mudança fecunda que devemos realizar com a ajuda do Evangelho, do Magistério e da Doutrina Social da Igreja. Os cenários e areópagos são os mais variados. Por exemplo, em uma mesma cidade, existem vários imaginários coletivos que configuram ‘diferentes cidades’. Se continuarmos apenas com os parâmetros da ‘cultura de sempre’, fundamentalmente uma cultura de base rural, o resultado acabará anulando a força do Espírito Santo. Deus está em toda parte: há de saber descobri-lo para poder anunciá-lo no idioma dessa cultura; e cada realidade, cada idioma tem um ritmo diferente” (págs.137-138).


Trabalhar o “hoje”: “O discipulado-missionário que Aparecida propôs às Igrejas da América Latina e do Caribe é o caminho que Deus quer para ‘hoje’. Toda a projeção utópica (para o futuro) ou restauracionista (para o passado) não é do espírito bom. Deus é real e se manifesta no ‘hoje’.” (págs. 142-143).