segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

O Retiro

Uma das práticas mais comuns no meio editorial é encher as contracapas dos livros lançados com frases favoráveis e impactantes advindas dos críticos literários, de modo a asseverar que uma determinada obra obteve a chancela daqueles especialistas. Uma coisa feita com comedimento, mas sendo bem conduzida, pode levar a um efeito positivo de fisgar o leitor indeciso pela compra ao final.

No livro O Retiro (2023 – 399 páginas), de Sarah Pearse, escritora britânica que teve seu primeiro thriller de sucesso na obra chamada O Sanatório (2022), publicada aqui no Brasil igualmente pela Editora Intrínseca, esse artifício foi utilizado. Porém, um detalhe me chamou atenção numa das três citações expostas, mais especificamente aquela extraída do tablóide Sunday Times: “(...) Sarah Pearse faz uma releitura do modelo de Agatha Christie, dando à sua ilha uma referência gótica, com cavernas e boatos sobre uma maldição, mas também um ar de século XXI”.



Colocar uma jovem autora em comparação direta com a Dama do Crime é algo arriscado. Eu li em toda minha vida metade da obra de Agatha Christie (de um total de cerca de 80 livros) e posso dizer que: (1) o nível de mistério proporcionado por Pearse não se aproxima do grau de indefinição que Christie deixa no leitor do início ao fim de suas obras; e (2) me parece estranho afirmar que a lenda britânica dos livros de mistério tivesse “referências góticas”, usando de cavernas, boatos e maldições como ferramentas usuais em suas obras. Nunca percebi isso.


Ao contrário do que foi apontado, Sarah Pearse apresenta uma trajetória linear na construção de sua ficção, não restando dúvidas sobre quem seriam os mocinhos e bandidos de sua estória em O Retiro. A trama gira em torno de dois eixos: um grupo de amigos e parentes decide se reunir num hotel localizado numa ilha ao largo do litoral, local este que foi remodelado para ser relançado como destino turístico depois de ter servido como sede de uma escola na qual adolescentes foram assassinados no passado. O outro são as inseguranças da investigadora Elin Warner, que vem de uma licença por afastamento dado o peso psicológico que carregou a partir de uma investigação complicada de um serial killer.

Para um leitor habituado a tais tipos de obras literárias, fica claro desde o início que o cerne da questão está no grupo de amigos, que de repente se vê envolto em uma nova série de assassinatos enquanto estão no retiro. Não há muito como escapar dessa lógica. Ou seja, a surpresa com o desenrolar da estória é praticamente nenhuma. Ficamos à espera do desenlace, para definir qual deles é o grande vilão.

Para não dizer que a estória é de toda óbvia, existe uma trama paralela que fica escondida sobre as camadas principais, à qual ninguém dá muita atenção. E esta fica restrita a gerar impacto somente nos dois últimos capítulos, aí incluído o epílogo. Ou seja, quando numa das afirmações na orelha do livro é colocado que a estória é cheia de reviravoltas, essa não é a verdade.

A pergunta imediata, diante destes meus comentários é: vale a pena comprar o livro? Eu diria que já vi estórias mais complexas, com enredos mais complicados e de solução rebuscada, que surpreende continuamente, tanto durante a jornada quanto em seu final. Ao se ter o livro de Pearse em mãos, você o lerá até o final até pela curiosidade de saber quem é o principal culpado e sua motivação (aliás, uma análise à parte – achei o motivo fraco). Mas é o tipo de obra que não vale o investimento. É como uma novela das 18h. Prende, mas a gente sabe desde o início como será e quem será o quê naquele universo.

OS.: não li a primeira obra da autora aqui citada, como disse antes, denominada O Sanatório. Mas tudo leva a crer que ela tende a criar um padrão, colocando os locais onde se desenrolam as estórias como uma espécie de personagens centrais para o entendimento da lógica desenvolvi