terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Cada Dia Mais Perto

O ser humano é por natureza um curioso. Este traço característico de nossa espécie é um dos fatores que levaram a nossa evolução, até o domínio das diferentes técnicas que proporcionaram, por sua vez, estarmos, para o bem e para mal, no leme condutor dos rumos de nosso planeta.

Porém, este mesmo traço tem um lado vil, que é quando a curiosidade se presta a mera fofoca. Por outro lado, não seria este – a volúpia pelo comentário sobre a vida alheia – também uma característica indissociável do ser humano? Mesmo aqueles que não a praticam não estariam indo contra sua própria natureza?

Essa introdução um tanto errática está diretamente vinculada a eu não saber como classificar a obra de Irvin Yalom, Cada Dia Mais Perto – Ed. Agir – Rio de Janeiro – 2010 – 296 págs. Yalom é um conhecido psiquiatra norte-americano que criou toda uma bibliografia, entre ficção e não-ficção, em torno dos casos terapêuticos por ele tratados. Como diria meu próprio terapeuta, é uma nova classe literária anteriormente inexistente. Do mesmo autor eu já tinha lido – e comentado – Quando Nietzsche Chorou e O Enigma de Espinosa.

Meu terapeuta – acima já mencionado – propôs como um bom exercício de leitura e compreensão do processo da terapia em si, assim como de tudo que lhe envolve, navegar pelo mundo dos escritos de Yalom. Feita esta proposta adquiri 4 livros distintos de uma vez só, triplicando o número de volumes do referido escritor sob minha posse. Resolvi então lê-los por ordem cronológica de criação e edição original. Desta forma poderia não apenas observar o desenvolvimento do autor enquanto escritor como também de sua filosofia de trabalho.

Esta obra – Cada Dia Mais Perto - foi escrita em conjunto com uma de suas pacientes, apresentadas pelo pseudônimo de Ginny Elkin, e foi primeiramente redigida em 1974, quando Yalom tinha 39 anos. Como proposta de terapia, tendo em vista ela ser uma escritora que sofria de um bloqueio para sua produção literária, pautada nas agonias pregressas que ela própria cultivava em relação à si mesma, “apresentando um comportamento atormentado, autodepreciativo e submisso”, Yalom sugeriu que ambos escrevessem, isoladamente, suas impressões após cada uma das sessões. Passados alguns meses eles trocariam mutuamente seus escritos, de modo a otimizar o auto-conhecimento do processo, buscando algum tipo de avanço. O livro trata, então, da publicação destes escritos, tal qual como foram feitos originalmente.

Yalom confessaria que este processo, além de ser produtivo para a paciente, serviria para que ele próprio alçasse de maneira mais sólida voos literários, testando a si próprio enquanto escritor. Minha curiosidade enquanto leitor foi então aguçada por diferentes canais: o que pretendia meu terapeuta? Eu perceberia uma melhora em minhas atitudes a partir da experiência que seria exposta no livro? O livro em si, enquanto obra literária, é bom ou ruim? E como se deu tal experiência? Foi proveitosa para ambas as partes: o terapeuta e a paciente? E como cada um se manifestou e desenvolveu sua escrita?

Portanto, nesta crítica que a partir de agora faço neste post, algumas das perguntas permanecerão para os demais livros. Outras irão se ater a cada uma das obras. A pretensão do meu trabalho terapêutico – e digo meu, pois se tem uma coisa que aprendi é que esse é um processo conjunto, de construção de um relacionamento mútuo de confiança – seria aproveitar um instrumento – livros – ao qual tenho muito apreço, otimizado pelo fato do autor ser de boa lavra, para que eu aumentasse meu auto-conhecimento. De cara a primeira lição que absorvi foi a humanização do terapeuta. Todo paciente tem pelo seu especialista um sentimento de endeusamento. Ou pelo menos uma expectativa de que ele será o vetor de todas as soluções de sua vida. Porém, essa atitude acaba se revelando falha para o processo, pois não enxergamos o ser humano que está ali para nos escutar, absorver as informações, degluti-las e nos devolvê-las num formato, digamos, mais inteligível, no sentido de que a partir do momento em que as apreendemos por um outro olhar, poderemos trabalhar melhor nossa reação às mesmas. Isto pode ser considerado uma melhora, acredito. Com isso estariam respondidas as duas primeiras perguntas. Mas ainda acredito que existe um algo mais nas obras de Yalom. Isso ficará mais claro nos demais posts.

Em relação a Cada Dia Mais Perto ser uma boa obra literária, eu, que já tinha lido outros dois livros anteriormente, posso lhes dizer que deixa a desejar, apesar de prender a atenção – mais pela curiosidade por mim acima explanada do que pela qualidade em si. Entre os dois textos majoritariamente presentes (acaba por surgir um terceiro autor na “trama”), considerei o de Yalom mais consistente e atrativo. O de Ginny era mais complexo, confuso, não tinha uma linearidade que por vezes complicava sua compreensão. Uma diferença percebida por ambos foi o modo como tratavam o seu interlocutor em seus escritos. Enquanto Yalom usava a 3ª pessoa, Ginny, a paciente, parecia querer tecer uma segunda sessão, um segundo diálogo, com o terapeuta, chamando-o por “você”. Abaixo transcreverei dois trechos de início dos respectivos relatos, para que possam perceber a diferença de estilo:

Yalom

09 de Outubro

Ginny veio hoje, o que significa, no seu caso, que está em relativa
boa forma. Suas roupas não têm remendos, seus cabelos provavelmente foram escovados, seu rosto parece menos decomposto e bem mais distinto. Com certo embaraço, ela descreveu com minha sugestão de pagasse pelas sessões com relatórios escritos em vez de dinheiro dera-lhe um novo impulso na vida. Inicialmente tinha ficado orgulhosa, mas em seguida conseguiu reduzir seu otimismo, fazendo piadas sarcásticas sobre si mesma para outras pessoas. (pág. 27/)

Ginny

09 de Outubro

Deve haver um meio de falar sobre essas sessões que não seja repetindo exatamente o que aconteceu e mesmerizando a mim mesma e a você. Eu tinha criado expectativas, mas me concentrei principalmente na ideia de mudança de horário. Comecei e acabei a sessão com este pensamento ocupando a minha mente. Com inquietação, e não sentimento. (pág. 29)

Percebe-se um contraponto entre objetividade por parte do terapeuta, na busca por caminhos, pistas, que indicassem um indicativo de um campo a ser trabalhado em busca da “cura”; enquanto a paciente, Ginny, trabalha mais a subjetividade, o sentimento inserido no relacionamento entre os dois. É importante ressaltar que não existe um certo ou errado na comparação entre os dois estilos. É apenas como ambos expressam o modo de atingir o mesmo objetivo, a aproximação de visões que propiciaria a alta. O título do livro já remete a esta meta – Cada Dia Mais Perto – inspirada numa música de Buddy Holly (Everyday – letras abaixo), sugerido pela Ginny. Yalom preferia A Twice-Told Therapy, mais uma vez demonstrando a diferença de visões. A abordagem poética da paciente acabou por prevalecer.

Enfim, teria sido alcançado o intento proposto por Yalom para ambos? Aí, somente lendo para que saibam. Importante ressaltar que existem posfácios escritos pelos dois, em separado, outra isca para a curiosidade humana. Para os leitores já conhecedores da obra de Yalom fica a impressão que ele estava realmente numa fase prematura da escrita, que veio a melhorar posteriormente. Para Ginny, a vida seguiu, como deve ser, com ganhos e perdas.

Everyday, it's a gettin' closer,
Goin' faster than a roller coaster,
Love like yours will surely come my way, (hey, hey, hey)
Everyday, it's a gettin' faster,
Everyone says go ahead and ask her,
Love like yours will surely come my way, (hey, hey, hey)
Everyday seems a little longer,
Every way, love's a little stronger,
Come what may, do you ever long for
True love from me?
Everyday, it's a gettin' closer,
Goin' faster than a roller coaster,
Love like yours will surely come my way, (hey, hey, hey)
Everyday seems a little longer,
Every way, love's a little stronger,
Come what may, do you ever long for
True love from me?


quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

PROPRIEDADE INTELECTUAL E RELAÇÕES INTERNACIONAIS NOS GOVERNOS FHC E LULA

Obras baseadas em dissertações de Mestrado, teses de Doutorado, ou seja, quaisquer produtos acadêmicos correm sempre o risco de ser um regalo para um determinado nicho objetivado, porém algo considerado como uma black box para os não iniciados. E, portanto, de difícil absorção pelo público em geral. Trata-se de algo natural, dado que os trabalhos acadêmicos têm que obedecer a uma determinada rigidez, pois seu fim prático primeiro é o de ser a demonstração pelo autor do conhecimento absorvido e da geração de sua contribuição para o mundo científico ao qual ele se propôs ser um dos membros.

O livro o qual será objeto de nossa análise neste post sofre de tal característica, o que não retira em nada sua importância para a meta a que se propôs. Trata-se da obra de autoria de Carlos Maurício Ardissone, intitulada Propriedade Intelectual e Relações Internacionais nos Governos FHC e Lula – os rumos das negociações globais e das políticas públicas – Ed. Appris – Curitiba, PR – 2014 – 325 págs.. Como dito anteriormente, ela entrega o que se propõe. Porém seria tal entrega suficiente para almejar voos mais altos? A depender da altura ambicionada, alguns ajustes deverão ser realizados.

Ardissone inicia sua obra, que tem como base sua tese de Doutorado apresentada perante a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) com uma ampla explanação sobre a base teórica em que está assentada. O Capítulo 1 – Aspectos Teóricos: ideias, instituições e lideranças na formulação de políticas públicas – ocupa pouco mais de 1/3 do livro. Temos a exata noção de que esta porta de entrada é absolutamente necessária para o meio acadêmico, dado que se traduz para uma banca examinadora que o candidato a Doutor possui todas as ferramentas para analisar seu objeto de estudo. Um exemplo de tal discurso:

Por conta disso, a literatura desenvolveu e sofisticou cada vez mais abordagens para tratar dos elementos cognitivos que incidem sobre a formulação de políticas. Conceitos diversos foram formulados – como os de “imagens”, “mapas cognitivos”, “sistema de crenças”, “códigos operacionais” e “lições do passado” – todos com a preocupação central de compreender a “brecha” existente entre a realidade, supostamente “objetiva”, do ambiente operacional e a representação “subjetiva” na mente do tomador de decisão. A esse conjunto de abordagens, a literatura costuma se referir como abordagem cognitiva das Relações Internacionais (DE MELLO E SILVA, op. Cit., p. 143). Veja-se, pois, como, a partir da crítica cognitiva ao modelo do ator racional, o conceito de “ideia” impregnou-se na Análise de Política Externa.
(pág. 42).

Mas, o leitor, quando atraído na estante da livraria, se remete imediatamente ao tema proposto no título do livro – Propriedade Intelectual e Relações Internacionais nos Governos FHC e Lula. A colocação dos nomes de Presidentes de tal envergadura histórica na capa traz em seu bojo a geração de uma grande expectativa pelo adquirente da obra. E tal somente vem a ser abordada após ultrapassar, ainda que necessário, o 2º capítulo – O regime internacional de Propriedade Intelectual do Acordo TRIPs: um chute na escada do desenvolvimento. Assim sendo, chegamos à metade do livro com o leitor ávido por entrar no tema proposto no título! De todo modo, este segundo capítulo não pode ser ignorado, uma vez que ele apresenta o cenário internacional em que as diretrizes da Política Externa Brasileira serão inseridas a partir dos capítulos 3 e 4. Como, por exemplo, quando ele cita os limites do alcance que a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), agência especializada das Nações Unidas, apresentou em determinado momento histórico para os interesses dos países desenvolvidos, o que motivou a guinada dos debates sobre a estrutura jurídica internacional sobre os Direitos de Propriedade Intelectual em direção à Organização Mundial do Comércio (OMC), via o acordo TRIPs – Acordo sobre os Direitos de Propriedade Intelectual ligados ao Comércio, um dos constitutivos daquela organização:

Um dos obstáculos para os Estados Unidos atingirem seus objetivos era a percepção de não ser possível reformar o regime internacional de propriedade intelectual por intermédio da OMPI, uma vez que, nesta organização, os Estados Unidos só possuíam um voto e era bastante provável ser sobrepujado pelos países em desenvolvimento.
Pág. 131

O que eu quero dizer com isso tudo: Ardissone se apresenta como um autor essencial para quem busca se aprofundar no estudo dos dois períodos por ele indicados – Governos FHC e Lula – na seara proposta – políticas de Propriedade Intelectual e sua influência nas Relações Internacionais. Seu estudo tem uma base teórica sólida, alcança detalhes que demonstram que a pesquisa foi valorosa em termos quantitativos e qualitativos ao se observar os dados coletados. As conclusões que expõe demonstra a busca pelo equilíbrio do pesquisador, em ser isento, mesmo diante de paradoxos em relação às suas possíveis crenças pessoais – no texto não se percebe, de maneira clara, qual é o viés político do autor, o que não deixa de ser uma qualidade num texto acadêmico, voltado mais ao debate das ideias e conceitos:

Na formulação da política externa, o processo de aprendizado social em que a diplomacia brasileira viu-se envolvida contribuiu para o governo brasileiro dar continuidade e aprimorar algumas políticas do Governo Fernando Henrique Cardoso, como se verificou na questão da licença compulsória do Efavirenz, em 2007. As experiências acumuladas nos contenciosos na OMC favoreceram também estratégias mais ofensivas, como no caso da retaliação cruzada, em 2010. Mas elementos importantes de mudança também podem ser identificados na postura mais afirmativa e contestadora das regras do regime internacional de propriedade intelectual durante o Governo Luiz Inácio Lula da Silva. A “Agenda para o Desenvolvimento” reflete este novo padrão de inserção.
Pág. 300

Por fim, caso o autor almeje que a obra alcance um público mais vasto (ou seria melhor dizer, popular!?), terá que repensar uma nova edição na qual principalmente o primeiro capítulo seria ou suavizado ao até mesmo suprimido, de modo a poupar os leitores não-iniciados de um texto por demais filosófico. Eles querem ver sangue, as entranhas motivadoras das decisões! Ardissone nos brinda com cultura sobre Relações Internacionais com maestria, mas isto aos olhos de um leitor menos afeito a matéria soa como um longo discurso antes de um jantar tão ansiado.

Citações e Glossário

DE MELLO E SILVA, Alexandra (1998) – Ideias e Política Externa: a atuação brasileira na Liga das Nações e na ONU – In: Revista Brasileira de Política Internacional – 41(2) – págs. 139-158

Caso Efavirenz – “A recente decisão do governo brasileiro de aplicar licença compulsória ao Efavirenz respeita as regras nacionais e internacionais, inclusive o Acordo sobre Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs, sigla em inglês) da OMC. A medida é histórica e inédita na América Latina, embora já tenha ocorrido em outros países como Canadá, Tailândia e Itália, inclusive em relação a medicamentos da própria Merck10. A decisão do governo foi o desfecho de uma longa negociação com o laboratório e foi tomada com responsabilidade, sem desrespeito às legislações nacionais e internacionais em vigor. Foram vários os fatores que influenciaram a decisão do Poder Executivo de emitir a licença compulsória do Efavirenz: a inflexibilidade do laboratório em rever seus preços para o mercado brasileiro; o desgaste da licença compulsória como instrumento de pressão (fato que restou evidente ao observar-se as negociações de 2005); e a pressão da sociedade civil brasileira, sobretudo de grupos ligados à saúde e aos direitos humanos”.

Retaliação Cruzada - Diante do descumprimento da decisão do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) por parte dos Estados Unidos da América (EUA) no caso do algodão, este órgão da Organização Mundial do Comércio (OMC) autorizou a aplicação da retaliação cruzada pelo Brasil. Nesse sentido, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) abriu recentemente consulta pública sobre as medidas que o Brasil poderá tomar na área de propriedade intelectual. Esse quadro representa um teste para a OMC, que pode ver sua legitimidade ameaçada caso os EUA ignorem suas regras e incentivos para o cumprimento destas. A retaliação cruzada pode – e deve ser feita quando se estabelece que a suspensão de concessões no mesmo setor não será eficaz ou quando for mais prejudicial ao país autorizado a estabelecer tais normas. Se o aumento do imposto de importação de alguns bens oriundos dos EUA for mais desfavorável do que positivo para o Brasil, este país tem o direito de suspender concessões e obrigações no setor de propriedade intelectual, isto é, deixar de pagar por direitos de patentes e direitos autorais. Fonte: http://www.ictsd.org/bridges-news/pontes/news/riscos-e-oportunidades-na-retalia%C3%A7%C3%A3o-cruzada-em-propriedade-intelectual – de 21 de Abril de 2010.

Agenda para o Desenvolvimento - A Agenda de Desenvolvimento, proposta por Argentina e Brasil em 2004, visa a tornar o desenvolvimento elemento crucial em todas as negociações levadas a cabo na OMPI e na determinação de políticas de proteção à propriedade intelectual em geral. De acordo com o Grupo de Amigos do Desenvolvimento (GAD) - Argentina, Bolívia, Brasil, Cuba, Equador, Egito, República Islâmica do Irã, Quênia, Peru, Serra Leoa, África do Sul, Tanzânia, Uruguai, Venezuela e República Dominicana, a OMPI, enquanto agência da Organização das Nações Unidas (ONU) deveria pautar-se, completamente, pelos amplos objetivos de desenvolvimento que a ONU fixou para si mesma, em particular, pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, e levar em conta todas as disposições pró-desenvolvimento do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs, sigla em inglês) e subseqüentes decisões do Conselho do TRIPs, como a Declaração de Doha sobre TRIPs e Saúde Pública de 2001. Argentina e Brasil tomaram a iniciativa de lançar a Agenda de Desenvolvimento em 2004, e a proposta foi, rapidamente, apoiada por 13 países em desenvolvimento (PEDs).


quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Guia Politicamente Incorreto da América Latina

O que um guia se propõe? Orientar seu usuário rumo ao caminho correto. Este caminho pode ser simplesmente o destino geográfico de uma determinada viagem. Mas também pode ser a formação de corações e mentes sobre um determinado tema.

A série de Guias Politicamente Incorretos, que versa sobre diversos temas, tem como mote central descontruir “guias” intelectuais introjectados pelos leitores com o passar do(s) tempo(s). Ou seja, seria uma quebra de paradigmas.

Este ato de “quebrar paradigmas” pressupõe que aqueles que o propõem possuem uma visão distinta do status quo. Ou seja, eles representam uma facção rebelde em relação ao pensamento vigente. Esta ação leva, obviamente, a uma contrarreação dos pensadores – ou do grupo que os representa – no sentido de não verem seu quinhão tão duramente conquistado com o passar dos anos abalado por teses diversionistas.

Toda essa balela acima, a meu ver, cai por terra se todos adotassem uma prática muito simples: o leitor voraz, assíduo, aquele que o que lhe cai à mão já vai dando uma olhada, desde bula de remédio até os diários de um ex-Presidente da República, tem que ter em seu coração a seguinte máxima – o escritor é um ser humano como outro qualquer, com ideias e desejos. Portanto, ele os expõe, mesmo que subliminarmente, em quaisquer textos que venha a propor ao leitor. Cabe ao leitor, portanto, ciente de tal fato, dar o devido desconto e ter um juízo crítico sobre tudo que lhe chega.

A obra a qual vamos analisar – Guia Politicamente Incorreto da América Latina – Leandro Narloch e Duda Teixeira – Editora Leya – 2011 – 336 páginas – cai justamente neste conjunto – desconstrutivistas, mas há que se observar, como eles próprios indicam logo no início – ver citação abaixo - que têm uma visão particular sobre o tema. A desconstrução feita pelos dois autores dos mitos latino-americanos é sólida. Ambos jornalistas, ambos com passagem pela Revista Veja*, ambos com trabalhos de pesquisa jornalística sobre o tema em questão (Narloch como editor da revista Aventuras na História e Teixeira com um amplo trabalho investigativo na região), ambos seres humanos.

O que eu quero dizer com isto? Os que militam por suas teses, e que sempre almejaram a desconstrução dos mitos por eles evocados – Che Guevara, Povos Andinos da Antiguidade (Astecas, Incas, Maias), Simón Bolívar, a história do Haiti e seus senhores negros, Perón e Evita, Pancho Villa e Salvador Allende – se regozijarão com a qualidade e a quantidade do material levantado. Bibliografia vasta e argumentos contundentes contrários à imagem cultivada em torno de cada uma dessas figuras. O recado é claro e bem dado. Quem não for partidário de tais teses, que pelo menos leia o livro para ter acesso aos argumentos contrários para o qual irá se bater. Com a palavra os autores. Depois lhes darei pequenas pílulas que eles apresentaram em sua obra:


Não nos sentimos representados por guerrilheiros ou por indignados líderes andinos e suas roupas coloridas. Não há aqui destaque para veias abertas do continente, mas para feridas devidamente  tratadas e curadas com a ajuda de grandes potências. Conhecemos bem as tragédias que nossos antepassados índios e negros sofreram, mas, honestamente, estamos cansados de falar sobre elas. E acreditamos que todos os povos passaram por desgraças semelhantes, inclusive aqueles que muitos de nós adoramos acusar. Por isso, quando vítimas da história aparecerem nesta obra, é para revelarmos que elas também mataram e escravizaram – e como elas se beneficiaram com ideias e costumes vindos de fora. (...) Não importam as tragédias que Salvador Allende, Che Guevara e Juan Perón tenham tornado possíveis. Importantes são o carisma, o rosto fotogênico, a morte trágica, os discursos inflamados contra estrangeiros. Por isso, não há como escapar: é ele, o falso herói latino-americano, o principal alvo deste livro.
Páginas 19-20.

Pílulas

Che defendeu a prisão de roqueiros e trabalhadores preguiçosos.

Ninguém matou tantos por nada quanto os astecas.

Pancho Villa foi um latifundiário cruel.

Allende perseguiu a imprensa chilena e aliou-se a terroristas cubanos.

Narloch em debate em Recife, por ocasião
da FLIPorto (2011)
com o escritor e biógrafo, dito de esquerda,
Fernando Morais.
Fonte: Diário de Pernambuco**
Milhares de índios festejaram a vitória dos espanhóis sobre os incas.

Simon Bolívar queira evitar que pobres e negros assumissem o governo.

Os revolucionários negros do Haiti se tornaram reis. Escravistas.

Perón admirava os nazistas – e meninas de 13 anos.

Para fechar, gostaria de ressaltar um trecho colocado ainda no capítulo inicial sobre Che Guevara. Trata-se do discurso do economista austríaco Ludwig von Mises, numa de suas conferências no fim de 1958, em Buenos Aires, de como algo que deveria ser seguido no tratamento das ideias, quaisquer que sejam elas, contrário ao que foi aparentemente proposto pelo revolucionário argentino, e que para mim é o maior e mais belo recado do livro:

Ludwig von Mises
Liberdade significa realmente liberdade de errar. Podemos ser extremamente críticos com relação ao modo como nossos concidadãos gastam seu dinheiro e vivem sua vida. Podemos considerar o que fazem absolutamente insensato e mau. Numa sociedade livre, todos têm, no entanto, as mais diversas maneiras de manifestar suas opiniões sobre como seus concidadãos deveriam mudar seu modo de vida: eles podem escrever livros; escrever artigos; fazer conferências. Podem até fazer pregações nas esquinas, se quiserem – e faz-se isso, em muitos países. Mas ninguém deve tentar policiar os outros no intuito de impedi-los de fazer determinadas coisas simplesmente porque não se quer que as pessoas tenham a liberdade de fazê-las.
Pág. 72.


* Nas palavras de Claudio de Moura Castro, colunista da supracitada revista, ao comentar sobre os leitores que o abordam contrário às ideias que expõe: “Não querem se conspurcar em uma revista de direita?” – Veja, 18 de Novembro de 2015 – edição 2452, ano 48 – nº 46 – pág. 18.

** Para mais detalhes sobre este debate ver http://www.old.diariodepernambuco.com.br/nota.asp?materia=20111114133503 . Uma pequena amostra: "Narloch chegou a ser vaiado pela plateia ao citar uma frase atribuída a Nelson Rodrigues ("socialistas com mais de 40 anos de idade não têm cérebro"). Morais também foi repreendido pelo público ao acender um charuto em ambiente fechado. Ao se defender, lembrou que a Fliporto é patrocinada pela Sousa Cruz. Os dois entraram em confronto de ideias o tempo inteiro. Enquanto Leandro afirmava qua o capitalismo é a melhor coisa para os pobres, Fernando mencionava as favelas que acabara de ver embaixo das pontes do Recife e questionava: "Pergunte aos moradores daquelas casas se o capitalismo é bom para eles."

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O Retorno do Rei

- Não tenha medo – disse Aragorn. – Cheguei a tempo, e chamei-o de volta. Agora está cansado, e triste, além de ter sofrido um ferimento como o da Senhora Éowyn, quando ousou atacar aquela criatura mortal. Mas esses males podem ser reparados, num espírito tão forte e alegre como o dele. Não poderá se esquecer de sua tristeza, porém esse sentimento não vai escurecer o coração dele, mas trazer-lhe sabedoria. (página 184)

Sempre existirá a perspectiva de uma volta por cima para aqueles que lutam para o lado do bem. Este é o gancho central de O Retorno do Rei, o livro que fecha a trilogia que vem sendo por nós aqui analisada, a tão famosa O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien. Como toda obra que se propõe um desfecho para uma longa estória, esta sinaliza para o enfrentamento final dos grandes dilemas levantados durante seu transcurso. Triunfará o bem sobre o mal? Sabemos que sim – OK, existem obras literárias que terminam de forma ambígua neste aspecto, mas nunca me pareceu aqui o caso – porém que dissabores os protagonistas terão que passar para alcançar o triunfo? Alguém perecerá em meio ao caminho percorrido? Qual o preço a ser pago?

Estas são as principais aflições que atingem os leitores. De resto, batalhas, poemas, um breve espaço para uma ilação romântica, e temos então o fechamento dessa epopeia de longo curso tramada pelo escritor britânico. No entanto, me permito a expor algumas críticas a partir de uma pergunta-chave:

Valeu a pena a leitura de uma obra de tão longo curso, dado sua adaptação cinematográfica?

Tenho por princípio achar que sempre vale a pena ler o original antes de buscar a película adaptada (1). Por motivos simples, muitas vezes por mim explanados: o livro é uma experiência muito mais rica que o filme, pois nele projetamos nosso imaginário em meio às palavras e aos cenários construídos pelo escritor. Nossos anseios, nossas inquietações, aparecem sob a forma dos personagens, protagonistas e antagonistas, mesclados com a gênese da bravura e do destemor de enfrentar os perigos que a vida ali retratada se apresenta. Na verdade somos os heróis de nossas próprias histórias.

Nesse caso específico se acentuou esta minha visão. Vi apenas o primeiro filme da trilogia, e sua adaptação se revelou tremendamente falhar em diversos aspectos, alterando diálogos, introduzindo personagens inexistentes em determinado momento, etc. Porém, acredito que a obra poderia ser de menor porte – ou volume, como queiram – preservando ainda assim muito de seu valor enquanto narrativa.

Já coloquei minha inquietude, em post anterior, quanto ao uso contínuo de poemas em meio a narrativa, dada a peculiaridade de que os personagens tinham por hábito recitar canções pelos mais diversos motivos – melancolia com tempos passados, exaltação da batalha presente, esperança quanto aos rumos futuros, entre outros. Tal ferramenta acabava por ocupar um espaço demasiado grande e quebrando a dinâmica de desenvolvimento da estória em si.

Além disso, neste último volume, Tolkien, como bom acadêmico, nos brinda com nada mais nada menos do que 6 apêndices – das letras A a F, indo da página 417 a 565 – versando sobre aspectos técnicos da construção dos idiomas criados pelo próprio autor para serem símbolos de cada um dos povos ali representados. Obviamente que para um linguista como Tolkien esta deve ter sido uma parte deveras importante de seu trabalho, de modo a demonstrar sua capacidade de domínio da área pela qual militava. Porém, para o leitor, acaba sendo um desperdício de tempo. Enfim, confesso que pulei alguns dos apêndices (2).

Sam, por Sean Austin - para quem não
se lembra, um dos Goonies
De todo modo, sem querer parecer contraditório, alguns destes mesmos apêndices se demonstraram interessantes dado que esclarecem o passado e o futuro dos principais personagens. Aliás, a este respeito, devo lhes dizer que para mim, em que pese Frodo ser o mais conhecido – papel que alavancou a carreira do ator Elijah Wood – tenho a impressão que na obra escrita, pelo menos, o principal deles é o seu fiel escudeiro, Sam Gamge, o Jardineiro, interpretado nas telas por Sean Astin. O que não deixa de ser uma bela sacada de Sir Tolkien, caso seja verdade, esconder o protagonismo do personagem dito coadjuvante.

(1)               Existem exceções, como a quadrilogia sueca Millenium, cujos 3 primeiros livros são de autoria de Stieg Larsson. A primeira estória - “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” - eu vi antes em formato de filme. Pior, adaptada do original sueco para versão americana! Shame on me! Mas eu adorei!!! Tanto que comprei os outros 3 livros.

(2)               Os ditos apêndices estão assim divididos:

A – Anais dos Reis e Governantes – 417 a 487. As últimas 40 páginas são interessantes, relatando, como disse acima, passado e presente dos principais personagens;
B – O Conto dos Anos – 488 a 512 - discorre, de maneira resumida, cronológica, os principais acontecimentos das 3 eras – ao final da trilogia, se inicia a 4ª era;
C – Árvores Genealógicas – 513 a 517 – dados sobre a geração das famílias dos principais personagens;
D – Calendário do Condado – 518 a 528 – como se podem contar os dias na Terra Média e entre os seus diversos povos. Facilmente pulável – como o fiz;
E – Escrita e Ortografia – 529 a 547 – como se constituíram os diversos idiomas presentes na obra, contando inclusive com tabelas para os alfabetos e números. Igualmente pulável, a não ser que você seja um nerd hard;
F – As Línguas e os Povos da Terceira Era – 549 a 565 – se o apêndice anterior lidava com a escrita, este lida com a fonética dos idiomas criados. Extremamente pulável!!!!

Perdão pelos neologismos. Deve ser influência de Tolkien! É bem provável que os apêndices, em especial os 3 primeiros, sejam melhor aproveitados pelos fãs de do autor que leram O Hobbit e Silmarillion, tal os vínculos destas estórias com a que foi descrita em O Senhor dos Anéis. Ah, e respondendo a pergunta, livros sempre valem a pena, ainda mais os clássicos. Agora estou apto a criticar os filmes. Até a próxima aventura!

OBS – e olha que eu esqueci de dizer que ainda tem os mapas!!!

Obras citadas:
 
Silmarillion - O Silmarillion, relata acontecimentos de uma época muito anterior ao final da Terceira Era, quando ocorreram os grandes eventos narrados em O Senhor dos Anéis. São lendas derivadas de um passado remoto, ligadas às Silmarils, três gemas perfeitas criadas por Fëanor, o mais talentoso dos elfos. Tolkien trabalhou nesses textos ao longo de toda a sua vida, tornando-os veículo e registro de suas reflexões mais profundas.

O Hobbit - Bilbo Bolseiro é um hobbit que leva uma vida confortável e sem ambições. Mas seu contentamento é perturbado quando Gandalf, o mago, e uma companhia de anões batem à sua porta e levam-no para uma expedição. Eles têm um plano para roubar o tesouro guardado por Smaug, o Magnífico, um grande e perigoso dragão. Bilbo reluta muito em participar da aventura, mas acaba surpreendendo até a si mesmo com sua esperteza e sua habilidade como ladrão!

Millenium – vem da Suécia uma das mais bem sucedidas séries dos últimos anos: a trilogia Millenium, de Stieg Larsson, jornalista e ativista político muito respeitado em seu país. Além de receberem críticas entusiasmadas, (...) alcançaram o topo de vendas em diversos países (...). Um dos segredos de tanto sucesso é a forma original com que Larsson engendra a trama, conduzindo-a por variados aspectos da vida contemporânea: do universo muitas vezes corrupto do mercado financeiro à invasão de privacidade, da violência sexual contras as mulheres aos movimentos neofacistas e ao abuso de poder de modo geral (a). Larsson veio a falecer pouco depois de entregar os originais dos 3 primeiros livros. Um quarto livro foi lançado recentemente, escrito por outro autor – A Garota na Teia de Aranha – por David Lagercrantz, numa tentativa de seguir com sucesso. A conferir.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

As Duas Torres

Respeitando o anseio de um dos meus (poucos) assíduos leitores, fiz um trabalho de investigação – nada que dois cliques no buscador na internet não resolvam – sobre a vida de Sir John Ronald Reuel Tolkien. Encontrei alguns fatos significativos que trazem luz sobre as possíveis influências sobre suas obras, em especial a trilogia Senhor dos Anéis, a qual está, neste post, em análise sobre o segundo livro – As Duas Torres – Ed. Martins Fontes – São Paulo – 2002 – 502 págs.

·         Tolkien foi um renomado linguista, sendo especialista em Inglês e Linguagem Nórdica antiga;
·         O Senhor dos Anéis, e em especial a partir do segundo livro – As Duas Torres, aqui mencionado e dissecado – recebeu sim influência da guerra, mas da I Guerra Mundial, da qual Tolkien participou como soldado:

J. R. R. Tolkien lutou na Primeira Guerra Mundial em uma das batalhas mais intensas e agressivas desse período, conhecida como Batalha de Somme. Muitas das privações que Frodo e Sam passaram no caminho até Mordor refletem um pouco dos horrores que Tolkien viveu nos confrontos reais nas trincheiras. Vários de seus amigos morreram na época ao seu lado, o que fez com que essas tragédias inspirassem algumas das coisas que vemos em "O Senhor dos Anéis", "O Hobbit" e "O Silmarillion".

·         Sua especialidade em línguas o auxiliou a criar as linguagens utilizadas em seus livros, voltado para o uso dos povos da chamada Terra Média:

(...) ele manteve seu cérebro exercitado ao desenvolver suas próprias línguas que utilizou nas obras (como os idiomas élficos que possuem suas próprias vertentes, o Quenya e o Sindarin). Inclusive, Tolkien escreveu poemas e músicas nessas línguas fictícias, como modo de agregar aspectos culturais a elas. Fonte: idem.

A Terra Média criada por Tolkien
Aliás, devo dizer que particularmente não gosto destes poemas inseridos em meio à narrativa. Ok, de modo geral sou refratário a musicais e que tais, daí talvez a minha insatisfação com tal estratagema. Porém, em termos de dar fluidez para a narrativa, realmente acho que eles não contribuem muito. Parecem um intervalo não pedido. Talvez, por isso, não surjam nos filmes baseados na obra de Tolkien. Aliás, de acordo ainda com este site que consultei “(...) recusou várias propostas para adaptar os livros e seus escritos no início – principalmente porque ele achou que essas adaptações não capturavam o escopo épico e nobre das histórias. É no mínimo curioso imaginar o que Tolkien acharia dos filmes dirigidos por Peter Jackson hoje...”.

Outro aspecto interessante é que um dos trechos relevantes nesse segundo livro – quando Frodo e Sam enfrentam uma mega-aranha, denominada Laracna - teria sido inspirado em uma experiência de infância, quando ele foi picado por um enorme aracnídeo na jardim de sua casa. Voltando ainda ao tema de domínio de idiomas, pode-se perceber como este aspecto era relevante para o autor britânico até mesmo para a conceito geral de suas obras:

Sam encarando Laracna


Enquanto desenvolvia O Senhor dos Anéis, se aprofundou ainda mais na sua paixão pelos idiomas. Logo cedo se tornou um grande conhecedor de grego e latim, e espanhol, posteriormente. Depois veio o italiano e o francês, que ele não gostava nem um pouco. Além do inglês, ele conhecia cerca de dezesseis outros idiomas (além daqueles criados por ele mesmo): grego antigo, latim, gótico, islandês antigo, sueco, norueguês, dinamarquês, anglo-saxão, médio inglês, alemão, neerlandês, francês, espanhol, italiano, galês. Mas a língua que mais o encantou foi mesmo o finlandês, e usou sua gramática, junto com a galesa, como base para as línguas que mais tarde apareceriam em seus livros, muitos nomes relatados nos seus livros foram tirados do idioma islandês, como Gandalf, por exemplo. Foi baseado nestas línguas que Tolkien começou a desenvolver seu mundo. Para ele, primeiro vinha a palavra, depois a história. Ele criou um mundo onde suas línguas pudessem ser aprendidas e faladas, e também criou diversas lendas e contos para rodeá-las, que serviriam para perpetuar as línguas que ele criara. (grifo nosso)

Por último, antes de partirmos para a análise do segundo livro propriamente dita, vimos com satisfação que nossa percepção de que Tolkien havia influenciado diversas obras que vieram posteriormente confirmadas pelo site indicado acima. Eles citam, dentre os livros dados como exemplo, a série Duna, de Frank Herbert, já por nós antecipados no post anterior. Além de Duna são mencionados “a fantasia de A Cor da Magia (de Terry Pratchett). Além dos recentes Ciclo da Herança (de Christopher Paolini) e Artemis Fowl (de Eoin Colfer), entre tantos outros”*. Confesso que destes só ouvi falar do último – Artemis Fowl.

Em relação ao segundo livro da trilogia Senhor dos Anéis – As Duas Torres – em agradou mais do que o primeiro – A Sociedade do Anel. A utilização de muitas cenas de batalha remetem diretamente aos melhores filmes do gênero capa e espada produzidos. De todo modo, o tom crescente, preparatório para a grande batalha entre as forças do bem e do mal – auge da trilogia que somente será alcançado no terceiro livro, O Retorno do Rei – é o tom presente.

A sociedade do anel, separada, é apresentada pela trajetória isolada de cada um dos seus membros, visando o seu reencontro somente ao final. Nesse sentido se entende o fato desta série ter se tornado um best seller que atravessa décadas. Sir Tolkien soube, ultrapassado o livro introdutório, criar um enredo que vai num típico crescente, prendendo a atenção do leitor à medida que as batalhas são travadas e os ganhos são obtidos a cada pequena vitória. Talvez o acadêmico professor tenha pautado sua narrativa seguindo justamente a lógica universitária – exposição de considerações para desenvolvimento dos argumentos. Resta-me saber se ele entrega o que promete. Assim que tiver terminado a leitura do terceiro livro darei conhecimento a vocês.

OBS.: Ainda não vi o segundo filme, por isso não sei dizer se estaria colocando uma leviandade. Minha esposa em particular já demonstrou seu desgosto quanto ao desenvolvimento da primeira película e não se mostra propensa a continuar assistindo os filmes tal a possibilidade de cenas mais sanguinárias. Enfrentarei com desvelo essa tarefa, apoiado pela minha filha.

*Obras citadas:

A Cor da Magia – Terry Pratchett - A Cor da Magia é o primeiro livro da cultuada série Discworld. A história relata as aventuras do mago Rincewind e do estranho turista Duasflor, tudo com muito bom humor. Nessa aventura, os personagens praticamente fazem um tour pelo disco, o que os leva a encontrar um grande herói, um terrível demônio e dragões, além de se aproximarem perigosamente da borda do mundo. Fonte: http://lelivros.pink/book/download-a-cor-da-magia-discworld-vol-1-terry-pratchett-em-epub-mobi-e-pdf/#forward

Ciclo da Herança – Christopher Paolini - Eragon é uma história repleta de ação, vilões e locais fantásticos, com dragões e elfos, cavaleiros, luta de espada, inesperadas revelações e uma linda donzela. Inspirado em J.R.R. Tolkien, que criou idiomas para os diálogos de seus personagens, Paolini utiliza o norueguês medieval para a linguagem dos elfos e inventa expressões específicas para os anões e os urgals, de modo a dar veracidade ao lendário reino de Alagaësia, onde a guerra está prestes a começar. O protagonista é um jovem de 15 anos que, ao encontrar na floresta uma pedra azul polida, se vê da noite para o dia no meio de uma disputa pelo poder do Império, na qual ele é a peça principal. A vida de Eragon muda radicalmente ao descobrir que a pedra azul é, na realidade, um ovo de dragão. Quando a pedra se rompe e dela nasce Saphira, Eragon é forçado a se converter em herói. Fonte: http://www.sobrelivros.com.br/info-ciclo-a-heranca-christopher-paolini/

                                        Artemis Fowl – Eoin Colfer - Esta é a história de um garoto diferente, Artemis - um anti-herói mal-humorado e pessimista que, com apenas 12 anos, é um gênio do crime. Artemis é o único  herdeiro do clã Fowl, uma lendária família de personagens do submundo, célebres na arte da  trapaça. 
Fonte: http://www.submarino.com.br/produto/186291/livro-artemis-fowl-edicao-economica

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

A SOCIEDADE DO ANEL

Livro na edição de 2002
Vamos deixar uma coisa bem clara desde o início: eu não acredito em duendes. Dito isso, vamos à análise do primeiro volume daquela que é considerada a obra prima de J. R. R. Tolkien – a trilogia Senhor dos Anéis, no caso, a primeira parte da estória, denominada A Sociedade do Anel. O livro em questão o qual tive acesso foi publicado pela editora paulista Martins Fontes, no ano de 2002, contendo 578 páginas – contando os mapas ao final.

A trilogia trata da busca, por um grupo de representantes de diversos povos, pela destruição do chamado Um Anel, o que permitirá restaurar a paz ao retirar a possibilidade do poder mágico deste cair nas mãos de Sauron, o vilão máximo e criador do próprio anel. O pensamento imediato do leitor de primeira mão, ao saber que a obra foi desenvolvida em meio aos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial – a primeira publicação se deu em 1956 – é de vinculá-la ou buscar quaisquer alegorias àquele dramático evento da humanidade. Mas o próprio Tolkien desmistifica tal tese logo no prefácio, aliás, trecho deveras interessante que ocupa as 5 primeiras páginas e que permite um diálogo direto e franco entre o autor e seus leitores:
Tolkien

Quanto a qualquer significado oculto ou “mensagem”, na intenção do autor estes não existem. O livro não é nem alegórico nem se refere a fatos contemporâneos. (...) O capítulo crucial, “A sombra do passado”, é uma das partes mais antigas do conto. Foi escrito muito antes que o prenúncio de 1939 se tornasse uma ameaça de desastre inevitável, e desse ponto a história teria sido desenvolvida essencialmente na mesma linha, mesmo que o desastre tivesse sido evitado. Suas fontes são coisas que já estavam presentes na mente muito antes, ou em alguns casos já escritas, e pouco ou nada foi modificado pela guerra que começou em 1939 ou por suas sequelas. (pág. XIII – Prefácio).

Em que pese tal afirmação, dizer que o ser humano não é “influenciável” por evento de tal porte me parece um tanto quanto exagero. Tolkien pode ter lutado para preservar ao máximo sua obra original, ou o mote que ela se propõe, mas ele próprio, em suas palavras, ao afirmar que “e pouco (...) foi modificado” dá a entender que um valor de juízo distinto dele pode ser passível de aplicação neste caso, dependendo do ponto vista.

Mas digamos que o horror ali circunscrito, de ver povos distintos movidos pela sede de poder tomarem a iniciativa de se matarem uns aos outros, chegando ao ponto de um lunático – Saruman, o então Mago Branco - gerar criaturas para o seu próprio exército – os chamados orcs – não ter realmente tido nenhum tipo de influência da Segunda Guerra Mundial, o que poderia então ter sido a semente que fez germinar todo esse universo de fantasia na mente de Tolkien?

A crise da década de 30, iniciada com o crash de 1929, é uma boa pista. O público devia estar ansioso por um salvador, alguém que pudesse superar todas as dificuldades, com tenacidade e honestidade, com bons princípios, trazendo comida, diversão e felicidade – algo bem típico dos hobbits, pequeno povo e personagem central da estória, que teve sua gênese na obra anterior (O Hobbit) do próprio Tolkien. Nada melhor então do que gerar uma utopia (nos moldes de hoje, seria chamado de distopia, porém, levando-se em conta que um mago como Gandalf tem a resposta para tudo...) na qual diferentes seres se unem pelo bem comum numa chamada Sociedade do Anel (lembrem-se que a Sociedade das Nações veio antes da Segunda Guerra Mundial!).

Nesta sociedade personagens de diferentes matizes têm que saber ceder e contribuir para que o propósito para o qual foram instados seja alcançado. Temos Aragorn (ou Passolargo), herdeiro de um trono há muito esquecido; temos Boromir, de grande coragem e ansioso para ver sua terra liberta do prenúncio de uma derrota sangrenta numa guerra violenta; temos Legolas, representante dos elfos, povo sábio da floresta de grande sensibilidade para o “todo”; temos Gimli, representante dos anões, que a despeito de sua condição física, enfrenta todos os perigos de maneira destemida; temos os 4 hobbits – Frodo, Samwise, Pippin e Merry; e por último, o líder, talvez o grande protagonista da estória, o mago Gandalf.

Personagens como retratados no primeiro filme da trilogia:
Aragorn, Gandalf, Legolas, Boromir e Bilbo (ao fundo)
Sam, Frod, Merry, Pippin (hobbits) e Gimli (o anão, em frente a Boromir)
Mas para abordar o que realmente interessa numa resenha literária – a avaliação do crítico sobre a qualidade no desenvolvimento da estória, aquele aspecto que prende o leitor do início ao fim do livro – esqueçam tudo que eu descrevi acima, à exceção talvez dos nomes dos principais personagens, expostos no parágrafo anterior. Vou passar agora a relatar-lhes minha experiência enquanto leitor.

O livro demora a deslanchar, “a pegar no breu” como dizem alguns analistas esportivos quando querem falar que um campeonato está emocionante. No chamado Prólogo, em torno de 30 páginas são dedicadas a explicar o ambiente e os principais povos em que se encerra a estória, contando inclusive com notas de rodapé. Dessa forma temos seções com os seguintes títulos: A respeito dos hobbits / A respeito da erva de fumo / Sobre a organização do Condado / Sobre o Achado do Anel / Nota sobre os Registros do Condado. Destes, talvez o de maior interesse seja o penúltimo, que remete diretamente para um ponto central e motor de toda a estória – em como o Um Anel foi de fato parar no Condado dos Hobbits gerando todo o desenlace necessário para a própria necessidade de sua destruição. Nesta seção o autor faz o link direto com a obra anterior, ao mencionar “Como se narra em O Hobbit, um dia chegou à porta de Bilbo, o grande mago, Gandalf, o Cinzento, e treze anões (...). Com eles partiu, para sua grande surpresa, numa manhã de abril, no ano de 1341, de acordo com o Registro do Condado, na busca de grandes riquezas (...)” – pág. 15.

Esse cuidado de Tolkien, incluindo mapas da região descrita, e próprio zelo na narrativa, ao identificar a paisagem nos mínimos detalhes, criando toda uma geografia própria e uma historiografia política fictícia para um determinado ambiente, veio a influenciar – ou pelo menos a ter eco – em obras posteriormente publicadas por outros autores e que também tiveram grande repercussão – e vendagem. Podemos citar, a título de exemplo, a série Duna, de Frank Herbert, e Operação Cavalo de Tróia, de J. J. Benítez. Neste segundo me são de nada agradáveis memórias as extensas notas de rodapé com explicações ditas científicas sobre a estrutura tecnológica do aparato utilizado para viajar no tempo.

Dessa forma, cada autor buscou criar laços próprios com os leitores, tal qual uma imersão num mundo particular. Para aqueles mais chegados aos duendes, mais fácil se tornou esse processo inicial – o que não necessariamente é o meu caso. Em Duna, por outro lado, o cenário de ficção científica pura era mais atrativo para mim enquanto apreciador. Já em Operação Cavalo de Tróia o autor buscou mesclar tanto o histórico com o científico. E óbvio que o viés religioso – a estória se passa na época do surgimento de Jesus – turbinou a curiosidade de outra de legião de fãs.

Voltando ao Senhor dos Anéis e seu primeiro livro, ultrapassando-se os 8 primeiros capítulos do chamado Livro I passa-se a ter uma ação digna de tempos em que a velocidade dos desdobramentos de uma determinada narrativa são algo muito ansiado – para os mais velhos, vou fazer uma analogia pesada. Seria como se pouco mais de 1/3 do livro fosse passado no andamento típico da novela Pantanal, da extinta TV Manchete, e os 2/3 restantes tivessem o ritmo de um filme de ação e suspense, com enredo.

Em resumo, considerei o Prefácio escrito por Tolkien uma grande sacada para a criação de um laço direto entre o leitor e o autor, em que algumas verdades são ditas; o Prólogo relevante apenas pela seção Sobre o Achado do Anel; e que o terço inicial do livro poderia ser mais bem pensado em termos de dinâmica, muito lenta, podendo afastar uma determinada classe de leitores. Mas o segundo livro – As Duas Torres – me aguardava, com uma nova proposta. Este será o meu próximo post.

OBS.: respeitando algo pelo qual sempre prezei assisti o primeiro filme da trilogia apenas após ter lido o livro. E como em 99,9% dos casos considerei o livro superior ao filme. Porém, desta feita, se deveu muito mais pela adaptação mal feita do mesmo para sua versão para a telona. Uma personagem que somente se faz presente no segundo livro é transposta para o primeiro filme. Fora isso, diálogos não existentes no livro são inseridos no filme, dando uma versão diferente para a estória.

Ø  Sobre Operação Cavalo de Tróia – e o seu marketing de ser uma estória verídica (que já se encontra em seu 9º volume):
Em 1980, J.J.Benítez foi contactado por um Major da Força Aérea dos Estados Unidos que dizia ter em seu poder um documento ultra-secreto. Foi só depois de ter ganho a confiança do oficial que o escritor recebeu uma série de indicações enigmáticas que o levou aos manuscritos do Diário do Major. (...) O misterioso norte-americano relata em seus escritos os detalhes de uma operação secreta dos EUA, que, em 1973, transportou dois astronautas à Palestina de Jesus de Nazaré. O objetivo era bastante claro: conhecer em primeira mão a vida, a obra e o pensamento do Filho do Homem. Os protagonistas desta viagem são Eliseu, um piloto que durante os “saltos” ao passado permanece quase o tempo todo no módulo espacial instalado no monte das Oliveiras, e Jasão - o próprio Major -, que se torna testemunha ocular da Vida, Paixão, Morte, Ressurreição e “Ascensão” do Galileu. 

J.J.Benítez complementa a volumosa documentação deixada pelo Major com vasto material de pesquisa. A transcrição, por enquanto, está dividida em oito volumes, somando 4.500 páginas, com um total de 1.227 notas de rodapé, 14 mil fontes e mais de 3 mil informações sobre o Mestre. Esses números fazem da série Cavalo de Tróia a maior obra sobre a vida de Jesus de Nazaré, apresentado da forma mais humana e completa já realizada. Fonte: http://www.saraiva.com.br/cavalo-de-troia-1-jerusalem-4071256.html





Ø  Sobre a série Duna:

Duna é um romance de ficção científica escrito por Frank Herbert e publicado em 1965. É considerada uma das maiores obras de ficção científica de todos os tempos. Duna ganhou os prêmios Hugo e Nebula no ano de sua publicação. (...) Duna se passa em um futuro distante no meio de um império intergaláctico feudal em expansão, onde feudos planetários são controlados por Casas nobres que devem aliança à imperial Casa Corrino. O livro conta a história do jovem Paul Atreides, herdeiro do Duque Leto Atreides e da respectiva Casa Atreides, na ocasião da transferência de sua família para o planeta Arrakis, a única fonte no universo da especiaria melange. Em uma história que explora as complexas interações entre política, religião, ecologia, tecnologia e emoções humanas, o destino de Paul, sua família, seu novo planeta e seus habitantes nativos, assim como o destino do Imperador Padishah, da poderosa Corporação Espacial e da misteriosa ordem feminina das Bene Gesserit, acabam todos interligados em um confronto que mudará o curso da humanidade. A sequência de livros seria: Duna (lançado em 1984); Messias de Duna (1985); Os Filhos de Duna (1986); O Imperador-Deus de Duna (1986); Os Hereges de Duna (1986); e As Herdeiras de Duna (1987).