sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O Retorno do Rei

- Não tenha medo – disse Aragorn. – Cheguei a tempo, e chamei-o de volta. Agora está cansado, e triste, além de ter sofrido um ferimento como o da Senhora Éowyn, quando ousou atacar aquela criatura mortal. Mas esses males podem ser reparados, num espírito tão forte e alegre como o dele. Não poderá se esquecer de sua tristeza, porém esse sentimento não vai escurecer o coração dele, mas trazer-lhe sabedoria. (página 184)

Sempre existirá a perspectiva de uma volta por cima para aqueles que lutam para o lado do bem. Este é o gancho central de O Retorno do Rei, o livro que fecha a trilogia que vem sendo por nós aqui analisada, a tão famosa O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien. Como toda obra que se propõe um desfecho para uma longa estória, esta sinaliza para o enfrentamento final dos grandes dilemas levantados durante seu transcurso. Triunfará o bem sobre o mal? Sabemos que sim – OK, existem obras literárias que terminam de forma ambígua neste aspecto, mas nunca me pareceu aqui o caso – porém que dissabores os protagonistas terão que passar para alcançar o triunfo? Alguém perecerá em meio ao caminho percorrido? Qual o preço a ser pago?

Estas são as principais aflições que atingem os leitores. De resto, batalhas, poemas, um breve espaço para uma ilação romântica, e temos então o fechamento dessa epopeia de longo curso tramada pelo escritor britânico. No entanto, me permito a expor algumas críticas a partir de uma pergunta-chave:

Valeu a pena a leitura de uma obra de tão longo curso, dado sua adaptação cinematográfica?

Tenho por princípio achar que sempre vale a pena ler o original antes de buscar a película adaptada (1). Por motivos simples, muitas vezes por mim explanados: o livro é uma experiência muito mais rica que o filme, pois nele projetamos nosso imaginário em meio às palavras e aos cenários construídos pelo escritor. Nossos anseios, nossas inquietações, aparecem sob a forma dos personagens, protagonistas e antagonistas, mesclados com a gênese da bravura e do destemor de enfrentar os perigos que a vida ali retratada se apresenta. Na verdade somos os heróis de nossas próprias histórias.

Nesse caso específico se acentuou esta minha visão. Vi apenas o primeiro filme da trilogia, e sua adaptação se revelou tremendamente falhar em diversos aspectos, alterando diálogos, introduzindo personagens inexistentes em determinado momento, etc. Porém, acredito que a obra poderia ser de menor porte – ou volume, como queiram – preservando ainda assim muito de seu valor enquanto narrativa.

Já coloquei minha inquietude, em post anterior, quanto ao uso contínuo de poemas em meio a narrativa, dada a peculiaridade de que os personagens tinham por hábito recitar canções pelos mais diversos motivos – melancolia com tempos passados, exaltação da batalha presente, esperança quanto aos rumos futuros, entre outros. Tal ferramenta acabava por ocupar um espaço demasiado grande e quebrando a dinâmica de desenvolvimento da estória em si.

Além disso, neste último volume, Tolkien, como bom acadêmico, nos brinda com nada mais nada menos do que 6 apêndices – das letras A a F, indo da página 417 a 565 – versando sobre aspectos técnicos da construção dos idiomas criados pelo próprio autor para serem símbolos de cada um dos povos ali representados. Obviamente que para um linguista como Tolkien esta deve ter sido uma parte deveras importante de seu trabalho, de modo a demonstrar sua capacidade de domínio da área pela qual militava. Porém, para o leitor, acaba sendo um desperdício de tempo. Enfim, confesso que pulei alguns dos apêndices (2).

Sam, por Sean Austin - para quem não
se lembra, um dos Goonies
De todo modo, sem querer parecer contraditório, alguns destes mesmos apêndices se demonstraram interessantes dado que esclarecem o passado e o futuro dos principais personagens. Aliás, a este respeito, devo lhes dizer que para mim, em que pese Frodo ser o mais conhecido – papel que alavancou a carreira do ator Elijah Wood – tenho a impressão que na obra escrita, pelo menos, o principal deles é o seu fiel escudeiro, Sam Gamge, o Jardineiro, interpretado nas telas por Sean Astin. O que não deixa de ser uma bela sacada de Sir Tolkien, caso seja verdade, esconder o protagonismo do personagem dito coadjuvante.

(1)               Existem exceções, como a quadrilogia sueca Millenium, cujos 3 primeiros livros são de autoria de Stieg Larsson. A primeira estória - “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” - eu vi antes em formato de filme. Pior, adaptada do original sueco para versão americana! Shame on me! Mas eu adorei!!! Tanto que comprei os outros 3 livros.

(2)               Os ditos apêndices estão assim divididos:

A – Anais dos Reis e Governantes – 417 a 487. As últimas 40 páginas são interessantes, relatando, como disse acima, passado e presente dos principais personagens;
B – O Conto dos Anos – 488 a 512 - discorre, de maneira resumida, cronológica, os principais acontecimentos das 3 eras – ao final da trilogia, se inicia a 4ª era;
C – Árvores Genealógicas – 513 a 517 – dados sobre a geração das famílias dos principais personagens;
D – Calendário do Condado – 518 a 528 – como se podem contar os dias na Terra Média e entre os seus diversos povos. Facilmente pulável – como o fiz;
E – Escrita e Ortografia – 529 a 547 – como se constituíram os diversos idiomas presentes na obra, contando inclusive com tabelas para os alfabetos e números. Igualmente pulável, a não ser que você seja um nerd hard;
F – As Línguas e os Povos da Terceira Era – 549 a 565 – se o apêndice anterior lidava com a escrita, este lida com a fonética dos idiomas criados. Extremamente pulável!!!!

Perdão pelos neologismos. Deve ser influência de Tolkien! É bem provável que os apêndices, em especial os 3 primeiros, sejam melhor aproveitados pelos fãs de do autor que leram O Hobbit e Silmarillion, tal os vínculos destas estórias com a que foi descrita em O Senhor dos Anéis. Ah, e respondendo a pergunta, livros sempre valem a pena, ainda mais os clássicos. Agora estou apto a criticar os filmes. Até a próxima aventura!

OBS – e olha que eu esqueci de dizer que ainda tem os mapas!!!

Obras citadas:
 
Silmarillion - O Silmarillion, relata acontecimentos de uma época muito anterior ao final da Terceira Era, quando ocorreram os grandes eventos narrados em O Senhor dos Anéis. São lendas derivadas de um passado remoto, ligadas às Silmarils, três gemas perfeitas criadas por Fëanor, o mais talentoso dos elfos. Tolkien trabalhou nesses textos ao longo de toda a sua vida, tornando-os veículo e registro de suas reflexões mais profundas.

O Hobbit - Bilbo Bolseiro é um hobbit que leva uma vida confortável e sem ambições. Mas seu contentamento é perturbado quando Gandalf, o mago, e uma companhia de anões batem à sua porta e levam-no para uma expedição. Eles têm um plano para roubar o tesouro guardado por Smaug, o Magnífico, um grande e perigoso dragão. Bilbo reluta muito em participar da aventura, mas acaba surpreendendo até a si mesmo com sua esperteza e sua habilidade como ladrão!

Millenium – vem da Suécia uma das mais bem sucedidas séries dos últimos anos: a trilogia Millenium, de Stieg Larsson, jornalista e ativista político muito respeitado em seu país. Além de receberem críticas entusiasmadas, (...) alcançaram o topo de vendas em diversos países (...). Um dos segredos de tanto sucesso é a forma original com que Larsson engendra a trama, conduzindo-a por variados aspectos da vida contemporânea: do universo muitas vezes corrupto do mercado financeiro à invasão de privacidade, da violência sexual contras as mulheres aos movimentos neofacistas e ao abuso de poder de modo geral (a). Larsson veio a falecer pouco depois de entregar os originais dos 3 primeiros livros. Um quarto livro foi lançado recentemente, escrito por outro autor – A Garota na Teia de Aranha – por David Lagercrantz, numa tentativa de seguir com sucesso. A conferir.

4 comentários:

  1. Oi Leopoldo. Confesso que só vi os filmes.Quanto aos livros, o fato de não tê-los lido foi um desses motivos que, por vezes, me fez sentir alijado de pelo menos metade do universo da minha geração. Senti essa sensação depois por não ter acompanhado "Lost" e também hoje por não ver "Game of Thrones". O que ocorre é que não tenho muita atração pelo universo que o Senhor dos Anéis explora, mesmo ciente de todas as leituras subjacentes metafóricas, de ordem política e psicológica que são feitas. Constatei isso quando tentei ler "O Hobbit" e não me senti estimulado. Mas seus textos sobre a Trilogia me ajudaram muito a compreender melhor esse universo. Concordo que as adaptações para o cinema - ou para TV etc - não costumam ser tão boas como as experiências da leitura. Uma exceção recente é do "Romance Policial Espinosa", da GNT, que ficou muito atraente com os elementos que agregou à história original do Garcia-Roza. Em tempo: sabia que o Sean Austin é aquele menino que protagonizou "Os Goonies"?

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    1. Sim, Carlos Maurício, sabia. Ao fazer a pesquisa sobre o ator essa informação salta aos olhos. Mas confesso que se fosse simplesmente pela fisionomia não iria me lembrar mesmo. Em relação ao "universo" do Senhor dos Anéis, a princípio também não me agrada. Li por ser um clássico, e acho importante ter acesso aos clássicos para depois poder criticar. Mas tinha essa mesma impressão em relação ao Harry Potter e olha que eu gostei bastante - li apenas os 3 primeiros livros. Os demais estão na fila.

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  2. Sobre a obra de Tolkien tenho a dizer que ela precisa ser devidamente contextualizada. A trilogia que deu origem a outras publicações do mesmo autor foi idealizada e publicada em uma época em que fervilhavam os textos característicos do realismo fantástico. Eu diria que ele é o autor de uma obra só, criou um mundo fantástico e é isso que a torna complexa e fantástica. Nesse mundo a poesia está na construção das frases e os poemas são um intermediário entre a prosa e a poesia - não podem faltar em qualquer mundo que se preze. Faz parte. Eu acho FANTÁSTICO

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  3. Bem colocado, Lúcia. Faltou na minha crítica um comparativo com outras obras da mesma época. Quanto à poesia, só um esclarecimento: eu gosto de poesia. Porém, sou mais apreciador dela de maneira isolada, e não colocada em meio a um texto de prosa, q como coloquei acima, penso quebrar o ritmo da narrativa.

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