- Não tenha medo
– disse Aragorn. – Cheguei a tempo, e chamei-o de volta. Agora está cansado, e
triste, além de ter sofrido um ferimento como o da Senhora Éowyn, quando ousou
atacar aquela criatura mortal. Mas esses males podem ser reparados, num
espírito tão forte e alegre como o dele. Não poderá se esquecer de sua
tristeza, porém esse sentimento não vai escurecer o coração dele, mas
trazer-lhe sabedoria. (página 184)
Sempre
existirá a perspectiva de uma volta por cima para aqueles que lutam para o lado
do bem. Este é o gancho central de O
Retorno do Rei, o livro que fecha a trilogia que vem sendo por nós aqui
analisada, a tão famosa O Senhor dos
Anéis, de J. R. R. Tolkien. Como toda obra que se propõe um desfecho para
uma longa estória, esta sinaliza para o enfrentamento final dos grandes dilemas
levantados durante seu transcurso. Triunfará o bem sobre o mal? Sabemos que sim
– OK, existem obras literárias que terminam de forma ambígua neste aspecto, mas
nunca me pareceu aqui o caso – porém que dissabores os protagonistas terão que
passar para alcançar o triunfo? Alguém perecerá em meio ao caminho percorrido?
Qual o preço a ser pago?
Estas
são as principais aflições que atingem os leitores. De resto, batalhas, poemas,
um breve espaço para uma ilação romântica, e temos então o fechamento dessa
epopeia de longo curso tramada pelo escritor britânico. No entanto, me permito
a expor algumas críticas a partir de uma pergunta-chave:
Valeu a pena a
leitura de uma obra de tão longo curso, dado sua adaptação cinematográfica?
Tenho
por princípio achar que sempre vale a pena ler o original antes de buscar a
película adaptada (1). Por motivos simples, muitas vezes por mim explanados: o
livro é uma experiência muito mais rica que o filme, pois nele projetamos nosso
imaginário em meio às palavras e aos cenários construídos pelo escritor. Nossos
anseios, nossas inquietações, aparecem sob a forma dos personagens,
protagonistas e antagonistas, mesclados com a gênese da bravura e do destemor
de enfrentar os perigos que a vida ali retratada se apresenta. Na verdade somos
os heróis de nossas próprias histórias.
Nesse
caso específico se acentuou esta minha visão. Vi apenas o primeiro filme da
trilogia, e sua adaptação se revelou tremendamente falhar em diversos aspectos,
alterando diálogos, introduzindo personagens inexistentes em determinado
momento, etc. Porém, acredito que a obra poderia ser de menor porte – ou volume,
como queiram – preservando ainda assim muito de seu valor enquanto narrativa.
Já
coloquei minha inquietude, em post
anterior, quanto ao uso contínuo de poemas em meio a narrativa, dada a
peculiaridade de que os personagens tinham por hábito recitar canções pelos
mais diversos motivos – melancolia com tempos passados, exaltação da batalha
presente, esperança quanto aos rumos futuros, entre outros. Tal ferramenta
acabava por ocupar um espaço demasiado grande e quebrando a dinâmica de
desenvolvimento da estória em si.
Além
disso, neste último volume, Tolkien, como bom acadêmico, nos brinda com nada
mais nada menos do que 6 apêndices – das letras A a F, indo da página 417 a 565
– versando sobre aspectos técnicos da construção dos idiomas criados pelo
próprio autor para serem símbolos de cada um dos povos ali representados.
Obviamente que para um linguista como Tolkien esta deve ter sido uma parte
deveras importante de seu trabalho, de modo a demonstrar sua capacidade de
domínio da área pela qual militava. Porém, para o leitor, acaba sendo um
desperdício de tempo. Enfim, confesso que pulei alguns dos apêndices (2).
Sam, por Sean Austin - para quem não se lembra, um dos Goonies |
De
todo modo, sem querer parecer contraditório, alguns destes mesmos apêndices se
demonstraram interessantes dado que esclarecem o passado e o futuro dos
principais personagens. Aliás, a este respeito, devo lhes dizer que para mim,
em que pese Frodo ser o mais conhecido – papel que alavancou a carreira do ator
Elijah Wood – tenho a impressão que na obra escrita, pelo menos, o principal
deles é o seu fiel escudeiro, Sam Gamge, o Jardineiro, interpretado nas telas
por Sean Astin. O que não deixa de ser uma bela sacada de Sir Tolkien, caso
seja verdade, esconder o protagonismo do personagem dito coadjuvante.
(1)
Existem
exceções, como a quadrilogia sueca Millenium, cujos 3 primeiros livros são de autoria de Stieg Larsson. A primeira estória - “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” - eu vi antes em
formato de filme. Pior, adaptada do original sueco para versão americana! Shame on me! Mas eu adorei!!! Tanto que comprei
os outros 3 livros.
(2)
Os
ditos apêndices estão assim divididos:
A
– Anais dos Reis e Governantes – 417 a 487. As últimas 40 páginas são
interessantes, relatando, como disse acima, passado e presente dos principais
personagens;
B
– O Conto dos Anos – 488 a 512 - discorre, de maneira resumida, cronológica, os
principais acontecimentos das 3 eras – ao final da trilogia, se inicia a 4ª
era;
C
– Árvores Genealógicas – 513 a 517 – dados sobre a geração das famílias dos
principais personagens;
D
– Calendário do Condado – 518 a 528 – como se podem contar os dias na Terra
Média e entre os seus diversos povos. Facilmente pulável – como o fiz;
E
– Escrita e Ortografia – 529 a 547 – como se constituíram os diversos idiomas
presentes na obra, contando inclusive com tabelas para os alfabetos e números.
Igualmente pulável, a não ser que
você seja um nerd hard;
F
– As Línguas e os Povos da Terceira Era – 549 a 565 – se o apêndice anterior lidava
com a escrita, este lida com a fonética dos idiomas criados. Extremamente pulável!!!!
Perdão
pelos neologismos. Deve ser influência de Tolkien! É bem provável que os
apêndices, em especial os 3 primeiros, sejam melhor aproveitados pelos fãs de
do autor que leram O Hobbit e Silmarillion, tal os vínculos destas
estórias com a que foi descrita em O Senhor dos Anéis. Ah, e respondendo a
pergunta, livros sempre valem a pena, ainda mais os clássicos. Agora estou apto
a criticar os filmes. Até a próxima aventura!
OBS
– e olha que eu esqueci de dizer que ainda tem os mapas!!!
Obras citadas:
Silmarillion - O
Silmarillion, relata acontecimentos de uma época muito anterior ao final da
Terceira Era, quando ocorreram os grandes eventos narrados em O Senhor dos
Anéis. São lendas derivadas de um passado remoto, ligadas às Silmarils, três
gemas perfeitas criadas por Fëanor, o mais talentoso dos elfos. Tolkien
trabalhou nesses textos ao longo de toda a sua vida, tornando-os veículo e
registro de suas reflexões mais profundas.
O Hobbit - Bilbo
Bolseiro é um hobbit que leva uma vida confortável e sem ambições. Mas seu
contentamento é perturbado quando Gandalf, o mago, e uma companhia de anões
batem à sua porta e levam-no para uma expedição. Eles têm um plano para roubar
o tesouro guardado por Smaug, o Magnífico, um grande e perigoso dragão. Bilbo
reluta muito em participar da aventura, mas acaba surpreendendo até a si mesmo
com sua esperteza e sua habilidade como ladrão!
Millenium – vem da Suécia uma das mais bem
sucedidas séries dos últimos anos: a trilogia Millenium, de Stieg Larsson,
jornalista e ativista político muito respeitado em seu país. Além de receberem
críticas entusiasmadas, (...) alcançaram o topo de vendas em diversos países
(...). Um dos segredos de tanto sucesso é a forma original com que Larsson
engendra a trama, conduzindo-a por variados aspectos da vida contemporânea: do
universo muitas vezes corrupto do mercado financeiro à invasão de privacidade,
da violência sexual contras as mulheres aos movimentos neofacistas e ao abuso
de poder de modo geral (a). Larsson veio a falecer pouco depois de entregar os
originais dos 3 primeiros livros. Um quarto livro foi lançado recentemente,
escrito por outro autor – A Garota na Teia de Aranha – por David Lagercrantz,
numa tentativa de seguir com sucesso. A conferir.