sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O Retorno do Rei

- Não tenha medo – disse Aragorn. – Cheguei a tempo, e chamei-o de volta. Agora está cansado, e triste, além de ter sofrido um ferimento como o da Senhora Éowyn, quando ousou atacar aquela criatura mortal. Mas esses males podem ser reparados, num espírito tão forte e alegre como o dele. Não poderá se esquecer de sua tristeza, porém esse sentimento não vai escurecer o coração dele, mas trazer-lhe sabedoria. (página 184)

Sempre existirá a perspectiva de uma volta por cima para aqueles que lutam para o lado do bem. Este é o gancho central de O Retorno do Rei, o livro que fecha a trilogia que vem sendo por nós aqui analisada, a tão famosa O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien. Como toda obra que se propõe um desfecho para uma longa estória, esta sinaliza para o enfrentamento final dos grandes dilemas levantados durante seu transcurso. Triunfará o bem sobre o mal? Sabemos que sim – OK, existem obras literárias que terminam de forma ambígua neste aspecto, mas nunca me pareceu aqui o caso – porém que dissabores os protagonistas terão que passar para alcançar o triunfo? Alguém perecerá em meio ao caminho percorrido? Qual o preço a ser pago?

Estas são as principais aflições que atingem os leitores. De resto, batalhas, poemas, um breve espaço para uma ilação romântica, e temos então o fechamento dessa epopeia de longo curso tramada pelo escritor britânico. No entanto, me permito a expor algumas críticas a partir de uma pergunta-chave:

Valeu a pena a leitura de uma obra de tão longo curso, dado sua adaptação cinematográfica?

Tenho por princípio achar que sempre vale a pena ler o original antes de buscar a película adaptada (1). Por motivos simples, muitas vezes por mim explanados: o livro é uma experiência muito mais rica que o filme, pois nele projetamos nosso imaginário em meio às palavras e aos cenários construídos pelo escritor. Nossos anseios, nossas inquietações, aparecem sob a forma dos personagens, protagonistas e antagonistas, mesclados com a gênese da bravura e do destemor de enfrentar os perigos que a vida ali retratada se apresenta. Na verdade somos os heróis de nossas próprias histórias.

Nesse caso específico se acentuou esta minha visão. Vi apenas o primeiro filme da trilogia, e sua adaptação se revelou tremendamente falhar em diversos aspectos, alterando diálogos, introduzindo personagens inexistentes em determinado momento, etc. Porém, acredito que a obra poderia ser de menor porte – ou volume, como queiram – preservando ainda assim muito de seu valor enquanto narrativa.

Já coloquei minha inquietude, em post anterior, quanto ao uso contínuo de poemas em meio a narrativa, dada a peculiaridade de que os personagens tinham por hábito recitar canções pelos mais diversos motivos – melancolia com tempos passados, exaltação da batalha presente, esperança quanto aos rumos futuros, entre outros. Tal ferramenta acabava por ocupar um espaço demasiado grande e quebrando a dinâmica de desenvolvimento da estória em si.

Além disso, neste último volume, Tolkien, como bom acadêmico, nos brinda com nada mais nada menos do que 6 apêndices – das letras A a F, indo da página 417 a 565 – versando sobre aspectos técnicos da construção dos idiomas criados pelo próprio autor para serem símbolos de cada um dos povos ali representados. Obviamente que para um linguista como Tolkien esta deve ter sido uma parte deveras importante de seu trabalho, de modo a demonstrar sua capacidade de domínio da área pela qual militava. Porém, para o leitor, acaba sendo um desperdício de tempo. Enfim, confesso que pulei alguns dos apêndices (2).

Sam, por Sean Austin - para quem não
se lembra, um dos Goonies
De todo modo, sem querer parecer contraditório, alguns destes mesmos apêndices se demonstraram interessantes dado que esclarecem o passado e o futuro dos principais personagens. Aliás, a este respeito, devo lhes dizer que para mim, em que pese Frodo ser o mais conhecido – papel que alavancou a carreira do ator Elijah Wood – tenho a impressão que na obra escrita, pelo menos, o principal deles é o seu fiel escudeiro, Sam Gamge, o Jardineiro, interpretado nas telas por Sean Astin. O que não deixa de ser uma bela sacada de Sir Tolkien, caso seja verdade, esconder o protagonismo do personagem dito coadjuvante.

(1)               Existem exceções, como a quadrilogia sueca Millenium, cujos 3 primeiros livros são de autoria de Stieg Larsson. A primeira estória - “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” - eu vi antes em formato de filme. Pior, adaptada do original sueco para versão americana! Shame on me! Mas eu adorei!!! Tanto que comprei os outros 3 livros.

(2)               Os ditos apêndices estão assim divididos:

A – Anais dos Reis e Governantes – 417 a 487. As últimas 40 páginas são interessantes, relatando, como disse acima, passado e presente dos principais personagens;
B – O Conto dos Anos – 488 a 512 - discorre, de maneira resumida, cronológica, os principais acontecimentos das 3 eras – ao final da trilogia, se inicia a 4ª era;
C – Árvores Genealógicas – 513 a 517 – dados sobre a geração das famílias dos principais personagens;
D – Calendário do Condado – 518 a 528 – como se podem contar os dias na Terra Média e entre os seus diversos povos. Facilmente pulável – como o fiz;
E – Escrita e Ortografia – 529 a 547 – como se constituíram os diversos idiomas presentes na obra, contando inclusive com tabelas para os alfabetos e números. Igualmente pulável, a não ser que você seja um nerd hard;
F – As Línguas e os Povos da Terceira Era – 549 a 565 – se o apêndice anterior lidava com a escrita, este lida com a fonética dos idiomas criados. Extremamente pulável!!!!

Perdão pelos neologismos. Deve ser influência de Tolkien! É bem provável que os apêndices, em especial os 3 primeiros, sejam melhor aproveitados pelos fãs de do autor que leram O Hobbit e Silmarillion, tal os vínculos destas estórias com a que foi descrita em O Senhor dos Anéis. Ah, e respondendo a pergunta, livros sempre valem a pena, ainda mais os clássicos. Agora estou apto a criticar os filmes. Até a próxima aventura!

OBS – e olha que eu esqueci de dizer que ainda tem os mapas!!!

Obras citadas:
 
Silmarillion - O Silmarillion, relata acontecimentos de uma época muito anterior ao final da Terceira Era, quando ocorreram os grandes eventos narrados em O Senhor dos Anéis. São lendas derivadas de um passado remoto, ligadas às Silmarils, três gemas perfeitas criadas por Fëanor, o mais talentoso dos elfos. Tolkien trabalhou nesses textos ao longo de toda a sua vida, tornando-os veículo e registro de suas reflexões mais profundas.

O Hobbit - Bilbo Bolseiro é um hobbit que leva uma vida confortável e sem ambições. Mas seu contentamento é perturbado quando Gandalf, o mago, e uma companhia de anões batem à sua porta e levam-no para uma expedição. Eles têm um plano para roubar o tesouro guardado por Smaug, o Magnífico, um grande e perigoso dragão. Bilbo reluta muito em participar da aventura, mas acaba surpreendendo até a si mesmo com sua esperteza e sua habilidade como ladrão!

Millenium – vem da Suécia uma das mais bem sucedidas séries dos últimos anos: a trilogia Millenium, de Stieg Larsson, jornalista e ativista político muito respeitado em seu país. Além de receberem críticas entusiasmadas, (...) alcançaram o topo de vendas em diversos países (...). Um dos segredos de tanto sucesso é a forma original com que Larsson engendra a trama, conduzindo-a por variados aspectos da vida contemporânea: do universo muitas vezes corrupto do mercado financeiro à invasão de privacidade, da violência sexual contras as mulheres aos movimentos neofacistas e ao abuso de poder de modo geral (a). Larsson veio a falecer pouco depois de entregar os originais dos 3 primeiros livros. Um quarto livro foi lançado recentemente, escrito por outro autor – A Garota na Teia de Aranha – por David Lagercrantz, numa tentativa de seguir com sucesso. A conferir.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

As Duas Torres

Respeitando o anseio de um dos meus (poucos) assíduos leitores, fiz um trabalho de investigação – nada que dois cliques no buscador na internet não resolvam – sobre a vida de Sir John Ronald Reuel Tolkien. Encontrei alguns fatos significativos que trazem luz sobre as possíveis influências sobre suas obras, em especial a trilogia Senhor dos Anéis, a qual está, neste post, em análise sobre o segundo livro – As Duas Torres – Ed. Martins Fontes – São Paulo – 2002 – 502 págs.

·         Tolkien foi um renomado linguista, sendo especialista em Inglês e Linguagem Nórdica antiga;
·         O Senhor dos Anéis, e em especial a partir do segundo livro – As Duas Torres, aqui mencionado e dissecado – recebeu sim influência da guerra, mas da I Guerra Mundial, da qual Tolkien participou como soldado:

J. R. R. Tolkien lutou na Primeira Guerra Mundial em uma das batalhas mais intensas e agressivas desse período, conhecida como Batalha de Somme. Muitas das privações que Frodo e Sam passaram no caminho até Mordor refletem um pouco dos horrores que Tolkien viveu nos confrontos reais nas trincheiras. Vários de seus amigos morreram na época ao seu lado, o que fez com que essas tragédias inspirassem algumas das coisas que vemos em "O Senhor dos Anéis", "O Hobbit" e "O Silmarillion".

·         Sua especialidade em línguas o auxiliou a criar as linguagens utilizadas em seus livros, voltado para o uso dos povos da chamada Terra Média:

(...) ele manteve seu cérebro exercitado ao desenvolver suas próprias línguas que utilizou nas obras (como os idiomas élficos que possuem suas próprias vertentes, o Quenya e o Sindarin). Inclusive, Tolkien escreveu poemas e músicas nessas línguas fictícias, como modo de agregar aspectos culturais a elas. Fonte: idem.

A Terra Média criada por Tolkien
Aliás, devo dizer que particularmente não gosto destes poemas inseridos em meio à narrativa. Ok, de modo geral sou refratário a musicais e que tais, daí talvez a minha insatisfação com tal estratagema. Porém, em termos de dar fluidez para a narrativa, realmente acho que eles não contribuem muito. Parecem um intervalo não pedido. Talvez, por isso, não surjam nos filmes baseados na obra de Tolkien. Aliás, de acordo ainda com este site que consultei “(...) recusou várias propostas para adaptar os livros e seus escritos no início – principalmente porque ele achou que essas adaptações não capturavam o escopo épico e nobre das histórias. É no mínimo curioso imaginar o que Tolkien acharia dos filmes dirigidos por Peter Jackson hoje...”.

Outro aspecto interessante é que um dos trechos relevantes nesse segundo livro – quando Frodo e Sam enfrentam uma mega-aranha, denominada Laracna - teria sido inspirado em uma experiência de infância, quando ele foi picado por um enorme aracnídeo na jardim de sua casa. Voltando ainda ao tema de domínio de idiomas, pode-se perceber como este aspecto era relevante para o autor britânico até mesmo para a conceito geral de suas obras:

Sam encarando Laracna


Enquanto desenvolvia O Senhor dos Anéis, se aprofundou ainda mais na sua paixão pelos idiomas. Logo cedo se tornou um grande conhecedor de grego e latim, e espanhol, posteriormente. Depois veio o italiano e o francês, que ele não gostava nem um pouco. Além do inglês, ele conhecia cerca de dezesseis outros idiomas (além daqueles criados por ele mesmo): grego antigo, latim, gótico, islandês antigo, sueco, norueguês, dinamarquês, anglo-saxão, médio inglês, alemão, neerlandês, francês, espanhol, italiano, galês. Mas a língua que mais o encantou foi mesmo o finlandês, e usou sua gramática, junto com a galesa, como base para as línguas que mais tarde apareceriam em seus livros, muitos nomes relatados nos seus livros foram tirados do idioma islandês, como Gandalf, por exemplo. Foi baseado nestas línguas que Tolkien começou a desenvolver seu mundo. Para ele, primeiro vinha a palavra, depois a história. Ele criou um mundo onde suas línguas pudessem ser aprendidas e faladas, e também criou diversas lendas e contos para rodeá-las, que serviriam para perpetuar as línguas que ele criara. (grifo nosso)

Por último, antes de partirmos para a análise do segundo livro propriamente dita, vimos com satisfação que nossa percepção de que Tolkien havia influenciado diversas obras que vieram posteriormente confirmadas pelo site indicado acima. Eles citam, dentre os livros dados como exemplo, a série Duna, de Frank Herbert, já por nós antecipados no post anterior. Além de Duna são mencionados “a fantasia de A Cor da Magia (de Terry Pratchett). Além dos recentes Ciclo da Herança (de Christopher Paolini) e Artemis Fowl (de Eoin Colfer), entre tantos outros”*. Confesso que destes só ouvi falar do último – Artemis Fowl.

Em relação ao segundo livro da trilogia Senhor dos Anéis – As Duas Torres – em agradou mais do que o primeiro – A Sociedade do Anel. A utilização de muitas cenas de batalha remetem diretamente aos melhores filmes do gênero capa e espada produzidos. De todo modo, o tom crescente, preparatório para a grande batalha entre as forças do bem e do mal – auge da trilogia que somente será alcançado no terceiro livro, O Retorno do Rei – é o tom presente.

A sociedade do anel, separada, é apresentada pela trajetória isolada de cada um dos seus membros, visando o seu reencontro somente ao final. Nesse sentido se entende o fato desta série ter se tornado um best seller que atravessa décadas. Sir Tolkien soube, ultrapassado o livro introdutório, criar um enredo que vai num típico crescente, prendendo a atenção do leitor à medida que as batalhas são travadas e os ganhos são obtidos a cada pequena vitória. Talvez o acadêmico professor tenha pautado sua narrativa seguindo justamente a lógica universitária – exposição de considerações para desenvolvimento dos argumentos. Resta-me saber se ele entrega o que promete. Assim que tiver terminado a leitura do terceiro livro darei conhecimento a vocês.

OBS.: Ainda não vi o segundo filme, por isso não sei dizer se estaria colocando uma leviandade. Minha esposa em particular já demonstrou seu desgosto quanto ao desenvolvimento da primeira película e não se mostra propensa a continuar assistindo os filmes tal a possibilidade de cenas mais sanguinárias. Enfrentarei com desvelo essa tarefa, apoiado pela minha filha.

*Obras citadas:

A Cor da Magia – Terry Pratchett - A Cor da Magia é o primeiro livro da cultuada série Discworld. A história relata as aventuras do mago Rincewind e do estranho turista Duasflor, tudo com muito bom humor. Nessa aventura, os personagens praticamente fazem um tour pelo disco, o que os leva a encontrar um grande herói, um terrível demônio e dragões, além de se aproximarem perigosamente da borda do mundo. Fonte: http://lelivros.pink/book/download-a-cor-da-magia-discworld-vol-1-terry-pratchett-em-epub-mobi-e-pdf/#forward

Ciclo da Herança – Christopher Paolini - Eragon é uma história repleta de ação, vilões e locais fantásticos, com dragões e elfos, cavaleiros, luta de espada, inesperadas revelações e uma linda donzela. Inspirado em J.R.R. Tolkien, que criou idiomas para os diálogos de seus personagens, Paolini utiliza o norueguês medieval para a linguagem dos elfos e inventa expressões específicas para os anões e os urgals, de modo a dar veracidade ao lendário reino de Alagaësia, onde a guerra está prestes a começar. O protagonista é um jovem de 15 anos que, ao encontrar na floresta uma pedra azul polida, se vê da noite para o dia no meio de uma disputa pelo poder do Império, na qual ele é a peça principal. A vida de Eragon muda radicalmente ao descobrir que a pedra azul é, na realidade, um ovo de dragão. Quando a pedra se rompe e dela nasce Saphira, Eragon é forçado a se converter em herói. Fonte: http://www.sobrelivros.com.br/info-ciclo-a-heranca-christopher-paolini/

                                        Artemis Fowl – Eoin Colfer - Esta é a história de um garoto diferente, Artemis - um anti-herói mal-humorado e pessimista que, com apenas 12 anos, é um gênio do crime. Artemis é o único  herdeiro do clã Fowl, uma lendária família de personagens do submundo, célebres na arte da  trapaça. 
Fonte: http://www.submarino.com.br/produto/186291/livro-artemis-fowl-edicao-economica

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

A SOCIEDADE DO ANEL

Livro na edição de 2002
Vamos deixar uma coisa bem clara desde o início: eu não acredito em duendes. Dito isso, vamos à análise do primeiro volume daquela que é considerada a obra prima de J. R. R. Tolkien – a trilogia Senhor dos Anéis, no caso, a primeira parte da estória, denominada A Sociedade do Anel. O livro em questão o qual tive acesso foi publicado pela editora paulista Martins Fontes, no ano de 2002, contendo 578 páginas – contando os mapas ao final.

A trilogia trata da busca, por um grupo de representantes de diversos povos, pela destruição do chamado Um Anel, o que permitirá restaurar a paz ao retirar a possibilidade do poder mágico deste cair nas mãos de Sauron, o vilão máximo e criador do próprio anel. O pensamento imediato do leitor de primeira mão, ao saber que a obra foi desenvolvida em meio aos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial – a primeira publicação se deu em 1956 – é de vinculá-la ou buscar quaisquer alegorias àquele dramático evento da humanidade. Mas o próprio Tolkien desmistifica tal tese logo no prefácio, aliás, trecho deveras interessante que ocupa as 5 primeiras páginas e que permite um diálogo direto e franco entre o autor e seus leitores:
Tolkien

Quanto a qualquer significado oculto ou “mensagem”, na intenção do autor estes não existem. O livro não é nem alegórico nem se refere a fatos contemporâneos. (...) O capítulo crucial, “A sombra do passado”, é uma das partes mais antigas do conto. Foi escrito muito antes que o prenúncio de 1939 se tornasse uma ameaça de desastre inevitável, e desse ponto a história teria sido desenvolvida essencialmente na mesma linha, mesmo que o desastre tivesse sido evitado. Suas fontes são coisas que já estavam presentes na mente muito antes, ou em alguns casos já escritas, e pouco ou nada foi modificado pela guerra que começou em 1939 ou por suas sequelas. (pág. XIII – Prefácio).

Em que pese tal afirmação, dizer que o ser humano não é “influenciável” por evento de tal porte me parece um tanto quanto exagero. Tolkien pode ter lutado para preservar ao máximo sua obra original, ou o mote que ela se propõe, mas ele próprio, em suas palavras, ao afirmar que “e pouco (...) foi modificado” dá a entender que um valor de juízo distinto dele pode ser passível de aplicação neste caso, dependendo do ponto vista.

Mas digamos que o horror ali circunscrito, de ver povos distintos movidos pela sede de poder tomarem a iniciativa de se matarem uns aos outros, chegando ao ponto de um lunático – Saruman, o então Mago Branco - gerar criaturas para o seu próprio exército – os chamados orcs – não ter realmente tido nenhum tipo de influência da Segunda Guerra Mundial, o que poderia então ter sido a semente que fez germinar todo esse universo de fantasia na mente de Tolkien?

A crise da década de 30, iniciada com o crash de 1929, é uma boa pista. O público devia estar ansioso por um salvador, alguém que pudesse superar todas as dificuldades, com tenacidade e honestidade, com bons princípios, trazendo comida, diversão e felicidade – algo bem típico dos hobbits, pequeno povo e personagem central da estória, que teve sua gênese na obra anterior (O Hobbit) do próprio Tolkien. Nada melhor então do que gerar uma utopia (nos moldes de hoje, seria chamado de distopia, porém, levando-se em conta que um mago como Gandalf tem a resposta para tudo...) na qual diferentes seres se unem pelo bem comum numa chamada Sociedade do Anel (lembrem-se que a Sociedade das Nações veio antes da Segunda Guerra Mundial!).

Nesta sociedade personagens de diferentes matizes têm que saber ceder e contribuir para que o propósito para o qual foram instados seja alcançado. Temos Aragorn (ou Passolargo), herdeiro de um trono há muito esquecido; temos Boromir, de grande coragem e ansioso para ver sua terra liberta do prenúncio de uma derrota sangrenta numa guerra violenta; temos Legolas, representante dos elfos, povo sábio da floresta de grande sensibilidade para o “todo”; temos Gimli, representante dos anões, que a despeito de sua condição física, enfrenta todos os perigos de maneira destemida; temos os 4 hobbits – Frodo, Samwise, Pippin e Merry; e por último, o líder, talvez o grande protagonista da estória, o mago Gandalf.

Personagens como retratados no primeiro filme da trilogia:
Aragorn, Gandalf, Legolas, Boromir e Bilbo (ao fundo)
Sam, Frod, Merry, Pippin (hobbits) e Gimli (o anão, em frente a Boromir)
Mas para abordar o que realmente interessa numa resenha literária – a avaliação do crítico sobre a qualidade no desenvolvimento da estória, aquele aspecto que prende o leitor do início ao fim do livro – esqueçam tudo que eu descrevi acima, à exceção talvez dos nomes dos principais personagens, expostos no parágrafo anterior. Vou passar agora a relatar-lhes minha experiência enquanto leitor.

O livro demora a deslanchar, “a pegar no breu” como dizem alguns analistas esportivos quando querem falar que um campeonato está emocionante. No chamado Prólogo, em torno de 30 páginas são dedicadas a explicar o ambiente e os principais povos em que se encerra a estória, contando inclusive com notas de rodapé. Dessa forma temos seções com os seguintes títulos: A respeito dos hobbits / A respeito da erva de fumo / Sobre a organização do Condado / Sobre o Achado do Anel / Nota sobre os Registros do Condado. Destes, talvez o de maior interesse seja o penúltimo, que remete diretamente para um ponto central e motor de toda a estória – em como o Um Anel foi de fato parar no Condado dos Hobbits gerando todo o desenlace necessário para a própria necessidade de sua destruição. Nesta seção o autor faz o link direto com a obra anterior, ao mencionar “Como se narra em O Hobbit, um dia chegou à porta de Bilbo, o grande mago, Gandalf, o Cinzento, e treze anões (...). Com eles partiu, para sua grande surpresa, numa manhã de abril, no ano de 1341, de acordo com o Registro do Condado, na busca de grandes riquezas (...)” – pág. 15.

Esse cuidado de Tolkien, incluindo mapas da região descrita, e próprio zelo na narrativa, ao identificar a paisagem nos mínimos detalhes, criando toda uma geografia própria e uma historiografia política fictícia para um determinado ambiente, veio a influenciar – ou pelo menos a ter eco – em obras posteriormente publicadas por outros autores e que também tiveram grande repercussão – e vendagem. Podemos citar, a título de exemplo, a série Duna, de Frank Herbert, e Operação Cavalo de Tróia, de J. J. Benítez. Neste segundo me são de nada agradáveis memórias as extensas notas de rodapé com explicações ditas científicas sobre a estrutura tecnológica do aparato utilizado para viajar no tempo.

Dessa forma, cada autor buscou criar laços próprios com os leitores, tal qual uma imersão num mundo particular. Para aqueles mais chegados aos duendes, mais fácil se tornou esse processo inicial – o que não necessariamente é o meu caso. Em Duna, por outro lado, o cenário de ficção científica pura era mais atrativo para mim enquanto apreciador. Já em Operação Cavalo de Tróia o autor buscou mesclar tanto o histórico com o científico. E óbvio que o viés religioso – a estória se passa na época do surgimento de Jesus – turbinou a curiosidade de outra de legião de fãs.

Voltando ao Senhor dos Anéis e seu primeiro livro, ultrapassando-se os 8 primeiros capítulos do chamado Livro I passa-se a ter uma ação digna de tempos em que a velocidade dos desdobramentos de uma determinada narrativa são algo muito ansiado – para os mais velhos, vou fazer uma analogia pesada. Seria como se pouco mais de 1/3 do livro fosse passado no andamento típico da novela Pantanal, da extinta TV Manchete, e os 2/3 restantes tivessem o ritmo de um filme de ação e suspense, com enredo.

Em resumo, considerei o Prefácio escrito por Tolkien uma grande sacada para a criação de um laço direto entre o leitor e o autor, em que algumas verdades são ditas; o Prólogo relevante apenas pela seção Sobre o Achado do Anel; e que o terço inicial do livro poderia ser mais bem pensado em termos de dinâmica, muito lenta, podendo afastar uma determinada classe de leitores. Mas o segundo livro – As Duas Torres – me aguardava, com uma nova proposta. Este será o meu próximo post.

OBS.: respeitando algo pelo qual sempre prezei assisti o primeiro filme da trilogia apenas após ter lido o livro. E como em 99,9% dos casos considerei o livro superior ao filme. Porém, desta feita, se deveu muito mais pela adaptação mal feita do mesmo para sua versão para a telona. Uma personagem que somente se faz presente no segundo livro é transposta para o primeiro filme. Fora isso, diálogos não existentes no livro são inseridos no filme, dando uma versão diferente para a estória.

Ø  Sobre Operação Cavalo de Tróia – e o seu marketing de ser uma estória verídica (que já se encontra em seu 9º volume):
Em 1980, J.J.Benítez foi contactado por um Major da Força Aérea dos Estados Unidos que dizia ter em seu poder um documento ultra-secreto. Foi só depois de ter ganho a confiança do oficial que o escritor recebeu uma série de indicações enigmáticas que o levou aos manuscritos do Diário do Major. (...) O misterioso norte-americano relata em seus escritos os detalhes de uma operação secreta dos EUA, que, em 1973, transportou dois astronautas à Palestina de Jesus de Nazaré. O objetivo era bastante claro: conhecer em primeira mão a vida, a obra e o pensamento do Filho do Homem. Os protagonistas desta viagem são Eliseu, um piloto que durante os “saltos” ao passado permanece quase o tempo todo no módulo espacial instalado no monte das Oliveiras, e Jasão - o próprio Major -, que se torna testemunha ocular da Vida, Paixão, Morte, Ressurreição e “Ascensão” do Galileu. 

J.J.Benítez complementa a volumosa documentação deixada pelo Major com vasto material de pesquisa. A transcrição, por enquanto, está dividida em oito volumes, somando 4.500 páginas, com um total de 1.227 notas de rodapé, 14 mil fontes e mais de 3 mil informações sobre o Mestre. Esses números fazem da série Cavalo de Tróia a maior obra sobre a vida de Jesus de Nazaré, apresentado da forma mais humana e completa já realizada. Fonte: http://www.saraiva.com.br/cavalo-de-troia-1-jerusalem-4071256.html





Ø  Sobre a série Duna:

Duna é um romance de ficção científica escrito por Frank Herbert e publicado em 1965. É considerada uma das maiores obras de ficção científica de todos os tempos. Duna ganhou os prêmios Hugo e Nebula no ano de sua publicação. (...) Duna se passa em um futuro distante no meio de um império intergaláctico feudal em expansão, onde feudos planetários são controlados por Casas nobres que devem aliança à imperial Casa Corrino. O livro conta a história do jovem Paul Atreides, herdeiro do Duque Leto Atreides e da respectiva Casa Atreides, na ocasião da transferência de sua família para o planeta Arrakis, a única fonte no universo da especiaria melange. Em uma história que explora as complexas interações entre política, religião, ecologia, tecnologia e emoções humanas, o destino de Paul, sua família, seu novo planeta e seus habitantes nativos, assim como o destino do Imperador Padishah, da poderosa Corporação Espacial e da misteriosa ordem feminina das Bene Gesserit, acabam todos interligados em um confronto que mudará o curso da humanidade. A sequência de livros seria: Duna (lançado em 1984); Messias de Duna (1985); Os Filhos de Duna (1986); O Imperador-Deus de Duna (1986); Os Hereges de Duna (1986); e As Herdeiras de Duna (1987).