Em
2016 adquiri a obra “Política Externa Brasileira – as práticas da política e a
política das práticas”, uma coletânea de artigos organizada pelos professores
Letícia Pinheiro e Carlos S. R. Milani, pesquisadores do campo das Relações Internacionais,
ela vinculada ao Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (IRI/PUC-Rio)[1] e ele atualmente está como
professor-adjunto do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ)[2].
Fonte: www.amazon.com.br |
Editada
pela Fundação Getúlio Vargas (Rio de Janeiro)[3] no ano de 2012, contendo 352
páginas, busca expor as diferentes facetas que a política externa brasileira
adquiriu a partir da inserção de maneira intensa de novos atores na sua construção
e condução, à parte o “monopólio” da inteligência egressa até então do
Itamaraty. O livro é dividido em 5 partes temáticas – Direitos Humanos, Cultura,
Educação, Saúde e Paradiplomacia – transitando ao que os organizadores entendem,
aparentemente, ser os temas mais caros à sociedade e para os quais conseguiram
identificar uma ação efetiva pela interferência nos rumos ambicionados pelos
atores nacionais perante seus pares externos.
O
livro me chamou atenção pelo fato de que, uma vez atuando na área internacional
de uma autarquia federal, minha experiência profissional não deixa de ser um
reflexo do fenômeno o qual desejam investigar. A estruturação e a iniciativa de
instituições públicas, que não somente o Ministério das Relações Exteriores (MRE)[4], em construir uma
expertise e a capacidade de influenciar nos rumos das negociações entre
Governos, quer seja pelo lado de política e comércio exterior, quer seja pela
ótica da identificação e geração de pontes entre entes homólogos viabilizando a
cooperação internacional entre estes, está presente no contexto tratado[5].
Em
termos literários, a obra está organizada de maneira adequada para um texto
acadêmico, tendo prefácio e introdução antes dos capítulos “de trabalho”,
seguidos uma conclusão escrita à quatro mãos pelos organizadores, buscando
sumarizar os conceitos trabalhados e alguns insights
alcançados a partir do esforço de pesquisa empreendido. Porém, deve-se destacar
que os textos das partes IV (Saúde) e V (Paradiplomacia)[6] são repetitivos, trazendo preceitos
similares pelos autores selecionados.
Prof. Carlos R. S. Milani |
Um
aspecto que poderia melhorar a qualidade do trabalho acadêmico seria, deste
modo, mostrar diferentes pontos de vista sobre o mesmo tema. Os autores
selecionados por cada uma das partes pareciam comungar das mesmas ideias, não produzindo
um debate acadêmico entre si, mas somente consigo mesmo no decorrer do próprio
texto – algo típico da construção argumentativa no meio educacional.
De
todo modo, para iniciantes, a obra é importante por apresentar ao público leigo
perspectivas que muitas vezes passam despercebidas. As diferentes correntes filosóficas
pelas quais a diplomacia pode se caracterizar[7] e seu impacto sobre a chamada
“Indústria Criativa”; no campo da saúde uma das maiores vitórias diplomáticas
brasileiras neste início de século como a obtenção perante a Organização
Mundial do Comércio (OMC) da Declaração de Doha sobre Propriedade Intelectual e
Saúde Pública[8],
êxito alcançado por uma articulação de múltiplas frentes – MRE, Ministério da
Saúde (MS)[9] e organizações não-governamentais
(ONG), nacionais e multinacionais; a atuação transversal da Agência Brasileira
de Cooperação (ABC), unidade interna ao Itamaraty[10] ora de maneira positiva, atuando
como facilitadora para o alcance e vislumbre de oportunidades por demais
entidades, ora como um entrave, pela falta de regulamentação da cooperação
internacional descentralizada, por exemplo. Temos ainda os dois últimos
capítulos tratando da paradiplomacia, campo pouco explorado até mesmo em termos
de divulgação – e não somente em estudos acadêmicos no hemisfério Sul – e prática;
e o papel dos novos tomadores de decisão enquanto indivíduos promotores de políticas
públicas e agentes que influenciam sua condução muitas vezes atrelando-se a
entendimentos e crenças pessoais, algo que escapa ao olhar externo.
Pode-se
dizer que a coletânea, assim, atinge seu objetivo ao jogar luz sobre a prática de
política externa ocorrida “abaixo da linha do radar” exercida por elementos que
não estão vinculados diretamente ao MRE e suas unidades. Tal tendência vem se tornando
cada vez mais frequente no
mundo globalizado, dada a facilidade de comunicação
entre diferentes elementos, muitas vezes servindo a propósitos de facilitação
de entendimento das ambições por distintas partes, mas também como subterfúgio
para escapar de canais formais mais adequados e hierarquicamente já
estabelecidos. Porém, como os autores mesmo colocam, citando FRANÇA e SANCHEZ BADIN
(2010)[11], “é no âmbito do Estado
que as decisões são finalmente tomadas. O que mudou é que, se antes era
possível falar de uma concentração desses assuntos na agenda do Ministério das
Relações Exteriores, hoje os temas de política externa, por serem mais
diversificados, povoam as atividades de outros ministérios e agências de
governo, num novo arranjo institucional” (pág. 337).
Profª. Letícia Pinheiro Fonte: https://neiarcadas.wordpress.com |
Resta
a eles, no entanto, buscar uma abrangência maior em termos políticos, pois selecionaram
textos e contextos de autores que situaram sua análise entre os Governos Fernando
Henrique Cardoso e Lula. Seria interessante, assim, ter um olhar mais amplo
para verificar se os aspectos apontados são realmente estruturais ou conjunturais.
Talvez a já mencionada possibilidade de identificar autores de diferentes
correntes filosóficas para dissertarem sobre os mesmos temas suprisse essa lacuna.
[5] As partes II e IV, que correspondem
respectivamente à Cultura e Saúde, estão vinculadas ao campo da Propriedade
Intelectual via patentes e direitos autorais, principalmente.
[6] São sempre dois por cada parte.
Deve-se destacar ainda o que é chamado de Paradiplomacia como sendo “o
desenvolvimento de uma ação externa institucionalizada por parte de governos
subnacionais [Estados, Municípios, etc] (...)”. A paradiplomacia também poderia
se aplicar às áreas internacionais das autarquias federais.
[7] Capítulo 3 - “Entre o Palácio Itamaraty
e o Palácio Capanema: perspectivas e desafios de uma diplomacia cultural no
governo Lula” – págs. 95-120 – LESSA, Mônica L.; SARAIVA, Miriam G.; e MAPA,
Dhiego de M..
[8] https://www.wto.org/english/thewto_e/minist_e/min01_e/mindecl_trips_e.htm
- in capítulo“Saúde pública, patentes
e atores não estatais: a política externa do Brasil ante a epidemia de AIDS” – SOUZA,
André de M. – págs. 203-240.
[11] FRANÇA,
Cássio L. de; SANCHEZ BADIN, Michelle Ratton. A inserção internacional do Poder Executivo nacional
brasileiro. Análises e Propostas, Friederich
Ebert Stiftung, nº 40, ago. 2010.