No ano
de 2010 algumas instituições do governo uruguaio reuniram-se para desenvolver
um estudo que pudesse apontar os desafios que aquele país deveria enfrentar de
maneira a ter um desenvolvimento social, econômico e tecnológico que tivesse
como eixo principal o estabelecimento e uso de uma política nacional de
propriedade intelectual. Tais instituições – Agência Nacional de Pesquisa e
Inovação, Escritório de Planejamento e Orçamento da Presidência da República,
com o apoio ainda da Direção Nacional de Propriedade Industrial, unidade
vinculada ao Ministério de Indústria, Energia e Mineração e do Professor Carlos
Correa, argentino com grande reconhecimento pelo tema – a partir ainda do
auxílio financeiro do Programa “Unidos na Ação” (UNA) da Organização das Nações
Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO) e da Organização Mundial da
Propriedade Intelectual, alcançaram o objetivo em pelo menos traçar um retrato
que pode vir a ser útil se efetivamente implantado.
Passados
8 (oito) anos desta iniciativa, ao ler o livro que surgiu a partir deste
trabalho, pode-se perceber que muito do que foi identificado naquela ocasião
serve como espelho para os demais países da América Latina. Desafios similares,
dificuldades e limites muitas vezes idênticos quase nos levam a afirmar que as
soluções que foram apontadas muito provavelmente também são próximas do que
poderiam ser adotadas por outras nações. Claro que cada um dos países, ao
observar o que foi descrito, perceberá que as devidas adaptações têm que ser
feitas as suas próprias realidades.
Agora,
uma questão surge de imediato: o que mudou nos últimos anos que poderia afetar
diretamente o diagnóstico então alcançado? Naquela ocasião o mundo recém acabava
de ser sacudido por mais uma crise econômica – aquela gerada pelo mercado
imobiliário norte-americano e suas subprimes.
Mas tinha-se a consciência de que o desenvolvimento de políticas industriais
sólidas, em que pese as dificuldades identificadas, poderiam ser o alicerce
necessário para o grande salto uma vez resolvidas as questões de curto-prazo.
No caso
uruguaio, a interlocução entre os agentes, dado o diminuto espaço geográfico,
diz o bom senso deveria ser facilitado por uma proximidade física. Mas nunca se
deve esquecer que em políticas públicas – e isso não é uma exclusividade da
banda oriental do Rio da Prata – a boa vontade dos tomadores de decisão faz uma
grande diferença. Porém, muitas vezes esses tomadores se veem pressionados pelas
tais questões de curtíssimo prazo, o que os leva a buscar resultados somente
neste horizonte, relegando a segundo plano estratégias que viriam a dar
resultado somente no longo prazo, e desviando-os do curso desejado.
Esta
triste realidade, infelizmente, ainda nos cerca a todos como latino-americanos,
o que indica que a resposta à pergunta acima é de que pouco mudou.
Observando-se as negociações comerciais que nos vemos envolvidos, sendo, ainda,
países não possuidores de uma indústria de base tecnológica vasta e bem
desenvolvida, nos voltamos como prioridade máxima à obtenção de mercados para
os nossos produtos primários – agrícolas ou de minério. Compartilhamos este
mesmo ensejo muitas vezes, e de tão enredados não conseguimos nos desvencilhar
de tal lógica dado não termos cumprido, por vezes, as estratégias básicas de
proteção de nossas economias – com a diversificação das indústrias internas - que
nos permitiriam a solidez para ultrapassar as crises econômicas mundiais sem
ter que reverter nossas decisões em favor de resolver questões prementes que poderiam
desestabilizar nossos mercados preferenciais e a sociedade em geral a qual
estamos inseridos.
O grande
mérito do trabalho realizado naquela ocasião, então, pelos especialistas do
Uruguai, foi estabelecer um marco, uma semente que poderá vir a ser útil no
futuro, quando um ambiente favorável, tanto externamente quanto internamente,
ao diagnóstico e às soluções apresentadas surja, fazendo que as soluções propostas
frutifiquem. Da seção denominada Agenda Estratégica (págs. 133-139) se podem tirar
as seguintes conclusões como ações necessárias – no caso específico se referem
ao Uruguai, mas vamos tomar a liberdade de expandir os conceitos para toda
América Latina:
Ø Colocar
a Propriedade Intelectual como marco (eixo) das políticas de desenvolvimento de
nossos países;
Ø
Desenvolver
estudos setoriais de impacto que permitam tomar decisões estratégicas;
Ø Abrir
espaço, nas negociações internacionais, para a livre circulação de bens e serviços;
Ø
Fortalecer
a conduta inovadora das empresas, fomentar a pesquisa para buscar solucionar
problemas de interesse nacional (regional), e vincular os centros de pesquisa e
a academia com as empresas;
Ø Contar
com recursos humanos com qualificação em áreas específicas assim como em
Propriedade Intelectual;
Ø
Desenvolver
o empreendedorismo e a inovação, aumentando o conhecimento sobre Propriedade
Intelectual como base para este processo;
Ø Dar
condições para que as instituições governamentais especializadas em Propriedade
Intelectual e Inovação possam atuar para o desenvolvimento de tais políticas,
ao abrigo de estratégias financeiras e administrativas favoráveis, mesmo em
meio às crises econômicas, observando o ganho sustentado a longo prazo que a
sociedade terá;
Ø
Desenvolver
as capacidades de gestão dos ativos intangíveis pelos diversos atores dos sistemas
de inovação, principalmente por intermédio de diagnósticos pautados pela
informação tecnológica disponível – em documentos de patente, por exemplo; e
Ø
De modo
a dar o devido retorno à sociedade, equilibrar os direitos entre os desenvolvedores
de tecnologia e seus usuários, de modo a não gerar distorções de mercado, e
propiciar acesso ao conhecimento para impulsionar o desenvolvimento tecnológico
por intermédio de uma maior multiplicidade de atores.
Para os
leitores que queiram estudar um pensamento que pode gerar discussões
interessantes em relação aos países latino-americanos, também fica o exemplo de
um esforço interno efetuado por um país para melhor compreender suas condições de
ação. Imaginemos nós se um dia, em conjunto, todos caminhassem na mesma toada,
a partir de uma percepção comum da necessidade da estruturação de um mercado
tecnológico para a região inteira, com os mesmos objetivos, ao invés de
buscarem lutar por espaços próprios, a partir de interesses individualizados?
Tenho certeza de que aí estaríamos caminhando para um novo cenário, com passos
firmes, no qual a Propriedade Intelectual seria enxergada como deve ser: um
instrumento que serve de alavanca para uma sociedade avançada em termos sociais
e econômicos.
El objetivo de la
prospectiva (…) no es predecir lo que va a suceder – el futuro es incierto y
transformable – sino comprender las lógicas del cambio, para anticipar y preparar
a tiempo y producir las rupturas necesarias para que se produzcan ciertas
transformaciones. Se ocupa de poner en evidencia las consecuencias colocadas muchas
veces en futuros no visualizados, en un presente que debe hacerse cargo de
todas sus implicancias (oportunidades y riesgos), y no apenas de algunas de
ellas (págs.38 e 39).