domingo, 25 de fevereiro de 2018

O PAPEL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL NO DESENVOLVIMENTO DO URUGUAI: DIAGNÓSTICO E PERSPECTIVA

No ano de 2010 algumas instituições do governo uruguaio reuniram-se para desenvolver um estudo que pudesse apontar os desafios que aquele país deveria enfrentar de maneira a ter um desenvolvimento social, econômico e tecnológico que tivesse como eixo principal o estabelecimento e uso de uma política nacional de propriedade intelectual. Tais instituições – Agência Nacional de Pesquisa e Inovação, Escritório de Planejamento e Orçamento da Presidência da República, com o apoio ainda da Direção Nacional de Propriedade Industrial, unidade vinculada ao Ministério de Indústria, Energia e Mineração e do Professor Carlos Correa, argentino com grande reconhecimento pelo tema – a partir ainda do auxílio financeiro do Programa “Unidos na Ação” (UNA) da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (UNIDO) e da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, alcançaram o objetivo em pelo menos traçar um retrato que pode vir a ser útil se efetivamente implantado.

Passados 8 (oito) anos desta iniciativa, ao ler o livro que surgiu a partir deste trabalho, pode-se perceber que muito do que foi identificado naquela ocasião serve como espelho para os demais países da América Latina. Desafios similares, dificuldades e limites muitas vezes idênticos quase nos levam a afirmar que as soluções que foram apontadas muito provavelmente também são próximas do que poderiam ser adotadas por outras nações. Claro que cada um dos países, ao observar o que foi descrito, perceberá que as devidas adaptações têm que ser feitas as suas próprias realidades.

Agora, uma questão surge de imediato: o que mudou nos últimos anos que poderia afetar diretamente o diagnóstico então alcançado? Naquela ocasião o mundo recém acabava de ser sacudido por mais uma crise econômica – aquela gerada pelo mercado imobiliário norte-americano e suas subprimes. Mas tinha-se a consciência de que o desenvolvimento de políticas industriais sólidas, em que pese as dificuldades identificadas, poderiam ser o alicerce necessário para o grande salto uma vez resolvidas as questões de curto-prazo.

No caso uruguaio, a interlocução entre os agentes, dado o diminuto espaço geográfico, diz o bom senso deveria ser facilitado por uma proximidade física. Mas nunca se deve esquecer que em políticas públicas – e isso não é uma exclusividade da banda oriental do Rio da Prata – a boa vontade dos tomadores de decisão faz uma grande diferença. Porém, muitas vezes esses tomadores se veem pressionados pelas tais questões de curtíssimo prazo, o que os leva a buscar resultados somente neste horizonte, relegando a segundo plano estratégias que viriam a dar resultado somente no longo prazo, e desviando-os do curso desejado.

Esta triste realidade, infelizmente, ainda nos cerca a todos como latino-americanos, o que indica que a resposta à pergunta acima é de que pouco mudou. Observando-se as negociações comerciais que nos vemos envolvidos, sendo, ainda, países não possuidores de uma indústria de base tecnológica vasta e bem desenvolvida, nos voltamos como prioridade máxima à obtenção de mercados para os nossos produtos primários – agrícolas ou de minério. Compartilhamos este mesmo ensejo muitas vezes, e de tão enredados não conseguimos nos desvencilhar de tal lógica dado não termos cumprido, por vezes, as estratégias básicas de proteção de nossas economias – com a diversificação das indústrias internas - que nos permitiriam a solidez para ultrapassar as crises econômicas mundiais sem ter que reverter nossas decisões em favor de resolver questões prementes que poderiam desestabilizar nossos mercados preferenciais e a sociedade em geral a qual estamos inseridos.

O grande mérito do trabalho realizado naquela ocasião, então, pelos especialistas do Uruguai, foi estabelecer um marco, uma semente que poderá vir a ser útil no futuro, quando um ambiente favorável, tanto externamente quanto internamente, ao diagnóstico e às soluções apresentadas surja, fazendo que as soluções propostas frutifiquem. Da seção denominada Agenda Estratégica (págs. 133-139) se podem tirar as seguintes conclusões como ações necessárias – no caso específico se referem ao Uruguai, mas vamos tomar a liberdade de expandir os conceitos para toda América Latina:

Ø   Colocar a Propriedade Intelectual como marco (eixo) das políticas de desenvolvimento de nossos países;
Ø  Desenvolver estudos setoriais de impacto que permitam tomar decisões estratégicas;
Ø Abrir espaço, nas negociações internacionais, para a livre circulação de bens e serviços;
Ø  Fortalecer a conduta inovadora das empresas, fomentar a pesquisa para buscar solucionar problemas de interesse nacional (regional), e vincular os centros de pesquisa e a academia com as empresas;
Ø Contar com recursos humanos com qualificação em áreas específicas assim como em Propriedade Intelectual;
Ø  Desenvolver o empreendedorismo e a inovação, aumentando o conhecimento sobre Propriedade Intelectual como base para este processo;
Ø Dar condições para que as instituições governamentais especializadas em Propriedade Intelectual e Inovação possam atuar para o desenvolvimento de tais políticas, ao abrigo de estratégias financeiras e administrativas favoráveis, mesmo em meio às crises econômicas, observando o ganho sustentado a longo prazo que a sociedade terá;
Ø  Desenvolver as capacidades de gestão dos ativos intangíveis pelos diversos atores dos sistemas de inovação, principalmente por intermédio de diagnósticos pautados pela informação tecnológica disponível – em documentos de patente, por exemplo; e
Ø  De modo a dar o devido retorno à sociedade, equilibrar os direitos entre os desenvolvedores de tecnologia e seus usuários, de modo a não gerar distorções de mercado, e propiciar acesso ao conhecimento para impulsionar o desenvolvimento tecnológico por intermédio de uma maior multiplicidade de atores.

Para os leitores que queiram estudar um pensamento que pode gerar discussões interessantes em relação aos países latino-americanos, também fica o exemplo de um esforço interno efetuado por um país para melhor compreender suas condições de ação. Imaginemos nós se um dia, em conjunto, todos caminhassem na mesma toada, a partir de uma percepção comum da necessidade da estruturação de um mercado tecnológico para a região inteira, com os mesmos objetivos, ao invés de buscarem lutar por espaços próprios, a partir de interesses individualizados? Tenho certeza de que aí estaríamos caminhando para um novo cenário, com passos firmes, no qual a Propriedade Intelectual seria enxergada como deve ser: um instrumento que serve de alavanca para uma sociedade avançada em termos sociais e econômicos.


El objetivo de la prospectiva (…) no es predecir lo que va a suceder – el futuro es incierto y transformable – sino comprender las lógicas del cambio, para anticipar y preparar a tiempo y producir las rupturas necesarias para que se produzcan ciertas transformaciones. Se ocupa de poner en evidencia las consecuencias colocadas muchas veces en futuros no visualizados, en un presente que debe hacerse cargo de todas sus implicancias (oportunidades y riesgos), y no apenas de algunas de ellas (págs.38 e 39).