Orgulho.
Se tiver um traço que distingue o povo uruguaio é o orgulho por sua própria
história. Nós, brasileiros, se temos algo que nos vincula a eles poderíamos
dizer o traço máximo com o qual contribuímos para esse sentimento não advém de
nenhum conflito bélico, mas sim do esporte: o Maracanazo da Copa do Mundo de
1950 permanece como uma das bandeiras em termos de exemplo do que o Uruguai
pode alcançar.
Este
sentimento está explícito na obra “12 Huellas Celestes – Uruguay en los
Mundiales” (12 Pegadas Celestes – Uruguai nas Copas do Mundo – tradução livre),
de Alfredo Etchandy – Ediciones B Uruguay S.A. – 2014 – 191 páginas. Livro
produzido e lançado 6 meses antes da última Copa do Mundo realizada no Brasil,
peca pelas expectativas, a meu ver exageradas, em relação às possibilidades do
selecionado celeste no torneio citado. Porém, esta é uma questão de fundo, a
qual abordarei com calma mais para o final. Existem algum poucos erros de forma
– traço infelizmente comum das obras literárias dedicadas ao futebol – mas que
não atrapalham o excelente resultado de pesquisa histórica sobre o próprio
esporte e a participação uruguaia nos Mundiais.
Assim,
diria que o grande mérito do autor, alguém extremamente envolvido com os
esportes, sendo um dos mais reconhecidos jornalistas esportivos do Uruguai, com
sólida formação em Sociologia, Etchandy nos apresenta nos 3 primeiros capítulos
– FIFA¹ / Os Jogos Olímpicos / a Copa do Mundo – dados históricos pinçados que
nos dão a dimensão exata, mesmo que não detalhada, de cada um dos atos
necessários para que o futebol se transformasse no que é hoje em dia. Desta
forma, estava construído o cenário no qual o Uruguai brilharia, principalmente
na primeira metade do século passado.
Alguns
dados interessantes, por exemplo:
·
A
origem comum entre o rúgbi e o futebol – (...)
el 24 de octubre de 1863, cuando se efectuó uma reunión con participación de
varios colegios e instituciones deportivas [britânicas]. La mayoría se pronuncio por la no utilización de las manos, creando
las primeras reglas. (...) Los seguidores de la otra corriente , algunos años
después, establecieron las reglas del football rugby, por lo que ambos deportes
quedaron definitivamente separados y pasaron a transitar caminos diferentes.
(pág. 10);
·
O
fato da Confederação Sul-Americana, criada em 1916, ser bem mais velha que a
União Europeia de Futebol (UEFA), que foi estabelecida somente em 1954 (pág.
13);
·
E
o enaltecimento das duas medalhas de ouro olímpicas – 1924 e 1928 ganhas pelo
Uruguai - como verdadeiros campeonatos mundiais, uma vez que a Copa do Mundo
ainda não havia sido criada naquela ocasião (foi disputada pela primeira vez e
ganha pelo país anfitrião – o próprio Uruguai – em 1930) – pág. 14 – com o
devido reconhecimento da FIFA de tal entendimento a partir de seu Congresso
realizado em 1914.
Este
último ponto já faz a ponte direta com o outro aspecto por mim citado com um
dos principais elementos da obra, que é a exposição do orgulho uruguaio de sua
própria história. O tom vai num crescente nos capítulos seguintes – Uruguai nas
Eliminatórias / Uruguai na Copa do Mundo / Brasil 2014 / Análise FOFA² Celeste
/ Conclusões.
O
levantamento histórico feito pelo autor – cada um dos jogadores uruguaios que
participou de cada uma das partidas em cada um dos Mundiais, assim como de sua
fase eliminatória, uma vez criada – atende aos leitores aficionados pelo tema,
principalmente os nascidos naquele país. Ou seja, um livro que caía como uma
luva às vésperas do torneio mundial – objetivo que fica claro pelos 3 capítulos
finais.
Estes
denotam um otimismo imenso com relação às possibilidades uruguaias. O autor
chega a elencar uma série de fatores que indicavam o motivo porque acreditava
na possibilidade de conquista do campeonato:
·
Na
América sempre triunfam os americanos – a Alemanha provou o contrário. Este
argumento, estatístico, se perde em meio ao processo evolutivo e de disparidade
em termos de organização do atual estágio de administração do negócio futebol.
Se perder em meio a história é um grande pecado para um analista;
·
Colocou
que entre os sul-americanos somente Brasil, Argentina e Uruguai teriam chances.
Em que pese a eliminação precoce de Colômbia e Chile parecerem lhe dar razão,
não se pode negar a evolução tática e técnica destas equipes;
·
Utiliza
o ranking da FIFA – o Uruguai estava em 6º na ocasião do lançamento do livro –
como um referendo para suas possibilidades, quando todos nós sabemos que
classificações como essas são mera estatística, sendo o futebol tão querido
justamente por ser um esporte em que o mais fraco pode subverter o rumo da
História;
·
Ressalta
mais de uma vez que o Uruguai já havia sido campeão no Brasil. Uma coisa é ter
orgulho de uma façanha. Outra é fazer uma análise fria das possibilidades reais
de vitória. Nós, brasileiros, sabíamos não ser os favoritos contra a Alemanha –
em que pese não adiantarmos o 7 x 1, marca indelével que teve apenas um fator
positivo: ter deixado de lado, para nós, o 2 x 1 de 50 como um mal menor.
Estes
foram os principais pontos de uma série de 19 (dezenove)! Porém todos giraram
em torno dos raciocínios acima apresentados. Acrescentaria ainda a confiança
num grupo de jogadores que já havia apresentado seu valor em torneios
anteriores – Uruguai foi o último campeão sul-americano, em 2011, na Argentina,
além de ter ficado em 4º lugar no último mundial. Esqueceu-se mais uma vez que
alguns anos haviam se passado e nada poderia garantir que tal desempenho se
repetiria.
Agora,
uma ressalva deve ser feita: fato é que o Uruguai, até o fenômeno da mordida de
Suaréz, seu principal atacante, no jogo contra a Itália, ainda pela primeira
fase, vinha cumprindo um belo campeonato, eliminando tanto a equipe Azzurra
quanto a Inglaterra, favoritas para o grupo, derrubando inclusive o tabu de não
vencer equipes européias em Mundiais que já alcançava mais de 40 anos. Enfim,
como o próprio autor sinalizou logo no início de sua obra: El optimismo es un componente tradicional antes de cada participación,
pero la verdad estará representada con lo que pase en el verde césped (pág.
8).
Observações:
A
– A seleção brasileira de 1982, a que encantou minha geração no Mundial da
Espanha, deixando sua marca perante todo o resto do mundo, também é citada por
Etchandy: Brasil jugó un fútbol exquisito
en matéria de ataque, pero con debilidades defensivas. El técnico era Telê
Santana que nunca renunció al aspecto ofensivo. Eso le costó muy caro con
Italia y cuando parecia que tênia clasificación asegurada perdió por 3 a 2
quedando afuera de torneo. Zico, Falcao, Toninho Cerezo y Sócrates eran las
figuras del equipo. (pág. 61). Para aqueles que não conhecem o espanhol, exquisito significa muito bom.
B
– Dois erros em termos de informação foram por mim identificados: o primeiro
diz respeito às participações do lateral direito Cafu nas finais dos mundiais
de 1994, 1998 e 2002. A frase utilizada pelo autor foi – “Cafú logro jugar tres
instancias tan trascendentes, pero solamente triunfo en las dos primeras
cayendo en la restante” (pág. 91). Na verdade Cafu perdeu a final de 1998 –
Brasil 0 X França 3. O Brasil, tendo a sua presença, ganhou as finais de 1994 –
vitória nos pênaltis sobre a Itália, após empate no tempo normal e na
prorrogação (Cafu entrou no decorrer do jogo, no lugar do lateral titular,
Jorginho) – e de 2002 – Brasil 2 x 0 Alemanha.
C
– O segundo erro (ou omissão, como preferir) diz respeito às regras de
convocação de jogadores para o torneio olímpico de futebol masculino. O autor
prefere apontar somente para a mudança de regra a partir do torneio de 1992,
disputado em Barcelona, Espanha, quando passou a vigorar a orientação atual –
seleções sub-23, tendo a possibilidade de convocação de 3 jogadores acima de 23
anos (págs. 18 e 34). Porém, durante os torneios de 1984 (Los Angeles) e 1988
(Seul) já houve uma mudança em relação à aceitação de jogadores profissionais.
Até então não era permitida a participação destes, o que favorecia os países da
antiga Cortina de Ferro, que levavam os seus principais plantéis enquanto os
países do Ocidente somente podiam comparecer com jogadores juniores. Em 1984 e
1988 os países podiam levar jogadores profissionais, mas desde que eles não
tivessem participado de Copas do Mundo - http://www.bolanaarea.com/gal_olimpiadas.htm
. O Brasil, por exemplo, em 1988, contava em seu plantel com Andrade
(Flamengo). Em 1984 fomos representados praticamente pela equipe do
Internacional de Porto Alegre, acrescida de Gilmar Popoca, do Flamengo.
D
– Por último, acredito que todo um capítulo dedicado ao número 12 seria
dispensável – págs. 155-159.
(2) Análise
FOFA – Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças. Metodologia de análise
utilizada comumente no campo da Administração de Empresas aqui aplicada ao
selecionado uruguaio que se preparava para o Mundial no Brasil.