A
proximidade com a religião, mais especificamente com a fé católica, reavivou em
mim a curiosidade em torno de suas origens e evolução. Nesse sentido, quando vi
a obra “Uma Breve História do Cristianismo”, de Geoffrey Blainey (Ed.
Fundamento – 2012 – 335 páginas), não hesitei em adquiri-la. O autor igualmente
escreveu o livro “Uma Breve História do Mundo”, seu best-seller e que o alçou ao panteão de historiadores reconhecidos
mundo afora.
Porém,
o desafio a que se propõe navega por mares caudalosos, normais quando se trata
de religião. Observem os temas destacados na contracapa do livro:
Qual a origem dos Evangelhos e o que
se sabe a respeito daqueles que o teriam redigido?
Que fatos levaram a disseminação do
Cristianismo ao redor do mundo?
E qual o papel de outros personagens
desta história, como Francisco de Assis, Martinho Lutero, John Wesley, João
Paulo II e até os Beatles?
Ou
seja, a partir daí se esclarece a primeira dúvida que poderia surgir na cabeça
do leitor. O autor na verdade fala sobre o Cristianismo e suas diversas
vertentes – Católica, Ortodoxa e Protestante – assim como sua influência sobre
outros aspectos e religiões. O tema é tão abrangente e profundo que poderia ser
considerado, para ser rico em detalhes, a obra de uma vida.
Mas
o objetivo do autor não era esse. Se tem uma crítica que pode ser falsa é a
superficialidade do livro. Isto é uma característica. Ele dá uma breve
introdução ao tema – daí o termo “Breve” no título – deixando ao leitor o gosto
de “quero mais”. Aqueles que se sentirem instigados por um dos temas tocados
deverão, por sua própria conta, assim, se aprofundar em seu estudo. Outro
aspecto a se destacar logo no início é de que uma obra de História, ou seja, o
aspecto de análise político-científica se sobrepõe, na maior parte do tempo, às
avaliações de cunho religioso.
Esta
é a crítica mais geral que podemos fazer a esta obra. Mas, dado que estamos tão
próximos de uma data importante – o Natal – acho que vale a pena buscar apontar
para vocês outros aspectos que me chamaram atenção, e que sabe ajudar o
professor Blainey, como o faz em Harvard e Melbourne, a instigar alguns nessa
jornada.
Vale aqui uma
pequena crítica de forma: logo no início do livro é disposto em um mapa as 10
nações de maior população cristã em números absolutos- Estados Unidos, Brasil,
México, Rússia, Filipinas, Nigéria, República Democrática do Congo, China,
Itália e Etiópia. Acredito que o mais correto seria uma avaliação percentual.
A Bíblia e as
Circunstâncias que a Cercam
Uma
das questões que giram em torno do Cristianismo é como um dos seus símbolos de
maior penetração foi construído. A Bíblia, na verdade um conjunto de livros (1),
é o meio pelo qual a mensagem de Jesus Cristo se propagou pelos 4 cantos do
mundo. Hoje em dia já se tem a exata noção do papel do entorno histórico em sua
constituição. Histórias foram adaptadas para que, com as características
daquele tempo, fossem mais facilmente assimiláveis pelos ouvintes – história
oral, antes da reprodução escrita – e leitores futuros. As cenas ali descritas
diziam respeito a uma realidade vivida e ainda muito vívida para o
público-alvo. O Antigo Testamento teria, por exemplo, sido escrito com o
seguinte contexto:
Deus dominava a
cultura judaica. Era o Deus dos judeus, embora não exclusivamente. Chamado “O
Eterno”, era invisível e imortal, detentor de enorme poder e conhecimento e de
uma imensa capacidade de sentir amor e raiva. Tendo criado o ser humano à sua
imagem, tendo-o dotado do livre-arbítrio, concedeu-lhe o direito de escolher
entre o bem e o mal. Se obedecesse às leis de Deus, seria ajudado por Ele. Deus
era o pai; os judeus, os filhos: os filhos de Israel. A maior parte dos hinos
que eles cantavam – os salmos – tinham sido compostos durante o exílio na
Babilônia e o triunfante retorno a Jerusalém. Por experiência própria, podiam
afirmar confiantemente: “Deus é nossa força e nosso refúgio, um auxílio sempre
presente na adversidade”. (pág. 18)
Tal
coletânea, porém, tinha que ter, para sua penetração ser bem sucedida, o uso de
uma língua dominante naqueles tempos. Caso fosse constituída hoje em dia, em
qual idioma o seria? Inglês, muito provavelmente. Alguns exemplos foram
pontuados pelo autor, de como o grego teria então predominado, influenciando
muitos dos ritos modernos e denominações utilizados ainda hoje em dia:
Atualmente,
palavras gregas ainda são importantes nas igrejas católicas e na maior parte
das protestantes, além, é claro, da igreja ortodoxa. “Cristo” e “Bíblia” são
palavras gregas. “Anjo” tem origem grega, com o significado de mensageiro.
Depois da morte de Cristo, os doze discípulos foram honrados com o nome grego
de “apóstolos”, e mais tarde Paulo e Barnabé – um judeu de Chipre – receberam o
mesmo título. “Bispo” vem do grego, em que significa “inspetor”. “Eucaristia”,
a principal cerimônia da igreja cristã, é a palavra grega para “ação de
graças”. “Pentecostes” também é do grego, e quer dizer 50 dias depois da
Páscoa. Ainda hoje, em locais diversos aonde chegou a doutrina cristã, ouve-se
a oração “Senhor, tem piedade” em sua versão grega, “Kyrie eleison”. (pág. 48)
De
todo modo, já no Novo Testamento, quando se tem o testemunho dos dias de Cristo
na Terra, a Bíblia apresenta então, por intermédio dos Evangelhos, um Deus mais
preocupado com a pregação da mensagem, com o espírito que queria deixar como
herança para a humanidade, do que com regras rígidas. Isso era algo que deveria
transcender questões de forma e idiomáticas, pois seria algo inteligível em
qualquer língua:
O jejum, adotado
pelo cristianismo, vem de um ramo do judaísmo. Os fariseus jejuavam nas
segundas-feiras e nas quintas-feiras. O próprio Cristo, pelo que se sabe, não
enfatizava a prática regular do jejum, embora tivesse jejuado enquanto meditava
e orava no deserto. Ele compareceu a tantos casamentos, ceias e banquetes, que
fica difícil vê-lo como um adapto do jejum extremo. Além disso, ele acreditava
mais no espírito do que nas regras. (pág. 59)
Nesse
trecho acima citado, fica mais claro do que nunca a veia do historiador do
autor, se atendo aos fatos e circunstâncias, deixando de lado a crença e regras
ditadas por quaisquer das religiões citadas.
De
todo modo uma semente havia sido plantada por um homem chamado Jesus Cristo e
ela viria a frutificar tão intensamente que é inegável sua influência sobre a
cultura dos povos até os dias de hoje:
Muito antes da
era moderna do ativismo agnóstico, mentes ricas em inteligência questionavam ou
defendiam a precisão e a autenticidade dos primeiros manuscritos, para
selecionar os melhores. Até o século XX, mais horas de estudo foram dedicadas à
vida de Jesus do que à Física, à Química e talvez a todas as ciências
combinadas. Em meio a tanta controvérsia, a maioria dos cristãos chegou a um
acordo. Eles acreditam que um homem chamado Jesus viveu e morreu, e que sua
vida e seu espírito transmitiram uma mensagem fascinante. (pág. 51)
Mas
será que tal mensagem passou incólume às diatribes políticas?
Questões
Mundanas e o Cristianismo
Uma
das grandes contendas que permanece até os dias de hoje é a que opõe o
Cristianismo e o Islamismo, como se duas religiões fossem excludentes e não
pudessem conviver. Isso é um total contrassenso, dado que está na origem de
todas as religiões a tolerância e o bem viver para com o outro. Porém entende o
autor, ao contrário, que tal característica é recente:
Um aspecto que
nos intriga atualmente é o fato de a tolerância não figurar, naquela época
[século XVI], como objetivo no universo de cristãos, hindus, budistas,
chineses, astecas ou incas. A ampla tolerância religiosa é quase uma invenção
dos tempos modernos – praticamente impensável séculos atrás. O importante era
sustentar a visão religiosa apropriada, e não a liberdade de rejeitá-la. O
direito de desobedecer ao governo e à Igreja, o direito de ser livre em matéria
de consciência, são preceitos que surgiram muito lentamente, depois de fortes
tensões provocadas pela Reforma. (pág. 221)
Porém,
ora os cristãos por intermédio das cruzadas, ora os muçulmanos no seu processo
de tomada de grande parte da Europa, valeram-se do suporte religioso para
validar seus interesses políticos. E o autor aponta para alguns destes fatos:
Maomé combinava
intensas visões religiosas a ambiciosos objetivos militares. Para estabelecer
uma base segura na Arábia central, empregou o poderio bélico na conquista de
Meca, em 630. Ele morreu dois anos depois. Seus seguidores muçulmanos,
orgulhosos nacionalistas árabes, interessados ao mesmo tempo em progresso
religioso e econômico, ampliaram suas vitórias. O sucesso veio rapidamente, em
parte porque avançaram sobre as pegadas das recentes conquistas dos persas em
muitas regiões da Ásia Menor e do Egito. Os habitantes de várias dessas regiões
preferiam os muçulmanos aos persas. Até certos setores do cristianismo receberam
relativamente bem os exércitos muçulmanos. (pág. 91)
Obviamente
o autor corre um sério risco neste trecho de sua obra, sob a possibilidade de
resvalar para um preconceito arraigado na cultura ocidental. Porém, por todo o
livro ele pontua o uso indevido da prática religiosa ora por um determinado
grupo, ora por outro. As mulheres, por exemplo, formam uma classe que muito
sofreu pelo mau uso e o pouco entendimento dos leigos sobre os preceitos do
Cristianismo, tendo o povo muitas vezes sido massa de manobra, mesmo para
resolver questiúnculas:
Em uma notória
atividade durante a Reforma, as mulheres estiveram em evidência. Mais do que os
homens, elas eram acusadas de bruxaria. De cada quatro condenados à morte por
bruxaria, três eram mulheres, e a acusação tinha partido de outras mulheres.
Essas acusações freqüentemente aconteciam depois de disputas e brigas
domésticas, e eram acirradas por diferenças religiosas. (pág. 219)
A
força das palavras embutidas no modo de vida cristão teria sido assim testado
ao extremo para sobreviver a tantos desvios de sua real mensagem. Os caminhos
trilhados poderiam ser diversos, mas o fim não poderia ser esquecido. A Igreja
Ortodoxa, tão pouco conhecida pelo Ocidente, é um exemplo de tal fato. “Durante
séculos, a Igreja Ocidental, baseada em Roma, foi o ramo mais fraco do
cristianismo. Foi também a que menos se expandiu. Seus bispos não percebiam o
vigor do avanço dos missionários ortodoxos pelo interior da Europa Oriental, em
direção à Sibéria”. Sua influência nos Balcãs chega até ao ponto de ser
considerada a precursora da literatura eslava, a partir do momento em que dois
irmãos, Cirilo e Metódico (o nome não poderia ser mais apropriado) “traduziram
os documentos e liturgias principais para a língua eslava, inclusive criando um
alfabeto” (pág. 104).
Distinto
é o modo de vida na Igreja Ortodoxa – padres e religiosos de baixo escalão
podem casar (já bispos têm que deixar a mulher, que entra para um convento),
participando ativamente da vida regular dos pequenos povoados em que se inserem.
Somente este aspecto os tornou no passado extremamente fortes em passar a
mensagem adiante perante as comunidades das quais eram membros. Por outro lado,
a Igreja Católica Ocidental convivia com o isolamento de seus representantes e
com práticas avessas ao que pregavam, inclusive possuindo amantes (pág. 97).
De
todo modo, com o passar dos anos a modernidade e a flexibilidade se fizeram
necessárias para que a Igreja Católica avançasse. Mesmo o embate perante a
ciência demonstrou-se falso, dado que no próprio seio religioso surgiram as
primeiras universidades. “Os cristãos provavelmente não fizeram questão de
enfrentar as bem equipadas forças da ciência. Afinal, os sérios equívocos na
cronologia da história da Terra não eram suficientes para abalar suas crenças”
(pág. 287). O Concílio Vaticano II (1962-1965) foi o maior exemplo desta
guinada.
Como administrar
uma enorme instituição global como aquela, em um mundo que passava por mudanças
drásticas? (...) O latim foi eliminado da liturgia, substituído pela língua
local ou nacional, (...). Na missa, o padre passou a ficar de frente para as
pessoas; até então, ele ficava de costas para a assistência e de frente para o
altar. Foi admitido um novo tipo de música, mas leve; (...). (Pág. 307)
Algo
que por vezes se escapa às pessoas é que em nenhum momento foi afirmado por
Cristo – pelo menos nas palavras registradas – de que sua Igreja seria
estática. A constante evolução deve ser sempre em prol da mensagem maior de
amor entre todos. Para os judeus, desde sempre Deus era justo. “Seu amor
ilimitado e eterno foi citado duas dúzias de vezes no salmo 136. (...) Se seu
mundo fosse arrasado por um desastre natural, ou um conquistador estrangeiro
invadisse sua terra, eles acreditavam ter merecido. Foram essas crenças
judaicas que Jesus absorveu desde criança. Algumas ele reformulou mais tarde,
quase ao fim de sua curta vida, mas aceitou instintivamente e seguiu
sinceramente a maior parte delas” (pág. 19).
Conclusão
Alguns
de vocês sabem que sou católico praticante. Minha fé, em que pese as leituras
elucidativas da origem da minha religião, não foi abalada de forma nenhuma.
Continua forte. Creio, porém, ser necessário ter tal conhecimento até mesmo
para poder dialogar com quaisquer pessoas, preservando o bem estar e o bom
convívio entre todos.
Pouco
citei as inúmeras passagens e exemplos dos credos protestantes existentes no
livro. Mas tal não foi proposital, pois como dito no começo desta resenha, o
autor pouco se aprofundou em cada uma delas. Preferi destacar aqui aspectos de
cunho mais universal, que afetam a todos, dúvidas muitas vezes existentes e que
poucos têm coragem de externar. Creio, deste modo, ser útil o livro e estes
comentários como um guia inicial de estudos para quem queira seguir adiante
nestes temas.
Por
último, vou destacar uma passagem que exemplifica a filosofia cristã, que para
mim é o que de mais importante se deve preservar – acredito que não por acaso
se encontrava logo no início da obra:
Jesus transmitia
uma mensagem de amor. Todo mundo merecia ser amado: jovem e velho, mulher e
homem, de todas as etnias. Romanos e judeus. Ele mesmo amou o doente, o
deficiente e o saudável, o criminoso e o justo. Até os coletores de impostos
que sustentavam o Império Romano tinha direito a receber amor. “Assim vos digo:
amai os vossos inimigos, abençoai os que vos maldizem, fazei o bem a quem vos
odeia”. Esse era o modo como Jesus expressava sua benevolência –
inimaginavelmente ampla, na visão da maioria das pessoas.
(1) “(...)
na realidade se trata de um conjunto, de uma coleção de livros; com efeito, são
dezenas de livros recolhidos num só volume, exatamente 73, divididos em duas
partes, como em duas estantes de uma livraria:
·
Antigo
Testamento:
46 livros, escritos antes do nascimento de Jesus;
·
Novo Testamento: 27 livros,
escritos depois da ressurreição de Jesus.
(...)
Antigo
Testamento
·
Pentateuco: os primeiros
cinco (penta) livros, considerados fundamentais para vida de fé e para vida
social dos judeus, e por isso chamados também de Lei;
·
Livros
históricos:
são 16 e ocupam a maior parte do Antigo Testamento;
·
Livros
sapienciais:
são sete; importância maior reveste o livro dos 150 Salmos, que é o livro de oração dos judeus e dos cristãos;
·
Livros
proféticos:
são 18 livros (17 com nome de algum profeta e as Lamentações);
Novo
Testamento
·
4
Evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas,
João;
·
21
Cartas: 13 de São Paulo, três de
João, duas de Pedro, uma de Tiago, uma de Judas, irmão de Tiago, e a carta aos Hebreus;
·
Atos dos Apóstolos de Lucas;
·
Apocalipse de João, o
Evangelista.
(...)
Estes
livros que acabamos de enumerar estão em todas as Bíblias? Todas as bíblias são
iguais? Não, nem todas as bíblias são iguais. A Bíblia Católica tem 73 livros.
A Bíblia dos irmãos reformados, um pouco menos, pois faltam alguns livros do
Antigo Testamento (AT), tais como: Sabedoria, 1º e 2º livros dos Macabeus,
Judite, Tobias, Eclesiástico, Baruc, os capítulos 11-16 de Ester e os capítulos
13-14 do livro de Daniel.
Por
que estas diferenças? (...) É que temos duas versões do AT: uma em aramaico (a língua dos judeus) e a outra
em grego, naquele tempo a língua
dominante, como hoje é o inglês. Esta versão é chamada também dos Setenta (que teria sido traduzida por 70
sábios) e tem mais livros; foi feita para ajudar os judeus que viviam fora do
seu país, a Palestina, e que tinham contato com a cultura grega. Os judeus
ortodoxos e também os reformados (depois da separação da Igreja Católica por
parte de Lutero) usam somente o AT, que foi escrito em aramaico e que tem menos
livros, daí a diferença.
E
a Igreja Católica, quais das duas versões da Bíblia usa? Os católicos usam as
duas versões: o AT em aramaico e aquele em grego, e é por isso que a Bíblia
católica contém mais livros. E por que a Igreja Católica usa também o texto
grego da Bíblia? Porque ele já foi usado pelos autores do Novo Testamento,
pelos próprios Apóstolos. (...)” – Iniciação à Vida Cristã: eucaristia: livro
da família – Ed. Paulinas – 2013 – págs. 49-51.
Valeu, Leop! - via Facebook
ResponderExcluirBoa dica, Leo. Oportuna pela proximidade do Natal. E oportuna também pelo que parece ser o início de uma transformação da igreja católica a que está sendo promovida pelo Papa Francisco. O que se questiona é o quanto os princípios e dogmas podem ser alterados - via Facebook
ResponderExcluircurioso para comprar! grande abs! - via Facebook
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