segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Uma Breve História do Cristianismo

A proximidade com a religião, mais especificamente com a fé católica, reavivou em mim a curiosidade em torno de suas origens e evolução. Nesse sentido, quando vi a obra “Uma Breve História do Cristianismo”, de Geoffrey Blainey (Ed. Fundamento – 2012 – 335 páginas), não hesitei em adquiri-la. O autor igualmente escreveu o livro “Uma Breve História do Mundo”, seu best-seller e que o alçou ao panteão de historiadores reconhecidos mundo afora.

Porém, o desafio a que se propõe navega por mares caudalosos, normais quando se trata de religião. Observem os temas destacados na contracapa do livro:

            Quem foi Jesus? Um mito ou um homem de infinita sabedoria?
            Qual a origem dos Evangelhos e o que se sabe a respeito daqueles que o teriam redigido?
            Que fatos levaram a disseminação do Cristianismo ao redor do mundo?
          E qual o papel de outros personagens desta história, como Francisco de Assis, Martinho Lutero, John Wesley, João Paulo II e até os Beatles?

Ou seja, a partir daí se esclarece a primeira dúvida que poderia surgir na cabeça do leitor. O autor na verdade fala sobre o Cristianismo e suas diversas vertentes – Católica, Ortodoxa e Protestante – assim como sua influência sobre outros aspectos e religiões. O tema é tão abrangente e profundo que poderia ser considerado, para ser rico em detalhes, a obra de uma vida.

Mas o objetivo do autor não era esse. Se tem uma crítica que pode ser falsa é a superficialidade do livro. Isto é uma característica. Ele dá uma breve introdução ao tema – daí o termo “Breve” no título – deixando ao leitor o gosto de “quero mais”. Aqueles que se sentirem instigados por um dos temas tocados deverão, por sua própria conta, assim, se aprofundar em seu estudo. Outro aspecto a se destacar logo no início é de que uma obra de História, ou seja, o aspecto de análise político-científica se sobrepõe, na maior parte do tempo, às avaliações de cunho religioso.

Esta é a crítica mais geral que podemos fazer a esta obra. Mas, dado que estamos tão próximos de uma data importante – o Natal – acho que vale a pena buscar apontar para vocês outros aspectos que me chamaram atenção, e que sabe ajudar o professor Blainey, como o faz em Harvard e Melbourne, a instigar alguns nessa jornada.

Vale aqui uma pequena crítica de forma: logo no início do livro é disposto em um mapa as 10 nações de maior população cristã em números absolutos- Estados Unidos, Brasil, México, Rússia, Filipinas, Nigéria, República Democrática do Congo, China, Itália e Etiópia. Acredito que o mais correto seria uma avaliação percentual.

A Bíblia e as Circunstâncias que a Cercam

Uma das questões que giram em torno do Cristianismo é como um dos seus símbolos de maior penetração foi construído. A Bíblia, na verdade um conjunto de livros (1), é o meio pelo qual a mensagem de Jesus Cristo se propagou pelos 4 cantos do mundo. Hoje em dia já se tem a exata noção do papel do entorno histórico em sua constituição. Histórias foram adaptadas para que, com as características daquele tempo, fossem mais facilmente assimiláveis pelos ouvintes – história oral, antes da reprodução escrita – e leitores futuros. As cenas ali descritas diziam respeito a uma realidade vivida e ainda muito vívida para o público-alvo. O Antigo Testamento teria, por exemplo, sido escrito com o seguinte contexto:
 
Deus dominava a cultura judaica. Era o Deus dos judeus, embora não exclusivamente. Chamado “O Eterno”, era invisível e imortal, detentor de enorme poder e conhecimento e de uma imensa capacidade de sentir amor e raiva. Tendo criado o ser humano à sua imagem, tendo-o dotado do livre-arbítrio, concedeu-lhe o direito de escolher entre o bem e o mal. Se obedecesse às leis de Deus, seria ajudado por Ele. Deus era o pai; os judeus, os filhos: os filhos de Israel. A maior parte dos hinos que eles cantavam – os salmos – tinham sido compostos durante o exílio na Babilônia e o triunfante retorno a Jerusalém. Por experiência própria, podiam afirmar confiantemente: “Deus é nossa força e nosso refúgio, um auxílio sempre presente na adversidade”. (pág. 18)

Tal coletânea, porém, tinha que ter, para sua penetração ser bem sucedida, o uso de uma língua dominante naqueles tempos. Caso fosse constituída hoje em dia, em qual idioma o seria? Inglês, muito provavelmente. Alguns exemplos foram pontuados pelo autor, de como o grego teria então predominado, influenciando muitos dos ritos modernos e denominações utilizados ainda hoje em dia:

Atualmente, palavras gregas ainda são importantes nas igrejas católicas e na maior parte das protestantes, além, é claro, da igreja ortodoxa. “Cristo” e “Bíblia” são palavras gregas. “Anjo” tem origem grega, com o significado de mensageiro. Depois da morte de Cristo, os doze discípulos foram honrados com o nome grego de “apóstolos”, e mais tarde Paulo e Barnabé – um judeu de Chipre – receberam o mesmo título. “Bispo” vem do grego, em que significa “inspetor”. “Eucaristia”, a principal cerimônia da igreja cristã, é a palavra grega para “ação de graças”. “Pentecostes” também é do grego, e quer dizer 50 dias depois da Páscoa. Ainda hoje, em locais diversos aonde chegou a doutrina cristã, ouve-se a oração “Senhor, tem piedade” em sua versão grega, “Kyrie eleison”. (pág. 48)

De todo modo, já no Novo Testamento, quando se tem o testemunho dos dias de Cristo na Terra, a Bíblia apresenta então, por intermédio dos Evangelhos, um Deus mais preocupado com a pregação da mensagem, com o espírito que queria deixar como herança para a humanidade, do que com regras rígidas. Isso era algo que deveria transcender questões de forma e idiomáticas, pois seria algo inteligível em qualquer língua:

O jejum, adotado pelo cristianismo, vem de um ramo do judaísmo. Os fariseus jejuavam nas segundas-feiras e nas quintas-feiras. O próprio Cristo, pelo que se sabe, não enfatizava a prática regular do jejum, embora tivesse jejuado enquanto meditava e orava no deserto. Ele compareceu a tantos casamentos, ceias e banquetes, que fica difícil vê-lo como um adapto do jejum extremo. Além disso, ele acreditava mais no espírito do que nas regras. (pág. 59)

Nesse trecho acima citado, fica mais claro do que nunca a veia do historiador do autor, se atendo aos fatos e circunstâncias, deixando de lado a crença e regras ditadas por quaisquer das religiões citadas.

De todo modo uma semente havia sido plantada por um homem chamado Jesus Cristo e ela viria a frutificar tão intensamente que é inegável sua influência sobre a cultura dos povos até os dias de hoje:

Muito antes da era moderna do ativismo agnóstico, mentes ricas em inteligência questionavam ou defendiam a precisão e a autenticidade dos primeiros manuscritos, para selecionar os melhores. Até o século XX, mais horas de estudo foram dedicadas à vida de Jesus do que à Física, à Química e talvez a todas as ciências combinadas. Em meio a tanta controvérsia, a maioria dos cristãos chegou a um acordo. Eles acreditam que um homem chamado Jesus viveu e morreu, e que sua vida e seu espírito transmitiram uma mensagem fascinante. (pág. 51)

Mas será que tal mensagem passou incólume às diatribes políticas?

Questões Mundanas e o Cristianismo

Uma das grandes contendas que permanece até os dias de hoje é a que opõe o Cristianismo e o Islamismo, como se duas religiões fossem excludentes e não pudessem conviver. Isso é um total contrassenso, dado que está na origem de todas as religiões a tolerância e o bem viver para com o outro. Porém entende o autor, ao contrário, que tal característica é recente:

Um aspecto que nos intriga atualmente é o fato de a tolerância não figurar, naquela época [século XVI], como objetivo no universo de cristãos, hindus, budistas, chineses, astecas ou incas. A ampla tolerância religiosa é quase uma invenção dos tempos modernos – praticamente impensável séculos atrás. O importante era sustentar a visão religiosa apropriada, e não a liberdade de rejeitá-la. O direito de desobedecer ao governo e à Igreja, o direito de ser livre em matéria de consciência, são preceitos que surgiram muito lentamente, depois de fortes tensões provocadas pela Reforma. (pág. 221)

Porém, ora os cristãos por intermédio das cruzadas, ora os muçulmanos no seu processo de tomada de grande parte da Europa, valeram-se do suporte religioso para validar seus interesses políticos. E o autor aponta para alguns destes fatos:

Maomé combinava intensas visões religiosas a ambiciosos objetivos militares. Para estabelecer uma base segura na Arábia central, empregou o poderio bélico na conquista de Meca, em 630. Ele morreu dois anos depois. Seus seguidores muçulmanos, orgulhosos nacionalistas árabes, interessados ao mesmo tempo em progresso religioso e econômico, ampliaram suas vitórias. O sucesso veio rapidamente, em parte porque avançaram sobre as pegadas das recentes conquistas dos persas em muitas regiões da Ásia Menor e do Egito. Os habitantes de várias dessas regiões preferiam os muçulmanos aos persas. Até certos setores do cristianismo receberam relativamente bem os exércitos muçulmanos. (pág. 91)

Obviamente o autor corre um sério risco neste trecho de sua obra, sob a possibilidade de resvalar para um preconceito arraigado na cultura ocidental. Porém, por todo o livro ele pontua o uso indevido da prática religiosa ora por um determinado grupo, ora por outro. As mulheres, por exemplo, formam uma classe que muito sofreu pelo mau uso e o pouco entendimento dos leigos sobre os preceitos do Cristianismo, tendo o povo muitas vezes sido massa de manobra, mesmo para resolver questiúnculas:

Em uma notória atividade durante a Reforma, as mulheres estiveram em evidência. Mais do que os homens, elas eram acusadas de bruxaria. De cada quatro condenados à morte por bruxaria, três eram mulheres, e a acusação tinha partido de outras mulheres. Essas acusações freqüentemente aconteciam depois de disputas e brigas domésticas, e eram acirradas por diferenças religiosas. (pág. 219)

A força das palavras embutidas no modo de vida cristão teria sido assim testado ao extremo para sobreviver a tantos desvios de sua real mensagem. Os caminhos trilhados poderiam ser diversos, mas o fim não poderia ser esquecido. A Igreja Ortodoxa, tão pouco conhecida pelo Ocidente, é um exemplo de tal fato. “Durante séculos, a Igreja Ocidental, baseada em Roma, foi o ramo mais fraco do cristianismo. Foi também a que menos se expandiu. Seus bispos não percebiam o vigor do avanço dos missionários ortodoxos pelo interior da Europa Oriental, em direção à Sibéria”. Sua influência nos Balcãs chega até ao ponto de ser considerada a precursora da literatura eslava, a partir do momento em que dois irmãos, Cirilo e Metódico (o nome não poderia ser mais apropriado) “traduziram os documentos e liturgias principais para a língua eslava, inclusive criando um alfabeto” (pág. 104).

Distinto é o modo de vida na Igreja Ortodoxa – padres e religiosos de baixo escalão podem casar (já bispos têm que deixar a mulher, que entra para um convento), participando ativamente da vida regular dos pequenos povoados em que se inserem. Somente este aspecto os tornou no passado extremamente fortes em passar a mensagem adiante perante as comunidades das quais eram membros. Por outro lado, a Igreja Católica Ocidental convivia com o isolamento de seus representantes e com práticas avessas ao que pregavam, inclusive possuindo amantes (pág. 97).

De todo modo, com o passar dos anos a modernidade e a flexibilidade se fizeram necessárias para que a Igreja Católica avançasse. Mesmo o embate perante a ciência demonstrou-se falso, dado que no próprio seio religioso surgiram as primeiras universidades. “Os cristãos provavelmente não fizeram questão de enfrentar as bem equipadas forças da ciência. Afinal, os sérios equívocos na cronologia da história da Terra não eram suficientes para abalar suas crenças” (pág. 287). O Concílio Vaticano II (1962-1965) foi o maior exemplo desta guinada.

Como administrar uma enorme instituição global como aquela, em um mundo que passava por mudanças drásticas? (...) O latim foi eliminado da liturgia, substituído pela língua local ou nacional, (...). Na missa, o padre passou a ficar de frente para as pessoas; até então, ele ficava de costas para a assistência e de frente para o altar. Foi admitido um novo tipo de música, mas leve; (...). (Pág. 307)

Algo que por vezes se escapa às pessoas é que em nenhum momento foi afirmado por Cristo – pelo menos nas palavras registradas – de que sua Igreja seria estática. A constante evolução deve ser sempre em prol da mensagem maior de amor entre todos. Para os judeus, desde sempre Deus era justo. “Seu amor ilimitado e eterno foi citado duas dúzias de vezes no salmo 136. (...) Se seu mundo fosse arrasado por um desastre natural, ou um conquistador estrangeiro invadisse sua terra, eles acreditavam ter merecido. Foram essas crenças judaicas que Jesus absorveu desde criança. Algumas ele reformulou mais tarde, quase ao fim de sua curta vida, mas aceitou instintivamente e seguiu sinceramente a maior parte delas” (pág. 19).

Conclusão

Alguns de vocês sabem que sou católico praticante. Minha fé, em que pese as leituras elucidativas da origem da minha religião, não foi abalada de forma nenhuma. Continua forte. Creio, porém, ser necessário ter tal conhecimento até mesmo para poder dialogar com quaisquer pessoas, preservando o bem estar e o bom convívio entre todos.

Pouco citei as inúmeras passagens e exemplos dos credos protestantes existentes no livro. Mas tal não foi proposital, pois como dito no começo desta resenha, o autor pouco se aprofundou em cada uma delas. Preferi destacar aqui aspectos de cunho mais universal, que afetam a todos, dúvidas muitas vezes existentes e que poucos têm coragem de externar. Creio, deste modo, ser útil o livro e estes comentários como um guia inicial de estudos para quem queira seguir adiante nestes temas.

Por último, vou destacar uma passagem que exemplifica a filosofia cristã, que para mim é o que de mais importante se deve preservar – acredito que não por acaso se encontrava logo no início da obra:

Jesus transmitia uma mensagem de amor. Todo mundo merecia ser amado: jovem e velho, mulher e homem, de todas as etnias. Romanos e judeus. Ele mesmo amou o doente, o deficiente e o saudável, o criminoso e o justo. Até os coletores de impostos que sustentavam o Império Romano tinha direito a receber amor. “Assim vos digo: amai os vossos inimigos, abençoai os que vos maldizem, fazei o bem a quem vos odeia”. Esse era o modo como Jesus expressava sua benevolência – inimaginavelmente ampla, na visão da maioria das pessoas.

        (1)  “(...) na realidade se trata de um conjunto, de uma coleção de livros; com efeito, são dezenas de livros recolhidos num só volume, exatamente 73, divididos em duas partes, como em duas estantes de uma livraria:

·         Antigo Testamento: 46 livros, escritos antes do nascimento de Jesus;
·         Novo Testamento: 27 livros, escritos depois da ressurreição de Jesus.

(...)

Antigo Testamento

·         Pentateuco: os primeiros cinco (penta) livros, considerados fundamentais para vida de fé e para vida social dos judeus, e por isso chamados também de Lei;
·         Livros históricos: são 16 e ocupam a maior parte do Antigo Testamento;
·         Livros sapienciais: são sete; importância maior reveste o livro dos 150 Salmos, que é o livro de oração dos judeus e dos cristãos;
·         Livros proféticos: são 18 livros (17 com nome de algum profeta e as Lamentações);

Novo Testamento

·         4 Evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas, João;
·         21 Cartas: 13 de São Paulo, três de João, duas de Pedro, uma de Tiago, uma de Judas, irmão de Tiago, e a carta aos Hebreus;
·         Atos dos Apóstolos de Lucas;
·         Apocalipse de João, o Evangelista.

(...)

Estes livros que acabamos de enumerar estão em todas as Bíblias? Todas as bíblias são iguais? Não, nem todas as bíblias são iguais. A Bíblia Católica tem 73 livros. A Bíblia dos irmãos reformados, um pouco menos, pois faltam alguns livros do Antigo Testamento (AT), tais como: Sabedoria, 1º e 2º livros dos Macabeus, Judite, Tobias, Eclesiástico, Baruc, os capítulos 11-16 de Ester e os capítulos 13-14 do livro de Daniel.

Por que estas diferenças? (...) É que temos duas versões do AT: uma em aramaico (a língua dos judeus) e a outra em grego, naquele tempo a língua dominante, como hoje é o inglês. Esta versão é chamada também dos Setenta (que teria sido traduzida por 70 sábios) e tem mais livros; foi feita para ajudar os judeus que viviam fora do seu país, a Palestina, e que tinham contato com a cultura grega. Os judeus ortodoxos e também os reformados (depois da separação da Igreja Católica por parte de Lutero) usam somente o AT, que foi escrito em aramaico e que tem menos livros, daí a diferença.


E a Igreja Católica, quais das duas versões da Bíblia usa? Os católicos usam as duas versões: o AT em aramaico e aquele em grego, e é por isso que a Bíblia católica contém mais livros. E por que a Igreja Católica usa também o texto grego da Bíblia? Porque ele já foi usado pelos autores do Novo Testamento, pelos próprios Apóstolos. (...)” – Iniciação à Vida Cristã: eucaristia: livro da família – Ed. Paulinas – 2013 – págs. 49-51.

3 comentários:

  1. Valeu, Leop! - via Facebook

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  2. Boa dica, Leo. Oportuna pela proximidade do Natal. E oportuna também pelo que parece ser o início de uma transformação da igreja católica a que está sendo promovida pelo Papa Francisco. O que se questiona é o quanto os princípios e dogmas podem ser alterados - via Facebook

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  3. curioso para comprar! grande abs! - via Facebook

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