O
papel de quem analisa um texto muitas vezes é ingrato. Ingrato no sentido de
que, por questões de gosto, acaba sendo enviesado e não necessariamente imparcial. Por melhor que seja a obra, esta poderá sofrer críticas, pois ao olhar
de um ou de outro ela pode não se adequar a uma preferência de estilo.
Torto Arado, obra premiada de Itamar Vieira Júnior, ganhadora que foi dos prêmios Leya 2018, Oceanos e Jabuti, chegou a mim credenciada para ser um grande prazer, em que pese a dura mensagem passada. Editada pela Todavia em 2018, esta obra, classificada como romance da literatura brasileira, traça em suas 262 páginas a trajetória da dura vida da família das duas irmãs Bibiana e Belonísia, egressas de uma comunidade quilombola.
Marcadas por uma tragédia logo em seu princípio, aquilo que parecia ser algo a pesar em sua educação, acabou não esmorecendo a nenhuma das protagonistas em buscar seus objetivos. Mas cada uma delas trilhou um caminho diferenciado, se colocando a serviço de uma causa por reconhecimento da validade de uma luta tão comum àqueles que têm em sua história as mazelas de uma vida de dificuldades.
O livro se divide em 3 partes, sendo cada uma delas narrada por um personagem. As duas primeiras são divididas entre as duas irmãs, sendo a primeira – Fio de Corte – por Bibiana, a segunda, que dá nome ao livro (Torto Arado) por Belonísia; e a terceira e última, Rio de Sangue, por uma entidade. A prosa de Itamar Vieira Júnior, sem diálogos, direta, contínua, narra a estória com uma fluidez, em seções curtas, que prendem o leitor, principalmente nas duas primeiras partes. Uma obra que seria digna, no popular, de ser adaptada para uma novela das 18h, na Globo.
Porém, e aí chegamos à questão de gosto, creio que na última parte, entre flashbacks necessários para um melhor entendimento da estória em sua totalidade, parte para o que alguns classificam como realismo fantástico, dando a impressão de uma escolha a ser facilitada para o encerramento do que estava sendo descrito. Óbvio que as religiões afro são bem representadas, dada a raiz utilizada como linha central a ser traçada. Mas isso seria a melhor alternativa para dar o desfecho final ao enredo? Uma solução é sugerida, veladamente, para uma encruzilhada que se apresentava perante a família central da trama.
De todo modo, acredito também que determinados textos transcendem a uma bem querência de gosto estilístico. Torto Arado se presta a dar voz a uma parcela da população que vinha, a algumas centenas de anos, tendo suas tradições deixadas de lado em prol de um progresso de uma minoria. Pode até ser a semente de um melhor entendimento por parte daqueles que não tiveram a oportunidade travar conhecimento com o ambiente do outro, este sendo entendido como alheio ao mainstream.
Ela
te tira assim, enquanto leitor, da zona de conforto, em que pese ser ao mesmo tempo
atrativa. Não há como retirar da mesma a qualidade de fazer com que você fique
curioso com o final, mesmo que esse não seja exatamente aquele que almejamos.
Minha sensação, enfim, é de que o livro podia mais, mas não posso negar que ele
entrega o que promete desde a primeira página, o que eu considero um grande mérito.