Quando
comecei a ler o livro “Onze Anéis – a Alma do Sucesso”, do conhecido treinador
de basquete Phil Jackson, multicampeão da National
Basketball Association (NBA), a liga profissional de basquete dos Estados
Unidos, imaginava que seria mais uma daquelas obras de auto-ajuda, voltada a
aprimorar a gestão de equipes com base na experiência esportiva do autor – que contou
com a colaboração de Hugh Delehanty para a escrita. OK, o livro é isso, mas é
muito mais para um amante dos esportes. Do basquete então, o que direi!?
Ou
seja, este trabalho, publicado pela Editora Rocco em 2014, apresenta em suas 335
páginas não somente pensamentos abstratos, mas detalhes dos bastidores de 11
grandes campanhas de dois dos times mais emblemáticos deste esporte – Chicago Bulls,
com Michael Jordan em seu auge, e Los Angeles Lakers, assistindo o ápice do seu
mais recente ídolo, agora aposentado, Kobe Bryant. Claro, fala também das
derrotas, dificuldades e falhas das trajetórias não tão vitoriosas assim, mas
surpreende ao leitor como eu, que desavisado pensou que receberia somente uma
série de lemas e retórica, com um apanhado histórico, técnico e tático que nos
faz deliciar e melhor entender o que se passa durante um jogo de basquete.
Obviamente este também tem o lado negativo, já que nem todos os leitores serão
conhecedores a fundo das táticas de jogo e das regras nas quais estão
subordinadas. Para muitos quando a narrativa se prende no triângulo ofensivo,
ou na marcação dobrada, o sono pode advir, pois eles estão mais interessados na
interação humana do que nestes aspectos.
Phil Jackson (à esquerda) e Hugh Delehanty. |
De
toda forma, fiquei maravilhado com a surpresa que me foi proporcionada. E um
segundo fator inesperado me fez gostar mais ainda do livro – e de seu personagem
central, o próprio Phil Jackson. Foi o de saber que ele é um adepto da
meditação como prática central para o equilíbrio (1). Isto é, aquele treinador,
que teve que lidar com grandes atletas, cheios de adrenalina pela competição em
que se encontravam inseridos – e pelo próprio espírito de combatividade tão
comum aos desportistas de alta performance – tinha como uma das suas táticas –
e prática de vida – a filosofia zen
de ser e de se enxergar. E como cereja do bolo, ele também era um entusiasta da
influência das obras literárias sobre cada um dos seus comandados. Rick Fox,
então jogador do Lakers, descreve este ponto citando o segundo ato, de um total
de três, no qual Phil Jackson influenciava o grupo:
Rick Fox (à direita), com Shaquille O'neal ao centro e Kobe Bryant à esquerda. |
O segundo ato se
desenrola ao longo dos vinte ou trinta jogos no meio da temporada, antes e
depois do Jogo das Estrelas (2). “Era quando Phil nutria o time que já começava
se entediar (...). Só então ele passava mais tempo com cada um de nós. Era
quando nos indicava livros. Eu sempre achei que era nesse período que ele
exigia mais de mim”.
(pág. 218) (3)
Tais
características combinadas trazem ao bojo do livro uma expectativa pelo que virá
em cada capítulo, em cada página, em cada parágrafo. Os jogadores, deuses do moderno
entretenimento, são apresentados em sua face mais humana, com ódios, invejas,
alegrias e brincadeiras. Os técnicos e dirigentes, com seus dramas e
incertezas, decisões e indecisões, visão e cegueira pelo que vinha a frente,
também têm sua grande quota de representação. Todos seres humanos, tão
complexos quanto cada um de nós. E tudo isso entremeado por várias citações
filosóficas de alguns mentores zen e
de figuras históricas (ver citações selecionadas mais abaixo).
Dessa
forma a trajetória apresentada se aproxima de nosso dia a dia, tanto do lado
profissional quanto do lado pessoal. Como estrutura, logo no início do livro –
página 17 – somos apresentados aos parâmetros que pautaram o diagnóstico que
Phil Jackson fazia das suas equipes, de modo a direcioná-las para o perfil
ideal almejado. Estes se baseiam na obra inovadora Tribal Leadership, dos consultores de gestão Dave Logan, John King
e Halee Fischer-Wright, na qual apontam as 5 etapas de desenvolvimento tribal,
formuladas após a realização de uma extensa pesquisa sobre organizações de
pequeno e médio portes:
Etapa
1 – a vida é uma merda
Etapa
2 – minha vida é uma merda
Etapa
3 – eu sou o máximo (e você não é)
Etapa
4 – nós somos o máximo (e vocês não são)
Etapa
5 – a vida é o máximo.
Obviamente
o ideal é que os grupos os quais estejamos inseridos possam ir crescendo etapa
a etapa, até curtir a trajetória ao máximo na sua rotina, quando alcançam a
Etapa 5. E era assim que Phil Jackson observava os grupos que tinha na mão.
Buscava identificar em que ponto desta escala eles se encontravam, para então
tratar de visualizar os acertos necessários para que eles pudessem dar um pulo
para a etapa seguinte.
Se
o livro tivesse somente isso, já seria um grande balizador para nossas atitudes
perante a vida. Em que etapa nos encontramos? O que devemos fazer para evoluir?
Tudo isso cada uma daquelas definições nos aguça a questionar. E você, em que
tribo está? Leia o livro, se maravilhem com a história e com o homem. Talvez
daí vocês se identifiquem.
LIÇÕES
DE PHIL
Quando
preparo a resenha de um livro tenho por hábito marcar as páginas com os trechos
que mais me chamaram a atenção, para depois utilizá-las como referência durante
a escrita. Mas esta obra se mostrou tão rica em citações que resolvi colocá-las
em separado, para que vocês pudessem usufruí-las nas lições em que se encerram:
O que me motiva
é apreciar a união dos jovens e tocar a magia que aflora quando se devotam – de
todo o coração e de toda a alma – a algo maior que eles próprios. Depois que se
experimenta isso, nunca mais se esquece (pág. 12).
É preciso uma
série de fatores críticos para se conquistar um campeonato da NBA, incluindo
uma combinação certa de talento, criatividade, inteligência, tenacidade e,
claro, sorte. Mas, se uma equipe não tem o ingrediente essencial – amor -,
nenhum dos outros fatores importa (pág. 14).
(...) sei que a
arte de transformar um grupo de jovens ambiciosos em time integrado e campeão
não é um processo mecanicista. É um misterioso ato de malabarismo que requer
não apenas o profundo conhecimento das leis consagradas pelo tempo de jogo, mas
também coração aberto, mente clara e aquela curiosidade atenta aos caminhos do
espírito humano
(pág. 19).
Às vezes não
importa se você é um cara muito legal. Em certos momentos você tem que ser
sórdido, antipático e desagradável. Você nunca será um técnico se tem
necessidade de ser amado (pág. 30).
(...) no início
de cada temporada sempre incentivava os atletas a se concentrarem na jornada e
não na meta. O que mais importa é jogar do jeito certo e ter coragem de
evoluir, tanto como seres humanos quanto como jogadores de basquetebol. Se você
agir assim, o anel [prêmio
individual dado aos ganhadores do título da NBA] cuida de si mesmo (pág. 32).
Citando
Shunryu Suzuki, mestre zen japonês: a melhor maneira de controlar as pessoas é
dar a elas muito espaço e observá-las. “Não é bom ignorá-las; isso é a pior
política (...). A segunda pior política é tentar controla-las. É melhor
observá-las, apenas observá-las, sem tentar controlá-las”. Um conselho que mais
tarde veio a calhar quando tive que lidar com Dennis Rodman (2) (pág. 59).
Citando
Thich Nhat Hanh, mestre zen vietnamita:
“A vida só pode ser encontrada no momento
presente (…). O passado já se foi, e o futuro ainda está por vir, de modo que
se não nos voltarmos para nós mesmos no momento presente nunca estaremos em
contato com a vida” (pág. 59).
Citando
Pema Chodron, mestre budista: “O que você
faz em favor de si mesmo também faz em favor dos outros, e o que você faz em
favor dos outros também faz em favor de si mesmo” (pág. 60).
(...) o que
aprendi ao longo dos anos é que a abordagem mais eficaz é a de delegar
autoridade tanto quanto possível e também cultivar as habilidades de liderança
de todos os outros. Quando você consegue realizar isso, além de ajudar a
construir a unidade da equipe e dar ensejo a que os outros se desenvolvam,
paradoxalmente também reforça o seu papel como líder (pág. 89).
O sentimento
profundo de ligação que brota da união dos jogadores traz uma tremenda força
que varre o medo de perder (pág. 104).
Citando
John Heider, autor do livro The Tao of
Leadership: “Regras reduzem a liberdade
e a responsabilidade (…). A aplicação de regras coage e manipula, reduzindo a
espontaneidade e absorvendo a energia do grupo. Quanto mais coercitivo se é,
mais o grupo resiste” (págs. 120-121).
Citando
Wayne Teasdale, autor do livro A Monk in
the World: “O trabalho é sagrado quando
se interliga à realização espiritual e representa a paixão e o desejo de
contribuir para a cultura e, especialmente, para o aprimoramento dos outros. E
entenda-se por paixão os talentos divididos com os outros e que moldam o
destino de todos quando estão a serviço da comunidade” (pág. 124).
Colocação
de George Mumford, auxiliar que trabalhava a parte mental dos jogadores do
Chicago Bulls, quando estava lidando exatamente em como moldar o perfil de
líder de Michael Jordan: “Tudo é uma
questão de estar presente e assumir a responsabilidade pela forma com que se
relaciona consigo mesmo e com os outros (...). E isso implica se adaptar de
maneira a ir ao encontro das pessoas onde estejam. Em vez de enraivecer e forçá-las
a estar em outro lugar, encontre-as onde estão e só depois as conduza para onde
quer que se dirijam” (pág. 151).
Citando
Lewis Richmond, mestre zen, que por sua vez apontou a definição de Shunryu
Suzuki sobre o budismo: “Tudo muda”
(pág. 178).
Ditado
zen: “Antes da iluminação, corte lenha e carregue água. Após a iluminação,
corte lenha e carregue água”. O objetivo: concentre-se na tarefa à mão em vez
de reviver o passado ou se preocupar com o futuro (pág. 183) (3). Ou ainda:
Tal como tudo na vida, a despeito das
diferentes circunstâncias, as recomendações são sempre as mesmas: cortar lenha,
carregar água (pág. 290).
Segundo a mestra
budista Pema Chodron, o desapego é uma ponte para o verdadeiro despertar. (...)
“Apenas à medida que nos expomos cada vez mais à aniquilação é que encontramos
o indestrutível que há em nós” (pág. 206).
Citando
uma vez mais Pema Chodron: “As coisas que
se despedaçam também são uma espécie de teste e de cura (...). Pensamos que o
objetivo é passar no teste ou superar o problema, mas a verdade é que as coisas
realmente não se resolvem. Erguem-se novamente e desmoronam-se novamente. É
simplesmente assim. A cura se dá quando se deixa espaço para que tudo aconteça:
espaço para a dor, para o alívio, para a miséria e para a alegria” (pág.
207).
Citando
Martin Luther King Jr.: “Na realidade,
toda a vida está inter-relacionada. Todas as pessoas estão ligadas a uma
inescapável rede de reciprocidade, enlaçadas em uma única peça do destino. O
que afeta diretamente a um também afeta a todos indiretamente. Jamais poderei
ser o que posso ser até que você também seja o que pode ser, e você só poderá
ser o que pode ser quando eu também o for o que posso ser. Essa é a estrutura
da realidade inter-relacionada” (pág. 216).
De uma
perspectiva positiva, Buda (...) prescreveu uma forma prática para eliminar o
desejo e a infelicidade através do chamado Nobre Caminho Óctuplo, cujas etapas
consistem em visão correta, pensamento correto, fala correta, ação correta, estilo de vida correto, esforço correto, atenção plena correta e concentração correta (grifos nossos)
(pág. 224).
(...) a chave
para a paz interior é a confiança na interconexão essencial de todas as coisas.
Uma respiração, uma mente. Isso é o que nos fortalece e nos revitaliza em meio
ao caos
(pág. 225).
De acordo com
Gandhi: “O sofrimento suportado com ânimo transmuta-o em inefável alegria” (pág. 250).
A chave para a manutenção
do sucesso é continuar evoluindo como equipe. Ganhar tem a ver com a busca do
desconhecido e a criação do novo. Em uma cena do primeiro filme de Indiana
Jones alguém pergunta o que Indy fará a seguir: “Não faço ideia, invento isso
enquanto avanço”, ele responde. É assim que concebo a liderança: uma
improvisação controlada, um exercício dedilhado a Thelonious Monk (4) de um momento para outro (pág. 253).
Citando
Sylvia Boorstein, mestra de meditação budista: “A repressão da raiva gera uma rachadura nas relações impermeável a
sorrisos. É um segredo. É uma mentira. A resposta compassiva mantém as relações
vivas. Isso implica dizer a verdade. E dizer a verdade pode ser difícil,
sobretudo quando a mente está conturbada pela raiva” (pág. 270).
Sobre
o novo perfil de liderança de Kobe Bryant em dado momento da carreira: E para isso tinha aprendido a dar para
receber de volta. Liderança não é forçar a própria vontade sobre os outros. É
simplesmente dominar a arte de deixar rolar (pág. 307).
O trabalho de um
líder é fazer de tudo ao seu alcance para propiciar condições perfeitas em
função do sucesso, abstraindo-se do próprio ego e inspirando a equipe a jogar
da maneira certa.
Porém: a alma do sucesso é a rendição ao
que é (pág. 330).
(1)
Sobre meditação – as instruções
de Shunryu Suzuki a respeito de como meditar são muito simples:
1
– Sente-se com a coluna ereta, os ombros relaxados e o queixo esticado, “como
se apoiando o céu com a cabeça”;
2
– Acompanhe a respiração com a mente enquanto é movida para dentro e para fora
como uma porta de vaivém;
3
– Não tente deter o pensamento. Se algum pensamento irromper, deixe-o fluir e
depois volte a prestar atenção na respiração. A ideia não é tentar controlar a
mente, e sim deixar que os pensamentos apareçam e desapareçam naturalmente e
repetidas vezes. Com a prática os pensamentos passam a flutuar como nuvens que
se dissipam e perdem o poder de dominar a consciência (pág. 58).
(2)
Sobre Dennis
Rodman
– controverso jogador americano, à época pertencente ao grupo do Chicago Bulls.
Jogava na posição de pivô, mesmo não sendo tão alto quanto os demais, mas tinha
uma energia incomum para lutar embaixo da cesta pelas bolas. Foi diversas vezes
recordista de rebotes – além de ser um astro na auto-promoção, bem ao gosto dos
paparazzis de plantão e do mercado
midiático.
Sobre o Jogo das Estrelas
– partida realizada que marca a metade da temporada regular (ou de
classificação para os play-offs –
disputas eliminatórias entre duas equipes) – na qual se enfrentam os melhores
jogadores, segundo uma votação popular, divididos entre equipes representativas
do Oeste e do Leste dos Estados Unidos.
Phil Jackson e Dennis Rodman (à direita) |
(3)
Sobre “cortar
lenha e carregar água” – particularmente tenho uma interpretação distinta
do ditado. Para mim ele passa muito mais uma lição de humildade do que de
concentração no presente. Mesmo os iluminados cortam lenha e carregam água. E
somente porque se dedicam de tal forma às tarefas mais simples são capazes de
alcançar a iluminação. No final, tudo retorna ao mesmo ponto, e continuamos, em
essência, os mesmos. Sobre os “atos” de
Phil – na visão de Rick Fox, jogador que foi treinado por Phil Jackson nos
Lakers, o técnico abordava o time em 3 momentos distintos, divididos por 3 grupos
de 20-30 jogos disputados na temporada. No primeiro terço da temporada (1º ato)
Jackson deixava os jogadores se expressarem, de modo a ver o que tinham para
oferecer. No 2º ato tentava influenciá-los sobre o caminho correto que eles
deveriam seguir por si próprios. E no 3º ato, se colocava no centro da ação, ao
mesmo tempo tirando a pressão dos jogadores, como os liderando efetivamente
para o que considerava ser o correto.
Thelonious Monk |
(4)
Sobre Thelonious
Monk -
Thelonious Sphere Monk (1917-1982) é
reconhecido como uma das mais influentes figuras da história do jazz. Foi um
dos arquitetos do bebop e seu impacto
como compositor e pianista teve uma profunda influência sobre todos os gêneros
da música.