quarta-feira, 15 de junho de 2016

ONZE ANÉIS - A alma do sucesso

Quando comecei a ler o livro “Onze Anéis – a Alma do Sucesso”, do conhecido treinador de basquete Phil Jackson, multicampeão da National Basketball Association (NBA), a liga profissional de basquete dos Estados Unidos, imaginava que seria mais uma daquelas obras de auto-ajuda, voltada a aprimorar a gestão de equipes com base na experiência esportiva do autor – que contou com a colaboração de Hugh Delehanty para a escrita. OK, o livro é isso, mas é muito mais para um amante dos esportes. Do basquete então, o que direi!?

Ou seja, este trabalho, publicado pela Editora Rocco em 2014, apresenta em suas 335 páginas não somente pensamentos abstratos, mas detalhes dos bastidores de 11 grandes campanhas de dois dos times mais emblemáticos deste esporte – Chicago Bulls, com Michael Jordan em seu auge, e Los Angeles Lakers, assistindo o ápice do seu mais recente ídolo, agora aposentado, Kobe Bryant. Claro, fala também das derrotas, dificuldades e falhas das trajetórias não tão vitoriosas assim, mas surpreende ao leitor como eu, que desavisado pensou que receberia somente uma série de lemas e retórica, com um apanhado histórico, técnico e tático que nos faz deliciar e melhor entender o que se passa durante um jogo de basquete. Obviamente este também tem o lado negativo, já que nem todos os leitores serão conhecedores a fundo das táticas de jogo e das regras nas quais estão subordinadas. Para muitos quando a narrativa se prende no triângulo ofensivo, ou na marcação dobrada, o sono pode advir, pois eles estão mais interessados na interação humana do que nestes aspectos.
Phil Jackson (à esquerda) e Hugh Delehanty.
De toda forma, fiquei maravilhado com a surpresa que me foi proporcionada. E um segundo fator inesperado me fez gostar mais ainda do livro – e de seu personagem central, o próprio Phil Jackson. Foi o de saber que ele é um adepto da meditação como prática central para o equilíbrio (1). Isto é, aquele treinador, que teve que lidar com grandes atletas, cheios de adrenalina pela competição em que se encontravam inseridos – e pelo próprio espírito de combatividade tão comum aos desportistas de alta performance – tinha como uma das suas táticas – e prática de vida – a filosofia zen de ser e de se enxergar. E como cereja do bolo, ele também era um entusiasta da influência das obras literárias sobre cada um dos seus comandados. Rick Fox, então jogador do Lakers, descreve este ponto citando o segundo ato, de um total de três, no qual Phil Jackson influenciava o grupo:

Rick Fox (à direita), com Shaquille O'neal ao centro e
Kobe Bryant à esquerda.
O segundo ato se desenrola ao longo dos vinte ou trinta jogos no meio da temporada, antes e depois do Jogo das Estrelas (2). “Era quando Phil nutria o time que já começava se entediar (...). Só então ele passava mais tempo com cada um de nós. Era quando nos indicava livros. Eu sempre achei que era nesse período que ele exigia mais de mim”.
(pág. 218) (3)

Tais características combinadas trazem ao bojo do livro uma expectativa pelo que virá em cada capítulo, em cada página, em cada parágrafo. Os jogadores, deuses do moderno entretenimento, são apresentados em sua face mais humana, com ódios, invejas, alegrias e brincadeiras. Os técnicos e dirigentes, com seus dramas e incertezas, decisões e indecisões, visão e cegueira pelo que vinha a frente, também têm sua grande quota de representação. Todos seres humanos, tão complexos quanto cada um de nós. E tudo isso entremeado por várias citações filosóficas de alguns mentores zen e de figuras históricas (ver citações selecionadas mais abaixo).

Dessa forma a trajetória apresentada se aproxima de nosso dia a dia, tanto do lado profissional quanto do lado pessoal. Como estrutura, logo no início do livro – página 17 – somos apresentados aos parâmetros que pautaram o diagnóstico que Phil Jackson fazia das suas equipes, de modo a direcioná-las para o perfil ideal almejado. Estes se baseiam na obra inovadora Tribal Leadership, dos consultores de gestão Dave Logan, John King e Halee Fischer-Wright, na qual apontam as 5 etapas de desenvolvimento tribal, formuladas após a realização de uma extensa pesquisa sobre organizações de pequeno e médio portes:

Etapa 1 – a vida é uma merda
Etapa 2 – minha vida é uma merda
Etapa 3 – eu sou o máximo (e você não é)
Etapa 4 – nós somos o máximo (e vocês não são)
Etapa 5 – a vida é o máximo.

Obviamente o ideal é que os grupos os quais estejamos inseridos possam ir crescendo etapa a etapa, até curtir a trajetória ao máximo na sua rotina, quando alcançam a Etapa 5. E era assim que Phil Jackson observava os grupos que tinha na mão. Buscava identificar em que ponto desta escala eles se encontravam, para então tratar de visualizar os acertos necessários para que eles pudessem dar um pulo para a etapa seguinte.

Se o livro tivesse somente isso, já seria um grande balizador para nossas atitudes perante a vida. Em que etapa nos encontramos? O que devemos fazer para evoluir? Tudo isso cada uma daquelas definições nos aguça a questionar. E você, em que tribo está? Leia o livro, se maravilhem com a história e com o homem. Talvez daí vocês se identifiquem.

LIÇÕES DE PHIL

Quando preparo a resenha de um livro tenho por hábito marcar as páginas com os trechos que mais me chamaram a atenção, para depois utilizá-las como referência durante a escrita. Mas esta obra se mostrou tão rica em citações que resolvi colocá-las em separado, para que vocês pudessem usufruí-las nas lições em que se encerram:

O que me motiva é apreciar a união dos jovens e tocar a magia que aflora quando se devotam – de todo o coração e de toda a alma – a algo maior que eles próprios. Depois que se experimenta isso, nunca mais se esquece (pág. 12).

É preciso uma série de fatores críticos para se conquistar um campeonato da NBA, incluindo uma combinação certa de talento, criatividade, inteligência, tenacidade e, claro, sorte. Mas, se uma equipe não tem o ingrediente essencial – amor -, nenhum dos outros fatores importa (pág. 14).

(...) sei que a arte de transformar um grupo de jovens ambiciosos em time integrado e campeão não é um processo mecanicista. É um misterioso ato de malabarismo que requer não apenas o profundo conhecimento das leis consagradas pelo tempo de jogo, mas também coração aberto, mente clara e aquela curiosidade atenta aos caminhos do espírito humano (pág. 19).

Às vezes não importa se você é um cara muito legal. Em certos momentos você tem que ser sórdido, antipático e desagradável. Você nunca será um técnico se tem necessidade de ser amado (pág. 30).

(...) no início de cada temporada sempre incentivava os atletas a se concentrarem na jornada e não na meta. O que mais importa é jogar do jeito certo e ter coragem de evoluir, tanto como seres humanos quanto como jogadores de basquetebol. Se você agir assim, o anel [prêmio individual dado aos ganhadores do título da NBA] cuida de si mesmo (pág. 32).

Citando Shunryu Suzuki, mestre zen japonês: a melhor maneira de controlar as pessoas é dar a elas muito espaço e observá-las. “Não é bom ignorá-las; isso é a pior política (...). A segunda pior política é tentar controla-las. É melhor observá-las, apenas observá-las, sem tentar controlá-las”. Um conselho que mais tarde veio a calhar quando tive que lidar com Dennis Rodman (2) (pág. 59).

Citando Thich Nhat Hanh, mestre zen vietnamita: “A vida só pode ser encontrada no momento presente (…). O passado já se foi, e o futuro ainda está por vir, de modo que se não nos voltarmos para nós mesmos no momento presente nunca estaremos em contato com a vida” (pág. 59).

Citando Pema Chodron, mestre budista: “O que você faz em favor de si mesmo também faz em favor dos outros, e o que você faz em favor dos outros também faz em favor de si mesmo” (pág. 60).

(...) o que aprendi ao longo dos anos é que a abordagem mais eficaz é a de delegar autoridade tanto quanto possível e também cultivar as habilidades de liderança de todos os outros. Quando você consegue realizar isso, além de ajudar a construir a unidade da equipe e dar ensejo a que os outros se desenvolvam, paradoxalmente também reforça o seu papel como líder (pág. 89).

O sentimento profundo de ligação que brota da união dos jogadores traz uma tremenda força que varre o medo de perder (pág. 104).

Citando John Heider, autor do livro The Tao of Leadership: “Regras reduzem a liberdade e a responsabilidade (…). A aplicação de regras coage e manipula, reduzindo a espontaneidade e absorvendo a energia do grupo. Quanto mais coercitivo se é, mais o grupo resiste” (págs. 120-121).

Citando Wayne Teasdale, autor do livro A Monk in the World: “O trabalho é sagrado quando se interliga à realização espiritual e representa a paixão e o desejo de contribuir para a cultura e, especialmente, para o aprimoramento dos outros. E entenda-se por paixão os talentos divididos com os outros e que moldam o destino de todos quando estão a serviço da comunidade” (pág. 124).

Colocação de George Mumford, auxiliar que trabalhava a parte mental dos jogadores do Chicago Bulls, quando estava lidando exatamente em como moldar o perfil de líder de Michael Jordan: “Tudo é uma questão de estar presente e assumir a responsabilidade pela forma com que se relaciona consigo mesmo e com os outros (...). E isso implica se adaptar de maneira a ir ao encontro das pessoas onde estejam. Em vez de enraivecer e forçá-las a estar em outro lugar, encontre-as onde estão e só depois as conduza para onde quer que se dirijam” (pág. 151).

Citando Lewis Richmond, mestre zen, que por sua vez apontou a definição de Shunryu Suzuki sobre o budismo: “Tudo muda” (pág. 178).

Ditado zen: “Antes da iluminação, corte lenha e carregue água. Após a iluminação, corte lenha e carregue água”. O objetivo: concentre-se na tarefa à mão em vez de reviver o passado ou se preocupar com o futuro (pág. 183) (3). Ou ainda: Tal como tudo na vida, a despeito das diferentes circunstâncias, as recomendações são sempre as mesmas: cortar lenha, carregar água (pág. 290).

Segundo a mestra budista Pema Chodron, o desapego é uma ponte para o verdadeiro despertar. (...) “Apenas à medida que nos expomos cada vez mais à aniquilação é que encontramos o indestrutível que há em nós” (pág. 206).

Citando uma vez mais Pema Chodron: “As coisas que se despedaçam também são uma espécie de teste e de cura (...). Pensamos que o objetivo é passar no teste ou superar o problema, mas a verdade é que as coisas realmente não se resolvem. Erguem-se novamente e desmoronam-se novamente. É simplesmente assim. A cura se dá quando se deixa espaço para que tudo aconteça: espaço para a dor, para o alívio, para a miséria e para a alegria” (pág. 207).

Citando Martin Luther King Jr.: “Na realidade, toda a vida está inter-relacionada. Todas as pessoas estão ligadas a uma inescapável rede de reciprocidade, enlaçadas em uma única peça do destino. O que afeta diretamente a um também afeta a todos indiretamente. Jamais poderei ser o que posso ser até que você também seja o que pode ser, e você só poderá ser o que pode ser quando eu também o for o que posso ser. Essa é a estrutura da realidade inter-relacionada” (pág. 216).

De uma perspectiva positiva, Buda (...) prescreveu uma forma prática para eliminar o desejo e a infelicidade através do chamado Nobre Caminho Óctuplo, cujas etapas consistem em visão correta, pensamento correto, fala correta, ação correta, estilo de vida correto, esforço correto, atenção plena correta e concentração correta (grifos nossos) (pág. 224).

(...) a chave para a paz interior é a confiança na interconexão essencial de todas as coisas. Uma respiração, uma mente. Isso é o que nos fortalece e nos revitaliza em meio ao caos (pág. 225).

De acordo com Gandhi: “O sofrimento suportado com ânimo transmuta-o em inefável alegria” (pág. 250).

A chave para a manutenção do sucesso é continuar evoluindo como equipe. Ganhar tem a ver com a busca do desconhecido e a criação do novo. Em uma cena do primeiro filme de Indiana Jones alguém pergunta o que Indy fará a seguir: “Não faço ideia, invento isso enquanto avanço”, ele responde. É assim que concebo a liderança: uma improvisação controlada, um exercício dedilhado a Thelonious Monk (4) de um momento para outro (pág. 253).

Citando Sylvia Boorstein, mestra de meditação budista: “A repressão da raiva gera uma rachadura nas relações impermeável a sorrisos. É um segredo. É uma mentira. A resposta compassiva mantém as relações vivas. Isso implica dizer a verdade. E dizer a verdade pode ser difícil, sobretudo quando a mente está conturbada pela raiva” (pág. 270).

Sobre o novo perfil de liderança de Kobe Bryant em dado momento da carreira: E para isso tinha aprendido a dar para receber de volta. Liderança não é forçar a própria vontade sobre os outros. É simplesmente dominar a arte de deixar rolar (pág. 307).

O trabalho de um líder é fazer de tudo ao seu alcance para propiciar condições perfeitas em função do sucesso, abstraindo-se do próprio ego e inspirando a equipe a jogar da maneira certa. Porém: a alma do sucesso é a rendição ao que é (pág. 330).

(1)     Sobre meditação – as instruções de Shunryu Suzuki a respeito de como meditar são muito simples:

1 – Sente-se com a coluna ereta, os ombros relaxados e o queixo esticado, “como se apoiando o céu com a cabeça”;
2 – Acompanhe a respiração com a mente enquanto é movida para dentro e para fora como uma porta de vaivém;
3 – Não tente deter o pensamento. Se algum pensamento irromper, deixe-o fluir e depois volte a prestar atenção na respiração. A ideia não é tentar controlar a mente, e sim deixar que os pensamentos apareçam e desapareçam naturalmente e repetidas vezes. Com a prática os pensamentos passam a flutuar como nuvens que se dissipam e perdem o poder de dominar a consciência (pág. 58).

(2)     Sobre Dennis Rodman – controverso jogador americano, à época pertencente ao grupo do Chicago Bulls. Jogava na posição de pivô, mesmo não sendo tão alto quanto os demais, mas tinha uma energia incomum para lutar embaixo da cesta pelas bolas. Foi diversas vezes recordista de rebotes – além de ser um astro na auto-promoção, bem ao gosto dos paparazzis de plantão e do mercado midiático.
Phil Jackson e Dennis Rodman (à direita)
Sobre o Jogo das Estrelas – partida realizada que marca a metade da temporada regular (ou de classificação para os play-offs – disputas eliminatórias entre duas equipes) – na qual se enfrentam os melhores jogadores, segundo uma votação popular, divididos entre equipes representativas do Oeste e do Leste dos Estados Unidos.
(3)     Sobre “cortar lenha e carregar água” – particularmente tenho uma interpretação distinta do ditado. Para mim ele passa muito mais uma lição de humildade do que de concentração no presente. Mesmo os iluminados cortam lenha e carregam água. E somente porque se dedicam de tal forma às tarefas mais simples são capazes de alcançar a iluminação. No final, tudo retorna ao mesmo ponto, e continuamos, em essência, os mesmos. Sobre os “atos” de Phil – na visão de Rick Fox, jogador que foi treinado por Phil Jackson nos Lakers, o técnico abordava o time em 3 momentos distintos, divididos por 3 grupos de 20-30 jogos disputados na temporada. No primeiro terço da temporada (1º ato) Jackson deixava os jogadores se expressarem, de modo a ver o que tinham para oferecer. No 2º ato tentava influenciá-los sobre o caminho correto que eles deveriam seguir por si próprios. E no 3º ato, se colocava no centro da ação, ao mesmo tempo tirando a pressão dos jogadores, como os liderando efetivamente para o que considerava ser o correto.
Thelonious Monk
(4)     Sobre Thelonious Monk - Thelonious Sphere Monk (1917-1982) é reconhecido como uma das mais influentes figuras da história do jazz. Foi um dos arquitetos do bebop e seu impacto como compositor e pianista teve uma profunda influência sobre todos os gêneros da música.