No
início do ano passado minha filha ganhou os três primeiros livros da série
Harry Potter – A Pedra Filosofal; A Câmara Secreta; e O Prisioneiro de Azkaban.
Entramos em acordo para que ela os lesse antes de ver os filmes. Este acordo foi
baseado em duas convicções, ambas da minha parte – a primeira é de que, como
havia uma pressão externa por parte de suas amigas, aumentada desde nossa
viagem à Disney, em 2013, de que ela deveria assistir os filmes, de que pudesse
verificar, ela própria, como os livros são, na grande parte das vezes, melhores
que as adaptações cinematográficas; e segundo o incentivo à leitura em si.
Acordo
feito, ela iniciou a leitura do primeiro exemplar, porém a muito custo. Não
chegou a terminá-lo, e raras foram as vezes que retomou para tentar avançar. O
ano de 2014 passou e já próximo ao seu final ela me confessou ter visto o
primeiro filme. Coloquei para ela, então, no auge do meu desassossego, de que
ela estava dispensada das leituras dos livros. Propus-me ainda a lê-los, para
que pudesse acompanhar sua aventura cinematográfica. Observando minha
contrariedade ela retomou o compromisso de leitura, já a partir do segundo
volume, tarefa esta, porém, não ainda iniciada.
Chegadas
as férias de início de ano, coloquei para ela que durante nossa viagem à Bahia
leria os três volumes. Dito e feito – em verdade terminei o último um dia após
a minha meta, já tendo retornado à casa – agora me sinto mais tranqüilo quanto
à possibilidade de ver os filmes. Após este longo prólogo, vou ao que
interessa, qual seja, minhas primeiras impressões sobre a série.
J.
K. Rowling fez jus a toda fama que construiu a partir das estórias centradas no
personagem-título. Porém nota-se uma clara evolução no enredo em termos de
adensamento e complexidade. Diria para vocês que o primeiro volume seria como
aqueles filmes de adolescentes, em todos os seus dilemas e querelas, em que o
ambiente colegial é apresentado e existem os embates entre os diferentes grupos
de estudantes. O diferencial é que ambientação se dá numa escola de bruxos.
Harry
assim, um garoto desajustado no mundo dos trouxas – como são denominados os que
não são bruxos – tem uma reversão de expectativa sobre a própria pessoa, ao
descobrir que é um astro no mundo da bruxaria dada a sua origem. Ele se cerca
de dois amigos – Rony e Hermione – que formam o núcleo central da estória,
juntamente com Alvo Dumbledore, diretor do colégio; Minerva McGonagall,
vice-diretora; e o grande vilão, Lorde Valdemort. Harry e seus amigos tem como
contraponto um grupo opositor, formatado no velho clichê de um garoto-bandido,
digamos assim – Draco Malfoy – ladeado por dois brutamontes sem cérebro que o
acompanham por todo lado – Crabbe e Goyle, acobertados pelo Prof. Snape.
De
resto é o velho roteiro de duelos, dificuldades com aulas, matérias e o esporte
escolar (Quadribol), as dúvidas constantes da adolescência – Harry entra em
Hogwarts, o colégio, com 11 anos recém-completados - etc. O primeiro livro
seria, assim, para continuar o paralelismo cinematográfico, uma perfeita Sessão
da Tarde, leve como açúcar.
Porém,
seguindo seu caminho, cada um dos livros apresenta um dos anos seguintes na
formação de bruxo de Harry. E o nível de tensão e dramaticidade aumentam. Já
passam a existir cenas mais violentas, e questões mais complexas, que talvez
cumpram com o objetivo de inserir, de na maneira sub-reptícia, no universo dos
leitores juvenis, temas como a depressão, por exemplo – o que não seria, no 3º
livro, o efeito provocado pelos “dementadores” nas pessoas? Com isso, não é de
se estranhar diferentes classificações etárias para cada um dos filmes da
série. Ou seja, parece que existe um amadurecimento do enredo, como se a autora
quisesse acompanhar o crescimento dos seus leitores fiéis – algo factível a
partir da periodicidade de produção e lançamento das obras.
Devo
ressaltar ainda que um dos grandes méritos de Rowling para alguém, como eu, que
foi doutrinado nas obras de Agatha Christie, são as reviravoltas para explicar
cada um dos mistérios usados como linha central em cada um dos volumes. O óbvio
não prevalece, sempre surgindo uma solução inesperada para os dilemas e questões
propostos. Isso aguça a curiosidade do leitor, que busca ler vorazmente as
estórias de modo a ter a explicação tão ansiada, e a solução para o sofrimento
do pequeno bruxo e seus amigos.
Por
último a autora aproveita para passar valores que considera importantes para
seu público infanto-juvenil. Nesse sentido, nada melhor do que a voz do
personagem que representa a sapiência, o mago-diretor, Alvo Dumbledore:
Harry Potter e a Pedra Filosofal - 223 págs.
Sobre
a morte: “(...) para a mente bem estruturada, a morte é apenas a grande
aventura seguinte” – pág. 214;
Sobre
a verdade: “A verdade (...) é uma coisa bela e terrível, e portanto deve ser
tratada com grande cautela. (....) Não vou, é claro, mentir” – pág. 215.
Harry Potter e a Câmara Secreta – 252 págs.
Sobre
a lealdade e solidariedade: “Porém (...) você vai descobrir que só terei
realmente deixado a escola quando ninguém mais aqui for leal a mim. (...)
Hogwarts sempre ajudará aqueles que a ela recorrerem” – pág. 197.
Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban – 318 págs.
Sobre
a saudade: “Você acha que os mortos que amamos realmente nos deixam? Você acha
que não nos lembramos deles ainda claramente em momentos de grandes
dificuldades? O seu pai vive em você, Harry, e se revela mais claramente quando
você precisa dele” – pág. 313.
Em
resumo, é uma leitura leve, agradável, que se compreendida em seu intento,
percebe-se o seu valor e o porquê de ter alcançado tão grande sucesso.
Pós-Potter Rowling iniciou uma trajetória com outros romances, de cunho detetivesco
e mais adulto. Mas isto é um tema para outra oportunidade, a confirmar seu
talento.
OBS.:
todas as edições aqui mencionadas foram publicadas pela Rocco, originalmente no
ano de 2000.