sábado, 3 de janeiro de 2015

História do Brasil para Ocupados

“Os mais importantes historiadores apresentam de um jeito original os episódios decisivos e os personagens fascinantes que fizeram o nosso país”. Sempre prezei muito promessas feitas e cumpridas. O organizador do livro “História do Brasil para Ocupados”, Ed. Casa da Palavra – 2013 – 504 págs, Luciano Figueiredo, cumpre exatamente com a promessa feita na frase acima apresentada no início deste parágrafo. O que não quer dizer exatamente que eu seja somente elogios para o livro.

Reunir 66 historiadores de renome certamente não deve ter sido tarefa fácil. Somente por esse esforço a obra já seria digna de elogio. Num grupo tão grande diversas são as matizes apresentadas. Por mais isentos que queiram ser nos artigos apresentados, as cores de suas ideologias por vezes derrapam e são mostradas. Em outras ocasiões, a depender da personalidade do autor, elas são escancaradas. Mas mesmo esse aspecto de fundo não impede que apreciemos o fato de que temos à mão um compêndio dos principais momentos e temas que giram em torno da História de nosso país desde seu “achamento” – em que pese se circunscrever majoritariamente até a ditadura militar, não indo muito além, e mesmo assim em raras ocasiões.

Entre os 66 autores é óbvio que o leitor irá se surpreender com descrições que nos indicam como a História se repete:
Ao amanhecer, a paisagem era de devastação, e foi assim descrita pelo Jornal do Commercio, na edição do dia 15: “(...) paralelepípedos revolvidos, que serviam de projéteis para essas depredações, coalhavam a via pública; em todos os pontos destroços de bondes quebrados e incendiados, portas arrancadas, colchões, latas, montes de pedras, mostravam os vestígios das barricadas feitas pela multidão agitada” – pág. 353 – “O Povo Contra a Vacina” – José Murilo de Carvalho.

Qualquer semelhança com as recentes manifestações não é mera coincidência, inclusive porque o autor ressalta a multiplicidade de interesses aí envolvida nesta revolta do início do século passado.

Outro aspecto interessante é a identificação de alguns traços que permeiam a nossa sociedade, nem todos belos. Por exemplo, encontrei a melhor definição e explicação sobre como a corrupção se entranhou no Brasil, e da própria corrupção em si enquanto fenômeno da humanidade, em mais um artigo de José Murilo de Carvalho – somente por essa coincidência já posso depreender que dentre todos foi o meu autor favorito:
José M. de Carvalho

Nosso cipoal de leis incita à transgressão e elitiza a justiça. A tentativa de fechar qualquer porta ao potencial transgressor, baseada no pressuposto de que todos são desonestos, acaba tornando impossível a vida do cidadão honesto. A saída que este tem é, naturalmente, buscar meios de fugir ao cerco. Cria-se um círculo vicioso: excesso de lei leva à transgressão, que leva à mais lei, que leva a mais trangressão. “Basta de Corrupção” – José Murilo de Carvalho – pág. 265 (artigo 263-268).

Luciano Figueiredo
Assim Luciano Figueiredo, enquanto organizador, buscou atingir cada leitor, que certamente terá uma predileção específica sobre um determinado tipo de tema. O livro é subdividido em blocos: 1 – Pátria; 2 – Fé; 3 – Poder; 4 – Povo; 5 – Guerra; e 6 – Construtores. Por vezes os temas acabam por se mesclar – ora se está num determinado bloco e acabamos esbarrando com argumentações que facilmente se integrariam com outro, mas que eram necessárias pela lógica do discurso.

Aí se encontra minha principal crítica. Acredito que para uma obra de consulta se deve facilitar a vida de quem a busca. E num livro dedicado a temas históricos não se deveria reinventar a roda: o melhor parâmetro ainda é o temporal. Ou seja, diferentemente de Figueiredo, eu teria preferido seguir uma linha cronológica que propiciasse uma referência de fácil administração para aqueles que gostariam de se aprofundar sobre uma determinada época e um tema a ela circunscrito. Gostaria ainda que a formação dos autores fosse expressa logo na primeira página do artigo, como toda obra acadêmica, e não numa extensa lista ao final. Estes aspectos de forma, de todo modo, não prejudicam demasiado a obra para que esta deixe de ser referenciada como necessária na estante de todo pesquisador. Guardadas as devidas provocações ideológicas existentes, é claro, e se atendo aos fatos. Afinal, estamos falando de História – a Política encontra-se aí mesclada, mas cabe a cada um fazer a interpretação que melhor lhe apetece.

José Murilo de Carvalho é doutor em Ciência Política pela Universidade de Stanford. Foi professor visitante em várias universidades, entre as quais Stanford, Notre Dame, Oxford e École des Hautes Études en Sciences Sociales e, desde 2004, é professor visitante da Escola de Guerra Naval (EGN). É professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), membro da Academia Brasileira de Letras e Academia Brasileira de Ciências (págs. 491-492).


Luciano Figueiredo é doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Coordenou a área de pesquisa, divulgação e editoração do Arquivo Nacional, fundou e dirigiu as revistas Nossa História e Revista da História da Biblioteca Nacional até 2011. Foi pesquisador na John Carter Brown Library (Providence/RI) e no Boston College. Atualmente é professor associado na Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisador do CNPq e editor da revista Tempo (pág. 493).

5 comentários:

  1. Quando jovem, não me ligava. Hoje leio com prazer livros sobre a história do Brasil. E acho que há duas formas para este tipo de leitura: como fonte de consulta para conhecimento ou como simples prazer. A segunda forma é a mais indicada para principiantes e a dica são os livros do Laurentino Gomes, com uma abordagem quase jornalística, e de Eduardo Bueno, algo bem pop. Como consulta, José Murilo de Carvalho, que faz parte desta obra indicada pelo Leo, é autoridade no ramo (sugiro seu livro sobre Pedro II) . Assim, torço para que Historia do Brasil para Ocupados contemple estas duas vertentes. Vou conferir. Ocupado ou desocupado. Valeu a dica - via Facebook

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  2. Ocupados estamos sempre...mas gostei da dica. Vou incluir na minha lista deste ano.- via Facebook

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  3. Já estou lendo o review... Feliz 2015! - via E-mail

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  4. tb preciso ler este livro. Via Facebook.

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  5. Afonso tem razão. O, livro do José Murilo sobre Pedro II é excelente. O José Murilo é um ilustre morador do prédio dos meus pais. Concordo com sua crítica: acho a divisão temporal bem mais didática e lógica.

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