sábado, 10 de janeiro de 2015

ETERNIDADE POR UM FIO

Em tempos de repúdio total a intolerância, “Eternidade por um fio”, de Ken Follet – Ed. Arqueiro – 2014 – 1072 págs., terceiro livro que fecha a trilogia “O Século”¹, cai como uma luva para nossa reflexão. A trilogia gira em torno da saga de cinco famílias durante o século XX, tendo os principais acontecimentos históricos como pano de fundo. Essas famílias estão espalhadas no Reino Unido, Rússia, Alemanha e Estados Unidos.


Nos dois primeiros volumes tivemos a atenção centrada em como se interrelacionavam a partir do contexto das duas grandes Guerras Mundiais. Já neste último, temos como cenário a Guerra Fria e a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos. Pelo que pude perceber, a ênfase maior foi em relação a este último, sendo inclusive o capítulo de fechamento dedicado ao tema. O Vietnã, ponto relevante em termos de Guerra Fria, é utilizado apenas como um detalhe a mais em toda essa dinâmica, servindo mais de subterfúgio para justificar a permanência de um jornalista britânico – o personagem Jasper Williams – num dos principais palcos da história, os Estados Unidos.

A Inglaterra, tão presente nos dois primeiros volumes, é deixada de lado neste último. Tal pode ser debitado ao fato de que nestes, como a grande ênfase foi no desenrolar das duas primeiras Guerras Mundiais, ambientadas na Europa, os Estados Unidos é que esteve como coadjuvante de luxo. Desta feita os papéis estão invertidos.

A Guerra Fria também é demonstrada com requinte pelo olhar europeu. De um lado a Rússia, com suas idas e vindas durante o período em que dominou o mundo comunista enquanto União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). De outro, aquele que por muito tempo foi considerado o possível gancho para uma terceira guerra mundial – o muro de Berlim, e a tensão que separava as então existentes Alemanha Oriental e Alemanha Ocidental.

E é aí que entra forte, mais do que nunca, o tema intolerância. Um dos principais veios da história é o tratamento dado pela polícia política da Alemanha Oriental – a Stasi – para com a família Franck. Esta, reconhecida por ter pensamentos contrários à doutrina comunista então prevalecente, é perseguida de todos os modos, não tendo nenhum de seus anseios permitidos oficialmente. É claro que isso acaba por levar a decisões radicais em suas vidas.

Outro libelo contra a intolerância é a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos. Como disse anteriormente, este é um dos pilares do terceiro volume. Um personagem surgido ao final do segundo volume – George Jakes - “abre mão de uma carreira promissora para trabalhar no Departamento de Justiça do governo Kennedy e acaba se vendo no turbilhão” desta luta. Negro, ele inicia sua trajetória participando de um movimento que viaja pelos estados do Sul dos EUA, sofrendo graves conseqüências por isso. Mas nada impede que ele se engaje cada vez mais, mesmo tendo que algumas vezes dar dois passos atrás para poder contornar uma sociedade que ainda tem dificuldades para enxergar que a cor da pele não faz a mínima diferença.

O livro se mostra de grande valia para uma compreensão de como um dado movido num campo da política internacional pode afetar outro, em outro extremo do mundo. Em como as ações pela melhoria de nossa sociedade mundial por vezes têm que pagar um preço muito duro para alcançar seus objetivos de bem estar, tomando gerações e gerações em sua luta. Será que veremos ainda uma luz a este respeito? Quando a palavra escrita – e desenhada – ainda é objeto de pena de morte por terceiros vemos que ainda estamos longe. Mas há que perseverar. E deixar que tais histórias bizarras sirvam apenas como argumentos para a escrita de romances, ficando apenas na ficção.

Observações de um crítico chato

·        
Há que se ter clareza que é um livro com o olhar ocidental. Talvez fosse o autor de outra origem a visão fosse distinta. Portanto, condescendência de que a visão é totalmente pró um determinado lado, não se busca a imparcialidade aqui. Ou seja, caso se tenha um olhar diferente, tolerância é solicitada;
·         A tradutora, Fernanda Abreu, por vezes se mostrou confusa quanto aos critérios, ora optando por traduzir literalmente, mantendo a terminologia do original em inglês, ora adaptando – “Observou Evie desenhar, dentro de O de ‘mãos’, o símbolo de quatro braços (...)” – pág. 286 – se no original era ‘hands’ a palavra em que letra ele teria desenhado o tal símbolo? / “George sabia que Tim Tedder estava em Saigon fazendo a ponte entre a CIA e o Exército da República do Vietnã, o ARNV”. Eu teria preferido deixar o nome por extenso em inglês. Pareceria-me mais coerente – pág. 485;
·         No capítulo 42 ela troca os nomes de um personagem. Ora ele é Robert Wharton (págs. 723 e 739), ora ele é Albert Wharton (págs. 734 e 737);
·         Por último, um erro bobo de concordância – “Seus pais nunca falava muito (...)” – pág. 906. Num livro de mais de 1000 páginas realmente deve ser cansativo fazer a revisão! Tolerância, meus caros, tolerância!

(1)  Que contém ainda “Queda de Gigantes” e “Inverno do Mundo”, já comentados neste mesmo blog.

Um comentário: