Quando
alguém se propõe a decifrar a si próprio está diante de um enorme desafio.
Imagine então uma pessoa que busca decifrar... toda a humanidade? De um certo
modo foi o que Yuval Noah Harari, autor israelense de Sapiens – Uma Breve História da Humanidade o fez. A obra, a qual tive
acesso em sua 26ª edição, da editora L&PM, publicada no ano passado, possui
464 páginas surpreendentes.
Fonte: www.bondfaro.com.br |
O
historiador Harari aponta para cada um dos preconceitos que possuímos em
relação à origem da sociedade como hoje concebemos a partir da visão da
evolução da espécie Homo Sapiens.
Todas as contradições antes escondidas – sim, escondidas no sentido de que não
a víamos ou não conseguíamos encontrar – são postas à mesa e espantam a todos
os convidados da festa que é a leitura de seu livro.
Não
teve um só momento em que eu não me espantasse com suas afirmações e
raciocínio, trazendo à baila não somente fatos, mas questões de ética que
deixamos passar à frente de cada um dos nossos narizes como se achássemos – e creio
que achamos mesmo – a coisa mais normal do mundo. Uma questão interessante,
vista bem mais à frente no livro, é quando ele aponta para as perspectivas futuras
da humanidade – algo que ele vai explorar mais a fundo no seu livro seguinte,
denominado “Homo Deus” e que em breve será também resenhado por nós.
Particularmente
creio que a afirmação mais polêmica que ele o faz nesse contexto, olhando para
o futuro, é a capacidade do homem de superar a morte. Isso mesmo, o homem, com
o domínio da ciência, em algum determinado momento da História, se tornará amortal. Esse neologismo cunhado pelo
autor significa dizer que não pereceremos mais de causas naturais, porém estaremos
sempre suscetíveis a um acidente de carro, uma bala perdida, etc. Ou seja, não
poderemos nos definir como imortais,
pois a possibilidade da morte nos rondará por um infortúnio.
Esse
grau de afirmação categórica – veja bem, ele não afirma que isto é para amanhã,
mas aponta com convicção que esta nova fronteira científica será (ou até mesmo
já estará) sendo antevista e enfrentada pelos pesquisadores – traz em seu bojo
inúmeras outras questões. Harari aponta, por exemplo, como a questão da morte é
basilar para o funcionamento conceitual das religiões. A morte seria assim um
horizonte a partir do qual as pessoas se orientavam em termos de seus preceitos
religiosos.
A
perspectiva de uma vida finita faz com que as pessoas privilegiem o bem-estar
pessoal. E com o endeusamento desse sentimento – a busca pela felicidade plena
e constante – ao não ser atingido, as pessoas buscam as razões para tal
infortúnio. E em tendo dificuldade para encontrá-lo, buscariam no divino e no sobrenatural
a solução para os seus conflitos.
O
autor passa ao largo da questão de fé. Particularmente, como católico, tenho uma
visão muito específica da origem e do conceito religioso. Aqueles que vivem
numa democracia exaltam muitíssimo o direito de escolha. E a fé é uma escolha acompanhada
por uma convicção que, por mais irracional que pareça, se sobrepõe a eventuais
explicações científicas.
Porém,
observem, isso não quer dizer que eu sou contrário ou refuto as teses de
Harari. Apenas quero dizer que por melhor que o livro dele seja – e é sensacional,
podem acreditar – ainda assim existe espaço para a convivência com suas teses
(e até de certo modo sua aceitação) e continuar sendo um religioso convicto,
com a fé intacta.
Fonte: www.npr.org |
Voltando
para a obra em si ela está dividida em 4 partes – A Revolução Cognitiva; A Revolução
Agrícola; A unificação da humanidade; e A Revolução Científica. É justamente
nessa última que ele toca no ponto acima indicado, da visão do homem como a
morte sendo uma falha técnica plenamente superável no futuro (não só a morte,
como também o envelhecimento, pois não valeria a pena se manter vivo acompanhado
das dores da derrocada física com o passar dos anos).
Nas
3 primeiras partes ele altera nosso modo de enxergar a evolução da humanidade e
por consequência da sociedade na qual estamos inseridos. Esta parte do livro me
parece irretocável. Nunca ninguém havia apontado de maneira tão clara nossos
erros de concepção enquanto observadores de nossa própria História na qualidade
de humanos. Esqueçam a divisão do mundo entre nações. Estamos falando de cada
um de nós, como indivíduos, em qualquer ponto do planeta. Reputo como um livro daqueles
que se tornou obrigatório em ser lido, para que possamos compreender de onde
viemos – e talvez concordar com ele para onde vamos.
Dito
isto, faço um desafio a vocês. Escolham entre as páginas 11 a 428, qualquer
uma. Eu reproduzirei nos comentários abaixo – naqueles que preferirem, por
outros meios de contato (e-mail, WhatsApp) – trechos do livro com afirmações surpreendentes
e por vezes chocantes que Harari o faz até com um humor peculiar. Atenção: eu afirmo para vocês que não existe uma única
página do livro que não deixe esta sensação.