quarta-feira, 18 de julho de 2018

BONECO DE NEVE


Dificilmente elogio efusivamente um livro. Mas não há como negar que Boneco de Neve, obra do escritor norueguês Jo Nesbo, publicado no Brasil pela Record, cuja obra tive acesso já em sua 10ª edição (2017), com 420 páginas, é daqueles thrillers que te prendem do início ao fim. Você não quer largar o livro antes de saber o final da trama!!!!

Imagem: https://www.estantevirtual.com.br/

Dividido em 5 partes, Boneco de Neve retrata a caçada do detetive de Oslo, Harry Hole – um nome americano demais, eu diria – a um serial killer que, antes de assassinar suas vítimas (perfil: mulheres casadas, com filhos), constrói o dito boneco próximo às casas em que habitam, aproveitando a primeira nevada da temporada.

Acompanham Hole nessa caçada – diga-se de passagem que o personagem central é protagonista de outras 10 obras do autor [O morcego / Baratas / Garganta Vermelha / Casa da Dor / A Estrela do Diabo / O Redentor / O Leopardo / O Fantasma / Polícia, além de um ainda não publicado no Brasil, The Thirst (A sede)], o que de uma certa forma é quase inverossímil, dado o estado em que chega nesta – alcoólatra, se separando da mulher que ama e com a qual criava um filho, que não era seu[1]] – são o Skarre, um colega cético; Hölm, o perito; e a nova Katrine Bratt, recém-chegada da delegacia da pequena cidade de Bergen, que posteriormente – a cidade – vem a se mostrar central para trama.

A narrativa inicia-se com um flashback, recurso que é retomado de vez em quando para esclarecer ao leitor a origem de determinados pontos, isto sem perder o empuxo que é determinado pelo autor, frenético. Em determinado momento – acredito que com 2/3 do livro, ou seja, lá pela página 300, o leitor já tenha algumas teorias a respeito do assassino – o que quer dizer que não é uma estória inacessível no sentido de que as pistas dadas são suficientes para se chegar bem próximo de quem seria o assassino. Apesar disso, não é possível se ter certeza absoluta.

Mas o grande gancho no qual Nesbo fisga o leitor é que este se vê torcendo pela sua teoria – que aí já deve estar evidente em termos de que é a correta – ser confirmada e que o protagonista, em desabalada carreira – Harry Hole parece estar sempre prestes a obter a solução do mistério e a ter que sair correndo para fechar uma lacuna – possa prender ou alcançar aquele que é o objeto de seus piores pesadelos, num ritmo muito próximo do filme Catch Me If You Can, com Leonardo Di Caprio e Tom Hanks. Aliás, diga-se de passagem, Boneco de Neve virou filme também, tendo Michael Fassbender no papel de Hole.

Assim sendo, julgamos este como um daqueles livros que, para quem gosta de um bom suspense e ação de primeira, deve estar na sua prateleira. Para terminar, levando-se em conta a pequena história de vida do autor, entende-se porque seu protagonista é um outsider, no sentido de ser alguém externo ao lado confortável da vida que a sociedade nos impõe como padrão, algo que torna mais compreensível o universo em que seus personagens se inserem, o que não deixa de ser sedutor para a maioria dos leitores:
Foto: https://www1.folha.uol.com.br/

Before becoming a crime writer, Nesbo played football for Norway’s premier league team Molde, but his dream of playing professionally for Spurs was dashed when he tore ligaments in his knee at the age of eighteen. After three years military service he attended business school and formed the band Di derre ('Them There'). They topped the charts in Norway, but Nesbo continued working as a financial analyst, crunching numbers during the day and gigging at night. When commissioned by a publisher to write a memoir about life on the road with his band, he instead came up with the plot for his first Harry Hole crime novel, The Bat.
Fonte:
 https://jonesbo.com/jo-nesbo/#videos-DTu2H5VhnJI – acessado em 18 de Julho de 2018.

Enfim, recomendo com todas as minhas forças. E isso é raro!


[1] Ou como dito em https://jonesbo.com/harry-hole/ : A cult figure already after the first book, Hole is a genuine anti-hero; an impossible character yet impossible not to like.

sábado, 7 de julho de 2018

ORIGEM



“(...) comecei a conversa dizendo a verdade: que eu sempre havia considerado a religião como uma forma de ilusão de massas e que, como cientista, achava difícil aceitar que bilhões de pessoas inteligentes contassem com suas respectivas crenças religiosas para ser consoladas e orientadas”.
Pág. 57

A última obra de Dan Brown, conhecido autor de O Código Da Vinci entre outros, chama-se Origem. Editado pela Arqueiro, em 2017, o thriller contendo 432 páginas discorre sobre a estória de um brilhante cientista que desafia o conceito das religiões a partir da busca pela resposta a duas perguntas: De onde viemos? E para onde vamos?

Fonte: https://pausadramatica.com.br/
Edmund Kirsh, o cientista acima indicado, como não podia deixar de ser, é um conhecido e célebre colega do simbologista Robert Langdon, personagem central desta série de estórias de enigmas entrelaçados desenvolvida por Brown no decorrer dos anos. A narrativa se passa na Espanha, onde Kirsh tem como sede para suas pesquisas. Ele atrai a futura rainha daquele país, Ambra Vidal, então diretora do Museu Guggenheim em Bilbao, para receber uma de suas apresentações na qual ele se propõe expor suas teorias para responder tais perguntas e desmoralizar de uma vez o conceito religioso quanto à existência de um Deus criador.

Leitores como eu, católicos, ficam acompanhando a narrativa se perguntando como um autor de ficção como Brown irá expor uma teoria até então inexistente que poderia abalar a religião tal como a enxergamos hoje em dia. Fato é que mesmo após o lançamento, nada do que foi dito no livro gerou algum tipo de desdobramento, o que, como leitores, nos leva a crer que qualquer que fosse a teoria estaria no campo das hipóteses que não responderia tais perguntas de maneira a solapar a esperança e a fé de bilhões.

Particularmente tenho uma visão muito simples sobre este ponto: a teoria mais aceita até hoje pelo meio científico em relação à origem do universo – e da vida nele, este sim o ponto central da polêmica debatida no livro – é o Big Bang. Eu sempre digo que ela não é, de modo algum, contrária ao que a religião católica prega, pois os estudiosos mais modernos da Bíblia já esclareceram que, principalmente o Antigo Testamento, é uma peça ilustrativa no que diz respeito ao Gênesis, de modo a explicar de maneira simples para os povos da época conceitos de convivência em comunidade, indicando os preceitos determinados pela religião. Não é uma verdade literal dos fatos.

Feito este esclarecimento, o embate entre os chamados criacionistas e cientistas cai por terra. A minha pergunta central permanece, e sustenta toda a minha crença e fé em Deus: o que veio antes do Big Bang? Não existe resposta para esta pergunta, nem mesmo para um autor tão imaginativo como Brown.

Do livro em si, trata-se mais um daqueles que nos prende do início ao fim, dada a aceleração de acontecimentos que passam diante de nossos olhos. Brown soube com maestria aliar a nova linguagem de mídia, incorporando no corpo do texto exemplos de exposição na mídia eletrônica, mais especificamente na internet, de uma página imaginária com seus posts indicando o impacto da tecnologia e da disseminação da informação – mesmo que enganosa – via internet. A Conspiracy.net torna-se assim um personagem à parte da trama, meio que como um animador de auditório lembrando ao leitor o ritmo alucinante em que vivemos atualmente, bombardeados de informações nem sempre verdadeiras, para com as quais temos que ter o discernimento de separar o joio do trigo.


E é justamente esse esforço que o leitor é convidado. O livro vai num crescente até o momento da exposição da teoria propalada em seu início. O leitor fica na expectativa de conhecê-la, para refutá-la ou não com suas próprias crenças pessoais, religiosas ou científicas. Por trás disso tudo, pelo menos duas tramas paralelas que somente são desvendadas nos capítulos finais, e para as quais nem por um momento o leitor tem a mínima noção, demonstram como Brown é um tecelão de temas, apontando para talvez para as principais mensagens que queira passar para seus fãs: a importância da tolerância em nossa sociedade; e o perigo que estamos correndo em não saber lidar com o desenvolvimento e a inserção desenfreada da tecnologia em nossas vidas.

Por último, já nos agradecimentos – seção na qual descobrimos que pelo menos dois personagens foram denominados a partir de pessoas existentes na vida real – temos um insight de que talvez Brown tenha um desejo secreto com sua série de livros nos quais Langdon é protagonista. Ele diz: “Em primeiro lugar, ao meu editor e amigo Jason Kaufman, por seu conhecimento profissional (...); mas, acima de tudo, por (...) sua compreensão do que estou tentando realizar com essas histórias” (pág. 428). O que será? Os leitores vorazes de Brown teriam ideia?

Em sua página oficial ele é assim descrito:

The son of a mathematics teacher and a church organist, Brown was raised on a prep school campus where he developed a fascination with the paradoxical interplay between science and religion. These themes eventually formed the backdrop for his books. He is a graduate of Amherst College and Phillips Exeter Academy[1] (…).
Fonte : http://danbrown.com/ - acessado em 08/07/18

Podemos então imaginar que o principal objetivo de Brown é conciliar a visão religiosa com a científica, propiciando o dito equilíbrio entre duas abordagens distintas e diminuindo a tensão existentes em nossa sociedade envolta em dogmas políticos e sociais?

No livro, um símbolo para ateus.
Para os nerds, Avengers?
Isso é possível, dado que o personagem principal de Origem busca a mesma coisa, solapando a religião porém, em prol de uma adoração à ciência como o caminho para agregar as pessoas em torno de um bem comum – algo que é rejeitado, em certa medida, por Langdon, o qual por sua vez acreditamos ser o alter ego do autor. Em assim sendo isso possibilita, portanto, deduzir, que ao contrário de Kirsh, Brown defenda a coexistência entre religião e ciência como sua verdadeira missão. E nada melhor que um simbologista para lidar com tais temas, dado que ambos os espectros – tais talvez como nossa vida enquanto seres humanos – a religião e a ciência, são repletos de símbolos, que por sua vez acabam por justificar muitas de nossas atitudes em sociedade.



[1] O mesmo do seu personagem principal – Robert Langdon.