sábado, 24 de junho de 2017

O Último Trem para a Zona Verde

Viajar para a África é uma aventura. Mas não transportem suas mentes para savanas plácidas, repletas de girafas, elefantes, leões, etc. Todo esse estereótipo é deixado para trás quando você está numa grande cidade africana e é confrontado com a disparidade social existente. Este é o mundo que nos oferece Paul Theroux em seu “O Último Trem para a Zona Verde”, publicado pela Editora Objetiva, do Rio de Janeiro, em 2015, contendo 335 páginas de descrição do assombro e desassossego por parte do autor com relação ao futuro de toda uma geração de africanos.



“Paul Theroux é um dos mais prolíficos e consagrados escritores norte-americanos da atualidade. Viveu na Itália, no Reino Unido, em Uganda e em Cingapura”, sendo “(...) celebrado por seus relatos de viagem (...)” e “(...) atualmente divide seu tempo entre Cape Cod, na costa leste dos Estados Unidos, e o Havaí”. Quando da viagem que deu origem ao livro, que tem como subtítulo “Meu derradeiro safári africano”, Theroux já havia atingido a longeva idade de 70 anos. Ele demonstra um imenso carinho para com o continente africano, o que motivou a pôr-se na estrada mais uma vez como um andarilho, sem um plano específico além do mínimo necessário. Sua mochila, andar por terra em trens e ônibus, a partir da África do Sul, atravessando a Namíbia e chegando à Angola.

Sua preocupação com o legado cultural e humano para as gerações futuras está presente a todo momento no livro, desde à dedicatória aos netos, até aos relatos que permeiam a obra, sempre com o olhar investigativo e perscrutador do viajante que enxerga em crianças de uma escola espantadas com o passado do seu próprio povo – ainda refletido em algumas tradições que permanecem – passando por processos de iniciação em uma aldeia perdida nos rincões do interior, até aqueles jovens deixados de lado que o abordam no meio de uma rua de uma pequena cidade ou até mesmo na capital de Angola, Luanda.

Theroux denomina esta aventura como seu “derradeiro safári” por não suportar mais enxergar o desperdício com que aquela gente é tratada a partir da constatação da riqueza existente e desviada para as mãos de poucos burocratas e de uma elite que reproduz as tradições colonialistas para se perpetuar no poder na base da corrupção e encaminhamento de má fé das atividades que deveriam ser destinadas ao desenvolvimento socioeconômico dos países pelos quais passou.

Na primeira parte da sua viagem se vê a todo momento contrapondo o espanto de sul-africanos, seus conhecidos, habitantes da Cidade do Cabo, com sua proposta de jornada. Alguns não compreendem como um norte-americano, que mesmo já tendo tido sua parcela de África anteriormente ao morar em Uganda e lá lecionar, pode ambicionar chegar a Angola por terra, passando por terras devastadas pela Guerra Civil, encarando a desesperança de todo um povo para com o seu futuro.

Ao passar pela Namíbia verifica como o estabelecimento de uma espécie de “colônia alemã” em plena África trouxe a organização para uns poucos afortunados. Porque mesmo aquelas cidades tão organizadas ao estilo germânico, que repetem inclusive a arquitetura daquele país europeu, são circundadas por favelas, bolsões de pobreza na qual um apartheid social permanece estabelecido entre ricos e pobres, quase não havendo uma classe média como a concebemos aqui no Brasil.

Chegando a Angola, já inconformado com tudo que já tinha visto, alcança um novo nível de espanto, dado aquele país ser tão rico em petróleo, porém não ter a mínima compostura em apresentar para o mundo uma má distribuição de sua riqueza de tal monta que as favelas angolanas, seu interior empobrecido, empesteado por vendedores ambulantes que oferecem aos desavisados toda sorte do que entendem ser aceitável – frangos repletos de moscas no meio da estrada, que vai do nada para lugar nenhum num horizonte identificável – ser uma cena comum, visto não somente uma, mas duas ou três vezes durante sua jornada. Suas tentativas de travar diálogos em todos os países com interlocutores selecionados para apresentá-lo ao mundo real das terras às quais estava percorrendo geram relatos que se repetem em relação àqueles que são abordados por sua vez de maneira não planejada – um encontro num bar entre desconhecidos, por exemplo.

Meu desafio a Phaks [motorista que o conduziu a visitas às favelas sul-africanas] tivera o efeito de deixá-lo revoltado. Agora estava contra os criminosos, como eu estivera, batendo no volante com a palma da mão, apontando para os grafites, o lixo, os marmanjos, e os jovens ociosos diante das lojas e nas esquinas (...). (Pág. 45)

Estive em Moçambique em meados da década passada. Tudo que foi exposto nesse livro me soou conhecido. Em determinado momento, durante uma caminhada pelo centro de Maputo, pude observar os mesmos olhares de conformidade com uma pobreza, mas ao mesmo tempo de uma latente revolta com sua condição vivida. De camisa da seleção, era abordado a todo momento com muitas ofertas. “Ô brasileiro, não queres olhar alguns relógios?”, com aquele sotaque lusitano herdado da época colonial. Isso não por uma pessoa, mas a todo momento, a todo instante.

Num ônibus que parava no tráfego às vezes durante 20 minutos seguidos, e com o contínuo saltar de passageiros, pensei que deveria estar no centro de Luanda, de modo que saltei com outros passageiros. O lugar se chamava Benfica, um bairro de tráfego pesado e prédios feios, cheirando a poeira e fumaça diesel. África sim, mas também era uma versão da Chechênia, e da Coreia do Norte e do Brasil litorâneo abandonado, lugares sem aspecto salvador algum, lugares dos quais fugir. (Pág. 290)

Outro personagem sempre presente eram os chineses. Construções feias, lojistas como aqueles que vemos na 25 de Março em São Paulo, são os novos invasores da terra prometida. Theroux também os percebeu. Uma nova diáspora se origina. O eixo China-África serve a múltiplos propósitos. Abrir espaço para uma multidão sem alternativas em seu país de origem, além de impor uma nova ordem que pode ser facilitadora da exploração de um continente ainda aberto a ser desbravado em suas riquezas. Uma lástima que o mundo não perceba – ou não dê importância – ao que acontece na África. Não pelos chineses, mas pelo povo africano em si.

Os primeiros trabalhadores chineses a chegar a Angola foram criminosos, prisioneiros do sistema judicial chinês: ladrões, estupradores, dissidentes, desertores e piores, um eco da imigração inicial de Portugal. (...) Aqueles prisioneiros chineses eram a força de trabalho dos projetos de construção China-Angola – os prédios em, tom pastel feios e superdimensionados, as estradas costeiras, a dragagem do porto de águas profundas de Lobito – e depois de cumprir suas sentenças, o acordo era que permaneceriam em Angola. Presumivelmente, como os degredados portugueses, eles se alçariam à burguesia ou a uma classe superior de novos-ricos. (Pág. 271)


Se os asiáticos trouxessem em seu coração e mentes o conceito de apoiar o desenvolvimento de uma nova região, seriam certamente bem vistos e bem-vindos. Mas não parece ser esta a realidade. Theroux não suporta mais observar tal desperdício. Chega à conclusão de que existe uma geração de jovens que talvez precise de sua ajuda bem no quintal da sua casa. Seu estômago de 70 anos parece ter se decidido a não mais voltar à África. Mas fazer o possível que gerações futuras nos Estados Unidos percebam o quão importante é tratar com desvelo seu legado, não somente para sua vizinhança, mas para o mundo como um todo.