Viajar
para a África é uma aventura. Mas não transportem suas mentes para savanas
plácidas, repletas de girafas, elefantes, leões, etc. Todo esse estereótipo é
deixado para trás quando você está numa grande cidade africana e é confrontado
com a disparidade social existente. Este é o mundo que nos oferece Paul Theroux
em seu “O Último Trem para a Zona Verde”, publicado pela Editora Objetiva, do
Rio de Janeiro, em 2015, contendo 335 páginas de descrição do assombro e
desassossego por parte do autor com relação ao futuro de toda uma geração de
africanos.
“Paul
Theroux é um dos mais prolíficos e consagrados escritores norte-americanos da
atualidade. Viveu na Itália, no Reino Unido, em Uganda e em Cingapura”, sendo “(...)
celebrado por seus relatos de viagem (...)” e “(...) atualmente divide seu
tempo entre Cape Cod, na costa leste dos Estados Unidos, e o Havaí”. Quando da
viagem que deu origem ao livro, que tem como subtítulo “Meu derradeiro safári
africano”, Theroux já havia atingido a longeva idade de 70 anos. Ele demonstra
um imenso carinho para com o continente africano, o que motivou a pôr-se na
estrada mais uma vez como um andarilho, sem um plano específico além do mínimo
necessário. Sua mochila, andar por terra em trens e ônibus, a partir da África
do Sul, atravessando a Namíbia e chegando à Angola.
Sua
preocupação com o legado cultural e humano para as gerações futuras está
presente a todo momento no livro, desde à dedicatória aos netos, até aos
relatos que permeiam a obra, sempre com o olhar investigativo e perscrutador do
viajante que enxerga em crianças de uma escola espantadas com o passado do seu
próprio povo – ainda refletido em algumas tradições que permanecem – passando por
processos de iniciação em uma aldeia perdida nos rincões do interior, até
aqueles jovens deixados de lado que o abordam no meio de uma rua de uma pequena
cidade ou até mesmo na capital de Angola, Luanda.
Theroux
denomina esta aventura como seu “derradeiro safári” por não suportar mais
enxergar o desperdício com que aquela gente é tratada a partir da constatação
da riqueza existente e desviada para as mãos de poucos burocratas e de uma
elite que reproduz as tradições colonialistas para se perpetuar no poder na
base da corrupção e encaminhamento de má fé das atividades que deveriam ser
destinadas ao desenvolvimento socioeconômico dos países pelos quais passou.
Na
primeira parte da sua viagem se vê a todo momento contrapondo o espanto de
sul-africanos, seus conhecidos, habitantes da Cidade do Cabo, com sua proposta
de jornada. Alguns não compreendem como um norte-americano, que mesmo já tendo
tido sua parcela de África anteriormente ao morar em Uganda e lá lecionar, pode
ambicionar chegar a Angola por terra, passando por terras devastadas pela
Guerra Civil, encarando a desesperança de todo um povo para com o seu futuro.
Ao
passar pela Namíbia verifica como o estabelecimento de uma espécie de “colônia
alemã” em plena África trouxe a organização para uns poucos afortunados. Porque
mesmo aquelas cidades tão organizadas ao estilo germânico, que repetem
inclusive a arquitetura daquele país europeu, são circundadas por favelas,
bolsões de pobreza na qual um apartheid social permanece estabelecido entre
ricos e pobres, quase não havendo uma classe média como a concebemos aqui no
Brasil.
Chegando
a Angola, já inconformado com tudo que já tinha visto, alcança um novo nível de
espanto, dado aquele país ser tão rico em petróleo, porém não ter a mínima
compostura em apresentar para o mundo uma má distribuição de sua riqueza de tal
monta que as favelas angolanas, seu interior empobrecido, empesteado por
vendedores ambulantes que oferecem aos desavisados toda sorte do que entendem
ser aceitável – frangos repletos de moscas no meio da estrada, que vai do nada
para lugar nenhum num horizonte identificável – ser uma cena comum, visto não
somente uma, mas duas ou três vezes durante sua jornada. Suas tentativas de
travar diálogos em todos os países com interlocutores selecionados para apresentá-lo
ao mundo real das terras às quais estava percorrendo geram relatos que se
repetem em relação àqueles que são abordados por sua vez de maneira não
planejada – um encontro num bar entre desconhecidos, por exemplo.
Meu desafio a Phaks [motorista que o conduziu a visitas
às favelas sul-africanas] tivera o efeito
de deixá-lo revoltado. Agora estava contra os criminosos, como eu estivera,
batendo no volante com a palma da mão, apontando para os grafites, o lixo, os
marmanjos, e os jovens ociosos diante das lojas e nas esquinas (...). (Pág.
45)
Estive
em Moçambique em meados da década passada. Tudo que foi exposto nesse livro me
soou conhecido. Em determinado momento, durante uma caminhada pelo centro de
Maputo, pude observar os mesmos olhares de conformidade com uma pobreza, mas ao
mesmo tempo de uma latente revolta com sua condição vivida. De camisa da
seleção, era abordado a todo momento com muitas ofertas. “Ô brasileiro, não
queres olhar alguns relógios?”, com aquele sotaque lusitano herdado da época
colonial. Isso não por uma pessoa, mas a todo momento, a todo instante.
Num ônibus que parava no tráfego às vezes durante 20
minutos seguidos, e com o contínuo saltar de passageiros, pensei que deveria
estar no centro de Luanda, de modo que saltei com outros passageiros. O lugar
se chamava Benfica, um bairro de tráfego pesado e prédios feios, cheirando a
poeira e fumaça diesel. África sim, mas também era uma versão da Chechênia, e
da Coreia do Norte e do Brasil litorâneo abandonado, lugares sem aspecto salvador
algum, lugares dos quais fugir. (Pág. 290)
Outro
personagem sempre presente eram os chineses. Construções feias, lojistas como
aqueles que vemos na 25 de Março em São Paulo, são os novos invasores da terra
prometida. Theroux também os percebeu. Uma nova diáspora se origina. O eixo
China-África serve a múltiplos propósitos. Abrir espaço para uma multidão sem
alternativas em seu país de origem, além de impor uma nova ordem que pode ser
facilitadora da exploração de um continente ainda aberto a ser desbravado em
suas riquezas. Uma lástima que o mundo não perceba – ou não dê importância – ao
que acontece na África. Não pelos chineses, mas pelo povo africano em si.
Os primeiros trabalhadores chineses a chegar a Angola
foram criminosos, prisioneiros do sistema judicial chinês: ladrões,
estupradores, dissidentes, desertores e piores, um eco da imigração inicial de
Portugal. (...) Aqueles prisioneiros chineses eram a força de trabalho dos
projetos de construção China-Angola – os prédios em, tom pastel feios e
superdimensionados, as estradas costeiras, a dragagem do porto de águas
profundas de Lobito – e depois de cumprir suas sentenças, o acordo era que
permaneceriam em Angola. Presumivelmente, como os degredados portugueses, eles
se alçariam à burguesia ou a uma classe superior de novos-ricos. (Pág. 271)
Se
os asiáticos trouxessem em seu coração e mentes o conceito de apoiar o
desenvolvimento de uma nova região, seriam certamente bem vistos e bem-vindos.
Mas não parece ser esta a realidade. Theroux não suporta mais observar tal
desperdício. Chega à conclusão de que existe uma geração de jovens que talvez
precise de sua ajuda bem no quintal da sua casa. Seu estômago de 70 anos parece
ter se decidido a não mais voltar à África. Mas fazer o possível que gerações
futuras nos Estados Unidos percebam o quão importante é tratar com desvelo seu
legado, não somente para sua vizinhança, mas para o mundo como um todo.