Para
os católicos em geral existe uma batalha diária sendo travada. Ela diz respeito
a como justificar, além da simples manifestação de fé, paradigmas de sua
religião diante de um mundo novo.
Este
desafio foi enfrentado com sabedoria pelo Padre Hélio Libardi, na obra “Religião
Também se Aprende – Vol. 10”, da Editora Santuário – Aparecida, SP – 2003 – 96 páginas.
Apesar de ter 14 anos, mantém-se atual, abordando inúmeras dúvidas que surgem a
partir do cotidiano de um leigo frente às dificuldades do dia a dia.
Dividido
por áreas temáticas – casamento, comportamento, cotidiano, crer ou não crer,
Deus Pai, Igreja, modernidade, pecado, práticas cristãs, santos e unção dos
enfermos – e com um linguajar leve, é obra de fácil leitura para todos.
Esclarece diversas questões como se estivesse conversando contigo num banco de
praça.
Eu
mesmo venho observando com o passar do tempo, e é notória a adaptação do
discurso de alguns religiosos aos fenômenos dos tempos atuais. O próprio Papa
Francisco se notabilizou por enfrentar diretamente diversas dessas questões,
sem fugir de nenhuma delas.
A
confusão se inicia quando as pessoas se prendem ao discurso literal da Bíblia.
A Bíblia chegou a nós através dos tempos por tradição oral, até o momento em
que houve a preocupação de se ter um registro escrito do que era passado
adiante entre os cristãos. As mensagens e histórias ali presentes tinham que respeitar
o contexto da época e o público-alvo. Por isso a profusão de metáforas existentes.
A
concepção de Paraíso e o surgimento da mulher (numa sociedade machista por
natureza) são os exemplos mais notórios. Estes tinham como objetivo simplificar
para o povo mais simples o entendimento dos conceitos de pecado e da origem do
homem, dado o pouco conhecimento científico da época. Sim, a religião católica
hoje em dia convive bem com o avanço da Ciência, obviamente mantendo seu
entendimento como filosofia a respeito das questões expostas pelo meio científico.
Não necessariamente este entendimento é abraçado por todos.
Este
é o primeiro do entendimento que para os leigos é necessário: a
contextualização da mensagem. De resto, os dois principais mandamentos servem
como balizadores do restante da vida católica: amai-vos uns aos outros como Eu
vos amei; e amar a Deus acima de todas as coisas. Imagine se as pessoas, independentemente
de religião, seguissem tais preceitos? O mundo seria um lugar muito melhor para
se viver, sem dúvida!
Vinculado
a isto teríamos o respeito mútuo e a percepção de que existe um algo maior que
todos nós, o que nos daria o devido entendimento da nossa pequenez diante das
coisas. Cada problema seria dimensionado como deveria ser: como um problema a
ser resolvido, e nada mais do que isso. Soluções existem para quase tudo, como
diz a sabedoria popular. Portanto, porque não trabalhar isso de maneira
harmônica com o próximo? Se cada um de nós tivesse isso em mente, começando por
si próprio, talvez essa corrente se espalhasse e todos veríamos um círculo virtuoso
se formando.
Mas,
isso também não tem que ser visto como uma obrigação. O próprio conceito de culpa
e pecado também é abordado pelo Padre Hélio, flexibilizando essa auto-imposição
de um martírio que os católicos parecem carregar. Somos humanos, sujeitos a
falhas, e temos que saber conviver com elas, tendo-as como aprendizado para não
voltar a cometê-las no futuro. Mas elas também não podem ser um peso em nossas
vidas! Religião também se aprende, e deve ser um alívio, e não um fardo.
Deixo
com vocês, abaixo, a transcrição de uma das seções do livro para entenderem o
que lhes expus acima:
Um simples olhar já
é pecado? – páginas 73-74
A
desorientação e a falta de formação de consciência fazem muita gente sofrer e
viver atormentada. Quantas se julgam em pecado por causa de um olhar, de um
pensamento.
Aqui
entra o grande problema de quem forma sua consciência segundo a letra da Lei.
Embora Jesus tenha dito e mostrado pelas curas feitas em sábado e pelas espigas
arrancadas pelos discípulos que a Lei não salva ninguém, há quem se sinta seguro
agarrando-se à letra da Lei. De fato não é fácil romper o cerco de tantos anos
de catequese e de velhas listas de pecado. A Lei é excelente, mas ela é
indicadora do caminho e não o próprio caminho. É isso que leva Paulo a dizer
que as leis existem por causa das transgressões.
Assim
acontece com os leitores distraídos do texto: “Quem olhar para uma mulher com
desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em seu coração” (Mt 5,28). Não
percebem que o que faz o pecado é a maldade.
Ver
é um ato normal, não podemos andar de olhos vendados, a realidade está na nossa
frente, ninguém pode induzir-nos a ser como certos santos que nem sequer olhavam
para o rosto da própria mãe, se é que isso é verdade.
É
certo também que devemos fazer a vigilância, porque quem não se policia, resguarda-se,
vai ter uma mente fecunda em imagens e situações que facilmente os levarão ao
desequilíbrio ou ao erro. (...) Uma mente mais aberta é mais saudável para
todos. (...).