Vivi
um grande dilema para avaliar a obra “Relações Internacionais Contemporâneas:
Visões Brasileiras”, compêndio de artigos organizado pelos Profs. Carlos
Maurício Ardissone e André Luis Prudência Sena, publicado pela Editora Appris,
de Curitiba, no ano de 2013. A obra contém 329 páginas, é organizada por um
amigo pessoal – Carlos Maurício, também autor de um dos artigos – e, além
disso, tem um texto da minha lavra. Ou seja, como analisar algo com
impessoalidade sendo tão pessoal?
Buscando
ser ético e ao mesmo tempo não fugir da missão que me auto foi imposta ao criar
o Proximideas, resolvi encarar o desafio com a seguinte estratégia – apontando
para vocês o que são os problemas enfrentados por organizadores de obras
coletivas, como é o caso. André e Carlos Maurício, quase que com certeza,
envoltos nas diversas temáticas que dizem respeito às Relações Internacionais,
tentaram ser o mais plurais possíveis, com o objetivo de alcançar toda a gama
dos principais temas com que discutem corriqueiramente com seus pares do meio
acadêmico.
Tal
fato se percebe pela distribuição de áreas temáticas exposta no livro:
Ø
Ciência
Política e Teoria das Relações Internacionais (2 artigos); Carlos Maurício Ardissone
Ø
Segurança
Internacional (3 artigos);
Ø
Integração
Regional e Direito Comunitário (2 artigos);
Ø
Temas
da Agenda Internacional Contemporânea (2 artigos);
Ø
Estudos
de Nações (3 artigos);
Ø
Políticas
Públicas e Relações Internacionais (1 artigo).
Poderia
se depreender a partir da distribuição quantitativa de textos que os aspectos
vinculados à Segurança Internacional e Estudos de Nações teriam maior relevo. A
meu ver não foi esse o caso – que pode de toda forma ser desmentido pelos organizadores,
mas aqui vai o meu olhar externo. Acredito que o maior volume de produções em
relação a estes temas tenha colaborado para a necessidade de serem incorporados
em maior quantidade à obra. O que não necessariamente significa dizer que são
ou não são mais valiosos que os outros temas abordados.
André L. P. Sena
É
claro que, por exemplo, no meu caso específico, em que colaborei com a última
seção – Políticas Públicas e Relações Internacionais – senti falta de um
diálogo com uma outra experiência que não a minha exposta. Mas isso não diminui
o tema. Por outro lado, em Estudos de Nações, André Luis Prudêncio Sena, um dos
organizadores e autor direto do artigo denominado “Povo Palestino: uma
Identidade Nacional em Construção” (275-284), fez muito mais um libelo, juntando
poesia e política, em favor da análise de um processo – e não de seu resultado,
pois não podemos dizer que a questão Palestina se encontra “resolvida” – do que
necessariamente fez um artigo dito “científico”. E nem mesmo por isso também o
valor do texto pode ser diminuído.
Analisando
com calma cada uma das seções da obra, posso lhes dar minhas seguintes
impressões:
Ø A
primeira - Ciência Política e Teoria das
Relações Internacionais - foi extremamente beneficiada pelo texto de Amado
Cervo, “Conceitos em Relações Internacionais” (17-38), verdadeira base para
todos que querem se aprofundar no campo dos grandes debates teóricos de RI –
“Existem três paradigmas de Estado, afirma: o hobbesiano, que vê os outros como
inimigos, o lockeano, que os vê como rivais, e o kantiano, que os vê como
amigos” (1);
Ø Na
seção relativa à Comércio Internacional
por vezes o jargão jurídico prejudica a leitura, mas se faz necessário para
alcançar um público específico. Talvez o texto de Mirna Larissa Wachhotz – “As
Relações Brasil-China: o Caso Etanol” (75-98) pudesse ser melhor aproveitado
numa obra totalmente voltada para uma análise do grande Dragão Asiático, mas
pelo equilíbrio dos artigos entende-se sua presença neste ponto;
Ø Na
seção sobre Segurança Internacional
ganha destaque o artigo “A Pretensão Brasileira por uma Cadeira Permanente no
Conselho de Segurança da Onu”, de Fabio Koifman (145-184), grande levantamento
histórico da aludida pretensão (2);
Ø Em
Integração Regional e Direito
Comunitário fica clara a pretensão dos organizadores em expor duas
experiências distintas – o tal diálogo necessário, que apontei acima como algo
ausente na última seção. Seria esta, também, mais uma seção voltada mais para
os amantes do Direito. Talvez a formação advocatícia de Carlos Maurício tenha
contribuído para tal característica;
Ø Em
Temas da Agenda Internacional
Contemporânea chama atenção particularmente o artigo de Lauro Parente,
“Relações Internacionais num Mundo Midiatizado”, contextualizando a criação dos
grandes conglomerados internacionais e sua agenda formadora de opinião, algo às
vezes esquecido nesse mundo inundado de informações via internet;
Ø Por
último, em Estudos de Nações, os
três países que serviram de pauta – Palestina, Paraguai e Angola – têm suas
histórias particulares de luta por melhores condições de vida para suas
populações. Porém, talvez fosse interessante ter textos sobre outros grupos de
países, representantes daqueles ditos “desenvolvidos”. Porém, dado o limite de
uma obra, e ser este um campo que poderia gerar milhares de livros, se entende
como operacionalmente necessário um viés de escolha. E por que não privilegiar
os não comumente privilegiados?
Obviamente
não posso analisar a seção que consta apenas do meu próprio artigo, além do que
já comentei acima. Feitas estas considerações, posso dizer que como obra
introdutória o livro serve para que os estudantes de RI possam ter uma noção do
quão vasto é o mundo que têm a sua frente, a grande variedade de escolhas e
caminhos que poderão eleger. Tendo em vista isso, podemos dizer que os
organizadores foram bem sucedidos em seu intento. Porém, sem dúvida, não é uma
obra para leigos.
1. Referências
a “Thomas Hobbes (1588-1679) foi
teórico político, filósofo e matemático inglês. Sua obra mais evidente é
‘Leviatã’, cuja ideia central era a defesa do absolutismo e a elaboração da
tese do contrato social. Hobbes viveu na mesma época que outro teórico
político, John Locke [1632-1704], que era defensor dos princípios do
liberalismo, ao passo que Hobbes pregava um governo centralizador. Fonte: http://www.e-biografias.net/thomas_hobbes/ . Já Immanuel Kant [1724-1804] buscou
fundamentar na razão os princípios gerais da ação humana, elaborando as bases
de toda a ética moderna. Fonte: http://educacao.uol.com.br/biografias/immanuel-kant.jhtm
2. Acho
tal pretensão ilusória. Em que pese o bom senso dizer que o Conselho de
Segurança das Nações Unidas não ser mais representativo do mundo plural em que
vivemos no que diz respeito a sua composição de membros permanentes, estes
criarão toda ordem de obstáculos para manter o seu poder. E sua influência
econômica somente facilitará essa tarefa. Uma ilusão, enfim, imaginar que isso
um dia seja mudado. Seria necessária uma hecatombe para isso ocorrer, algo que
nenhum de nós deseja. Em tempos de Criméia, é bom que isso seja dito.