Neste
primeiro post de 2018 não vou escrever sobre um livro especificamente – mas sobre
um projeto, que acaba redundando num livro. O projeto Tecendo Textos, no ano
recém findo, organizado pelo Colégio La Salle ABEL, alcançou sua 7ª edição. Ele
tem como objetivo reunir as 3 melhores redações de cada turma durante o ano,
desde o 2º ano do Ensino Fundamental até o 3º ano do Ensino Médio.
Os
textos são reunidos de forma em que não se apresenta determinado qual deles é o
melhor. É um compilação e ponto. Não existem medalhas de ouro, prata e bronze.
Reunidos, transformam-se em livro, para cujo lançamento são convidados os
parentes destes precoces autores. Minha filha teve textos selecionados por duas
vezes – a primeira em 2014 e a segunda ano passado – 2017.
Ir. Marcelo Piantkoski, diretor
do Colégio La Salle ABEL
discursa na cerimônia de
entrega dos livros (27/11/2017).
Fonte: http://www.lasalle.edu.br/abel/sobre-o-colegio/noticia-detalhe/15439
Ela se
mostrou espantada pelo fato d’eu ter o interesse em ler todos os textos. Minha
curiosidade enquanto leitor é justamente verificar quais ideias vagueiam nas
mentes de nossas crianças, adolescentes e jovens. Muito mais do que verificar a
qualidade da escrita – algo que também observei, crítico como sou – estava objetivando
descobrir se a formação de mentes respeitava uma certa pluralidade ou se havia
um viés que estava sendo “imposto”.
No campo
das ideias os seguintes aspectos me chamaram atenção:
·
Os mais
novos centram sua atenção nas relações mais próximas, amigos, família;
·
Nestes
ainda, os pequenos prazeres do dia a dia fazem diferença, algo que infelizmente
vamos perdendo pouco a pouco com o passar do tempo – alguns retomando somente mais
para o final da vida;
·
Impressionante
como mesmo nessa idade já se vê a influência do capital – dinheiro – como mola
propulsora dos desejos. Inclusive com a menção em moeda estrangeira – dólares,
por exemplo;
·
A presença
como tema dos chamados jogos eletrônicos é interessante não somente por marcar
a característica de uma época como que também para dar proximidade a realidade
vivida pelos autores;
·
A
percepção de que vivemos numa sociedade em que o egoísmo e a intolerância se
fazem presentes é clara. Talvez por serem temas escolhidos pelos coordenadores,
no trabalho pedagógico a ser desenvolvido por intermédio das redações. Mas o
mais importante é verificar se estes são bem descritos em seus aspectos centrais,
o que denotaria o sucesso no impulso ao raciocínio sobre as matérias propostas;
·
Infelizmente
pude perceber que alguns autores relativizaram o egoísmo. De fato, quando o
egoísmo é visto como mola propulsora para o avanço na vida – mas aí se dá,
talvez, a confusão com a não percepção do perigo da ambição desmedida;
·
Como
dito anteriormente, a proximidade com a realidade do dia a dia traz à baila,
para os leitores de gerações mais antigas, o confronto com um novo contexto. A
internet se faz presente como algo comum, inclusive estimulador, por exemplo, à
leitura – dado ser visto como um novo meio para tal.
A
respeito deste último ponto observado, certa feita havia lido um artigo que justamente
apontava o hábito do envio de mensagens escritas, quer seja por SMS, WhatsApp,
e-mail... como um resgate do hábito da escrita, o que poderia levar uma
melhoria no linguajar utilizado. Claro que sempre corremos o risco de
consolidar novos vícios de escrita, mas sabemos que a linguagem, o idioma, não
é algo estático, mas sim dinâmico, que se transforma com o passar do tempo.
Outro
aspecto que chama a atenção é que se nota a preocupação, principalmente nos
textos do Ensino Médio, em se construir um raciocínio com início, meio e fim,
fazendo inclusive uso de citações de filósofos – algo incomum para minha
geração escolar. Claro que na minha época não se havia acesso a tanta informação
como hoje, de maneira facilitada. Porém também acredito que isto seja reflexo
da preparação para o ENEM – cuja nota em redação tem grande peso – assim como
da ampliação das matérias como Filosofia e Sociologia dentro das escolas, algo
inexistente há alguns anos.
Porém,
existe um dado que me pareceu preocupante. É claro que os textos são uma
amostra do grupo total de alunos. De todo modo, considera-se uma amostra
relevante, pois em tese tratam-se dos melhores textos. Não me pareceu, porém,
que existe uma abertura para distintas abordagens. Todos eles seguem uma mesma
tendência de opinião final – a tal temida “visão única” – não refletindo uma pluralidade
de opiniões que seria salutar em tal medida, numa fase de amadurecimento do ser
humano.
Ok, eles
estão sendo confrontados com um contexto prático – vocês serão obrigados a
opinar sobre um determinado tema. O objetivo principal será ter uma redação bem
escrita – aliás, os erros de datilografia (ou falta de revisão) no livro
chamaram atenção negativamente e é algo a ser observado para as próximas
edições. Mas isto não pode significar necessariamente um pensamento único. E se
isso acontece é reflexo não da filosofia da escola, mas sim do grau de uniformização
da formação do corpo docente. Não estamos aqui falando em qualidade do
professor – mas sim que ideias prega junto aos alunos. Mas será que eles
deveriam pregar alguma? Será que eles não deveriam apresentar diferentes
projetos para a sociedade de modo a fazer com que os alunos reflitam eles
próprios e decidam que caminho percorrer?
Uma
coisa é discernir, com bom senso, o que é o certo e o errado para a convivência
em comunidade – e isso me parece ser feito de maneira adequada, dado os textos
do Ensino Fundamental. Porém, os textos do Ensino Médio apontam, perigosamente,
para uma única visão política da sociedade. Estaria assim se perdendo a oportunidade
de se estimular “o pensar”, as diferentes opiniões sobre um mesmo tema. E dado
que os mesmos formadores do alunato são aqueles que fazem a escolha dos “melhores”
textos, isso acaba refletindo num corpo de escrita que divulga, mais uma vez,
essa visão única.
De todo
modo, o projeto é belíssimo. Estimular a leitura e a escrita, demonstrar que o
trabalho bem feito traz retorno, e que os alunos são capazes de expor suas preocupações
podem contribuir para uma sociedade melhor, com menos ansiedade sobre os objetivos
a serem alcançados na vida. Argumentar com palavras é a melhor forma de
combater a violência do dia a dia que nos assola.