A
crítica a uma obra literária pode, grosso modo, ser dividida em duas
abordagens: o formato literário em si, no qual o autor se apoia para expor um
argumento ou narrar uma estória; e a importância da matéria, objeto central do
que está sendo exposto.
O
primeiro tipo de crítica é mais objetivo. O leitor pode ou não ser confrontado
com um texto de fácil percepção, no qual as ideias estão expostas de maneira
clara e os argumentos são de uso comum. Ou então pode estar diante de um texto
hermético, criado para uns poucos iniciados.
O
segundo tipo de crítica tendo a ser mais subjetivo. Não necessariamente o que é
importante para o leitor A o é para o leitor B. E vice-versa. Neste contexto,
como definir o que é realmente importante? Existe uma saída nesse mundo baseado
em premissas do politicamente correto. Há temas que a sociedade necessariamente
abraça não somente como necessários, mas relevantes para o seu futuro.
Tecnologia e educação se enquadrariam nessa última categoria.
Feito
este breve prólogo abordarei inicialmente o tema em si. E posteriormente como
ele foi apresentado. Estive em contato com ele durante uns bons meses, de
leitura compassada, da tese do Dr. Jorge Rodrigues de Mendonça Fróes,
denominada “Tecnologia e Educação – das máquinas à técnica, uma abordagem
segundo Gilbert Simondon¹” – Editora Blucher Acadêmico – 2010 – 230 páginas.
No
mundo atual se existem dois eixos que norteiam o futuro de nações inteiras
esses são o desenvolvimento tecnológico e o nível educacional de suas
populações. Somente países que possuam um alto grau em ambas as matérias estão
fadados a compor o grupo dos chamados desenvolvidos.
Dessa
forma o autor não poderia ter escolhido melhor campo em termos de impacto para
sua análise. Porém, o viés por ele identificado foi num âmbito micro, qual
seja, o impacto da inserção da tecnologia no sistema educacional. Óbvio que
passados 7 anos da publicação e estudo realizados hoje em dia se percebe muito
sedimentada esta noção em termos de cruzamento ferramental. Não existe um
processo educacional que prescinda do uso das tecnologias que se encontram à
disposição, quer seja dos docentes quer seja do corpo discente.
Porém,
o que Fróes coloca é o quanto a máquina – o computador, a internet – se torna
não somente um meio, mas também um ator nessa equação educacional. Ou seja,
como esta instrumentalização influencia de fato na formação do intelecto do
aluno enquanto indivíduo e estudioso. Com o advento e a consolidação da
internet como o meio preferencial para pesquisas este aspecto se tornou mais
claro ainda. Muitas vezes iniciamos uma busca para embasar um determinado
conceito e nos vemos enredado por novas ideias e possibilidades.
[Um instrumento]
antes de ser técnico, é social, existindo em função do papel que desempenha no
ambiente onde é utilizado, inserido em uma ampla distribuição administrativa,
política, social e mesmo erótica. (pág. 109)
Desta
forma, a tese de Fróes joga luz sobre esta interação, pautada pela experiência
do próprio autor na introdução dos computadores nas escolas de ensino primário
e secundário. Ele pode ser testemunha ocular do desenvolvimento de um novo tipo
de aluno e de uma nova abordagem professor-aluno. Não que isto tenha ocorrido
sem resistências.
Ao
falarmos de educação estamos falando de um meio extremamente conservador que
busca preservar fórmulas de sucesso e aprendizado, muitas vezes perdendo as
oportunidades de inovação que vêm a surgir em conjunto com um novo instrumental
que se coloca à disposição. Ter essa clarividência – de que a abordagem da
tecnologia tem que ser pensada e planejada levando-se em conta o que ela traz
para o aprendizado que vai muito além de um meio, mas como um fator que
influência a construção do pensamento – é a principal lição que nos deixa o
autor. Ele cita, por exemplo, o pesquisador J. A. Valente, que por intermédio
da obra “O Computador na Sociedade do Conhecimento” (2002), discorre sobre as
dificuldades iniciais da introdução deste novo elemento num sistema educacional
pré-estabelecido:
Embora a mudança
pedagógica tenha sido o objetivo de todas as ações dos projetos de informática
na educação, os resultados obtidos não foram suficientes para sensibilizar ou
alterar o sistema educacional como um todo (...) principalmente pelo fato de
termos subestimado as implicações das mudanças pedagógicas propostas (...): a
mudança na organização da escola, na dinâmica na sala de aula, no papel do
professor e dos alunos e na relação com o conhecimento. (pág. 158)
O formato
Porém,
o formato adotado não foi dos mais fáceis para se passar essa mensagem. A
começar por ser um meio teórico com o qual este que vos escreve não tem tanta
familiaridade – a Psicologia – o que por si só já faz com que parte do método
de leitura seja dedicada a aprender novos conceitos, a escrita em si se demorou
muito tempo no discorrer do embasamento – algo natural para um texto originado
a partir de uma tese de doutorado.
O
leitor passa um grande tempo esperando a entrada da experiência prática, da
inserção do que está sendo apresentado como teoria consubstanciada em fatos
concretos, até mesmo para melhor compreender o que está sendo proposto. Ele se
vê enredado em explicações sobre instrucionismo, construcionismo, individuação,
concepção ontogenética, misoneísmo, transdução e metaestabilidade, dobra
criativa, hilemorfismo, cognitivismo computacional, etc, que acaba desanimando
na continuidade da leitura.
A
minha dificuldade particular foi tão grande que pela primeira vez preferi
adotar uma nova tática para finalizar a leitura. Passado metade do livro passei
a ler os capítulos de trás para frente. Com isso busquei ter acesso imediato à
conclusão, esclarecendo de uma vez por todas qual era o objetivo do livro, que
para mim ainda estava obscuro. E de fato funcionou.
Os
capítulos finais são mais objetivos, com mais subdivisões, o que facilita o
entendimento dos conceitos expostos. Além disso, estes são mais práticos e
próximos da realidade dos leigos na matéria, pois ultrapassa aspectos teóricos
para abordar temas referentes à interação entre usuário-máquina, algo tão comum
a todos em época de mídias sociais diversas.
Por
tudo que disse acima reputo este como um dos livros de mais difícil leitura que
já enfrentei. O desafio foi grande. O que me motivou é o interesse constante na
compreensão de novos temas, o aspecto central da matéria para entender como a
sociedade se organiza e evolui nos dias de hoje, e o meu compromisso com o
próprio autor, o qual conheço pessoalmente. Desafio posto, desafio enfrentado,
desafio superado. Como o próprio autor coloca:
O referido
vínculo [entre cultura e técnica] está exatamente na propriedade dos objetos
técnicos como transdutores de
subjetividade. Esta constatação evidenciou o acerto de nossa abordagem
inicial, quando associamos a produção de subjetividade à utilização de objetos
técnicos, discutindo a questão da produção de subjetividade a partir das
máquinas, como uma chave para o entendimento da técnica. (pág. 218).
(1)
Gilbert
Simondon: filósofo, estudioso da Tecnologia e professor de Psicologia da
Universidade Paris I (onde fundou o Laboratório de Psicologia Geral e de
Tecnologia), (...) publicou, em 1958, Du
Mode d’Existence des Objets Techniques, livro que fundamenta e consagra sua
posição contrária ao conflito entre técnica e cultura (...) (pág. 39).