terça-feira, 29 de agosto de 2017

Tecnologia e Educação

A crítica a uma obra literária pode, grosso modo, ser dividida em duas abordagens: o formato literário em si, no qual o autor se apoia para expor um argumento ou narrar uma estória; e a importância da matéria, objeto central do que está sendo exposto.

O primeiro tipo de crítica é mais objetivo. O leitor pode ou não ser confrontado com um texto de fácil percepção, no qual as ideias estão expostas de maneira clara e os argumentos são de uso comum. Ou então pode estar diante de um texto hermético, criado para uns poucos iniciados.

O segundo tipo de crítica tendo a ser mais subjetivo. Não necessariamente o que é importante para o leitor A o é para o leitor B. E vice-versa. Neste contexto, como definir o que é realmente importante? Existe uma saída nesse mundo baseado em premissas do politicamente correto. Há temas que a sociedade necessariamente abraça não somente como necessários, mas relevantes para o seu futuro. Tecnologia e educação se enquadrariam nessa última categoria.

Feito este breve prólogo abordarei inicialmente o tema em si. E posteriormente como ele foi apresentado. Estive em contato com ele durante uns bons meses, de leitura compassada, da tese do Dr. Jorge Rodrigues de Mendonça Fróes, denominada “Tecnologia e Educação – das máquinas à técnica, uma abordagem segundo Gilbert Simondon¹” – Editora Blucher Acadêmico – 2010 – 230 páginas.

No mundo atual se existem dois eixos que norteiam o futuro de nações inteiras esses são o desenvolvimento tecnológico e o nível educacional de suas populações. Somente países que possuam um alto grau em ambas as matérias estão fadados a compor o grupo dos chamados desenvolvidos.

Dessa forma o autor não poderia ter escolhido melhor campo em termos de impacto para sua análise. Porém, o viés por ele identificado foi num âmbito micro, qual seja, o impacto da inserção da tecnologia no sistema educacional. Óbvio que passados 7 anos da publicação e estudo realizados hoje em dia se percebe muito sedimentada esta noção em termos de cruzamento ferramental. Não existe um processo educacional que prescinda do uso das tecnologias que se encontram à disposição, quer seja dos docentes quer seja do corpo discente.

Porém, o que Fróes coloca é o quanto a máquina – o computador, a internet – se torna não somente um meio, mas também um ator nessa equação educacional. Ou seja, como esta instrumentalização influencia de fato na formação do intelecto do aluno enquanto indivíduo e estudioso. Com o advento e a consolidação da internet como o meio preferencial para pesquisas este aspecto se tornou mais claro ainda. Muitas vezes iniciamos uma busca para embasar um determinado conceito e nos vemos enredado por novas ideias e possibilidades.

[Um instrumento] antes de ser técnico, é social, existindo em função do papel que desempenha no ambiente onde é utilizado, inserido em uma ampla distribuição administrativa, política, social e mesmo erótica. (pág. 109)
 
Desta forma, a tese de Fróes joga luz sobre esta interação, pautada pela experiência do próprio autor na introdução dos computadores nas escolas de ensino primário e secundário. Ele pode ser testemunha ocular do desenvolvimento de um novo tipo de aluno e de uma nova abordagem professor-aluno. Não que isto tenha ocorrido sem resistências.

Ao falarmos de educação estamos falando de um meio extremamente conservador que busca preservar fórmulas de sucesso e aprendizado, muitas vezes perdendo as oportunidades de inovação que vêm a surgir em conjunto com um novo instrumental que se coloca à disposição. Ter essa clarividência – de que a abordagem da tecnologia tem que ser pensada e planejada levando-se em conta o que ela traz para o aprendizado que vai muito além de um meio, mas como um fator que influência a construção do pensamento – é a principal lição que nos deixa o autor. Ele cita, por exemplo, o pesquisador J. A. Valente, que por intermédio da obra “O Computador na Sociedade do Conhecimento” (2002), discorre sobre as dificuldades iniciais da introdução deste novo elemento num sistema educacional pré-estabelecido:

Embora a mudança pedagógica tenha sido o objetivo de todas as ações dos projetos de informática na educação, os resultados obtidos não foram suficientes para sensibilizar ou alterar o sistema educacional como um todo (...) principalmente pelo fato de termos subestimado as implicações das mudanças pedagógicas propostas (...): a mudança na organização da escola, na dinâmica na sala de aula, no papel do professor e dos alunos e na relação com o conhecimento. (pág. 158)

O formato

Porém, o formato adotado não foi dos mais fáceis para se passar essa mensagem. A começar por ser um meio teórico com o qual este que vos escreve não tem tanta familiaridade – a Psicologia – o que por si só já faz com que parte do método de leitura seja dedicada a aprender novos conceitos, a escrita em si se demorou muito tempo no discorrer do embasamento – algo natural para um texto originado a partir de uma tese de doutorado.

O leitor passa um grande tempo esperando a entrada da experiência prática, da inserção do que está sendo apresentado como teoria consubstanciada em fatos concretos, até mesmo para melhor compreender o que está sendo proposto. Ele se vê enredado em explicações sobre instrucionismo, construcionismo, individuação, concepção ontogenética, misoneísmo, transdução e metaestabilidade, dobra criativa, hilemorfismo, cognitivismo computacional, etc, que acaba desanimando na continuidade da leitura.

A minha dificuldade particular foi tão grande que pela primeira vez preferi adotar uma nova tática para finalizar a leitura. Passado metade do livro passei a ler os capítulos de trás para frente. Com isso busquei ter acesso imediato à conclusão, esclarecendo de uma vez por todas qual era o objetivo do livro, que para mim ainda estava obscuro. E de fato funcionou.

Os capítulos finais são mais objetivos, com mais subdivisões, o que facilita o entendimento dos conceitos expostos. Além disso, estes são mais práticos e próximos da realidade dos leigos na matéria, pois ultrapassa aspectos teóricos para abordar temas referentes à interação entre usuário-máquina, algo tão comum a todos em época de mídias sociais diversas.

Por tudo que disse acima reputo este como um dos livros de mais difícil leitura que já enfrentei. O desafio foi grande. O que me motivou é o interesse constante na compreensão de novos temas, o aspecto central da matéria para entender como a sociedade se organiza e evolui nos dias de hoje, e o meu compromisso com o próprio autor, o qual conheço pessoalmente. Desafio posto, desafio enfrentado, desafio superado. Como o próprio autor coloca:

O referido vínculo [entre cultura e técnica] está exatamente na propriedade dos objetos técnicos como transdutores de subjetividade. Esta constatação evidenciou o acerto de nossa abordagem inicial, quando associamos a produção de subjetividade à utilização de objetos técnicos, discutindo a questão da produção de subjetividade a partir das máquinas, como uma chave para o entendimento da técnica. (pág. 218).


(1)   Gilbert Simondon: filósofo, estudioso da Tecnologia e professor de Psicologia da Universidade Paris I (onde fundou o Laboratório de Psicologia Geral e de Tecnologia), (...) publicou, em 1958, Du Mode d’Existence des Objets Techniques, livro que fundamenta e consagra sua posição contrária ao conflito entre técnica e cultura (...) (pág. 39).