terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Casagrande e seus Demônios

Walter Casagrande Júnior, ou como é mais comumente conhecido, Casagrande (ou Casão), não pode ser proclamado, para mim, como um ídolo futebolisticamente falando. Talvez nem pessoalmente falando, uma vez que durante sua vida tomou decisões com as quais não concordo, porém o mesmo afirmou não se arrepender – “Não me orgulho de tudo o que fiz, mas não me arrependo de quase nada” (pág. 231).

 
Por outro lado, não há como deixar de admirar alguém que chegou ao fundo do poço, e cavou ainda um pouco mais, e de lá ressurgiu, não sem ajuda, que prossegue até hoje, para servir de exemplo que existem caminhos tortuosos demais que não devem ser seguidos, por mais prazerosos que pareçam ser. A luta contra o vício das drogas é uma constante na vida deste cara, de opiniões sinceras e de uma fragilidade humana que fica muito clara nessa sua biografia que analisaremos neste post – “Casagrande e seus Demônios – Casagrande e Gilvan Ribeiro – Ed. Globo – 2013 – 248 págs.

Para quem vive do esporte, não deixa de ser contraditório, pelo menos no discurso, se entregar às drogas. Muitos são os casos de atletas de alto nível que, sob a pressão do resultado, cedem ao que se oferece como um alívio momentâneo, sem perceber como estar mordendo uma isca que os levará cada vez mais distantes do seu ideal de bem viver – men sana in corpore sano.

Porém este não foi o caso de Casagrande. Ele já tinha na sua veia a alma do transgressor, seu relacionamento com as drogas surgiu antes mesmo de que o sucesso avassalador o engolfasse. Teve um breve interregno, enquanto jogava na Itália – Ascoli e Torino – porém, ao retornar ao Brasil, até mesmo já como comentarista, sua derrocada foi forte demais, levando-o a ficar internado, recluso, por 1 ano, tendo os vencimentos sempre pagos pela Rede Globo. Fundamental neste processo foi o locutor Galvão Bueno, que o apoiou tanto externamente, junto à emissora, quanto no seu processo de retomada de sua vida.

O livro em si teve a co-autoria de Gilvan Ribeiro, jornalista que o auxiliava nos tempos de escrita para a coluna do Diário de São Paulo, e somente o último trecho dele foi integralmente escrito pelo próprio jogador – talvez o trecho mais revelador de sua personalidade. É como se víssemos, enfim, a persona se revelando inteira. O restante da obra foi produto de inúmeras entrevistas com Gilvan, não somente de Casão, mas também das pessoas que estavam a sua volta e viveram com ele suas derrotas e vitórias.

A história ali retratada está aparentemente dividida em duas partes. Os autores resolveram atacar de cara o trecho mais pesado, o derradeiro mergulho fundo nas drogas que o levou à longa internação de 1 ano, mergulho este que gerou os tais “demônios” do título.

As portas do inferno estavam abertas. Os demônios invadiam a casa, sem qualquer cerimônia, andavam pelos cômodos, apareciam nas paredes, sentavam-se nos sofás. Como se a presença deles fosse algo natural. Eram feios, muito feios, horrendos mesmo. E grandes, enormes, mal cabiam no apartamento localizado na Vila Leopoldina, na zona oeste de São Paulo. (...) A confusão se tornava ainda maior pela quantidade de noites e manhãs que se emendavam, sem intervalo de um sono restaurador. Atingira algo em torno de dez dias em claro, sem dormir ou comer (pág. 21).

O trecho acima é o de abertura propriamente dita da narrativa. Daí vocês podem ter a medida de quão pesado o é. Há que ser forte para acompanhar a leitura e entender o quão frágeis somos. E ao mesmo tempo como forte pode ser o ser humano para sair de um transe como o narrado.

Como vinha dizendo anteriormente, o livro é dividido. Na primeira parte – os 10 primeiros capítulos temos no centro a luta contra as drogas:

·         Demônios à solta;
·         Água benta;
·         Overdoses;
·         A primeira internação;
·         Memórias do exílio;
·         A vida lá fora;
·         Os filhos;
·         Domingão do Faustão;
·         Inferno na torre;
·         Prisão em flagrante.

Na segunda parte – os dez capítulos finais – ele se debruça sobre suas outras lutas, futebolísticas e políticas, porque não dizer:

·         Democracia Corintiana;
·         A ditadura do amor;
·         Uma dupla (quase) perfeita;
·         Política em campo;
·         O Leão é manso;
·         Aventura na Europa;
·         Às turras com Telê;
·         Pegadinhas do Casão;
·         Futpopbolista;
·         História sem fim.

Nesta segunda parte se destacam o fenômeno da Democracia Corintiana – início dos anos 80, o Corinthians, grande clube paulista, tendo como jogadores um grupo liderado por Sócrates, Casagrande e Wladimir e o apoio do Diretor de Futebol Adílson Monteiro Alves, implanta um sistema de gerenciamento em que todos são chamados a opinar e votar sobre as principais decisões envolvendo o time (até aquelas nem tanto) em meio a um processo de reabertura democrática pelo qual passava o país – e do qual ele fazia questão de participar ativamente; o relacionamento com Sócrates, o craque recentemente falecido em função do alcoolismo; sua experiência na Europa e um depoimento muito sincero sobre o doping no futebol; e uma surpreendente faceta ditatorial e teimosa de Telê Santana.

Ou seja, muitas foram, e ainda serão, as lutas do cara ali retratado. Um livro, como disse anteriormente, porém com outras palavras, que não é para fracos. Mas que vale a pena ser lido, talvez todo direto, sem paradas – eu o li em 24h, entre Buenos Aires e Niterói. Ele cumpriu, entendo eu, o que se propôs. Basta vocês agora entrarem nessa viagem, no bom sentido, é claro.


Pra gente conseguir viver, a gente precisa ter fome de alguma coisa, tem de ter sede de alguma coisa. A gente não pode ficar no meio-termo. Isso seria pior do que a morte. Eu quero tudo completo, não me contento com nada pela metade. E é assim que espero ter me entregado nesta biografia: por inteiro. (pág. 242).

3 comentários:

  1. Casagrande está para o futebol assim como Keith Richard (Stones) está para o rock. No bom e no mau sentido. Por isso, tão interessante - via Facebook

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  2. Leu Guga? Li e achei interessante, Leopoldo... Tb já li do Agassi e uma do Zidane que, apesar de conter uma tradução feita nas coxas, foi extremamente surpreendente! Abs - Via Facebook

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    1. Guga na lista. Agassi já lido e comentado - outro blog, outra época - leopideas.blogspot.com/2011/01/agassi.html . Quanto ao Zidane, não me interessei à época, assim como a do Ibrahimovic - inclusive creio q ambos possam ter trajetórias parecidas, sendo a do sueco um pouco mais punk. Mas valeu a dica. - Via Facebook

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