Walter
Casagrande Júnior, ou como é mais comumente conhecido, Casagrande (ou Casão),
não pode ser proclamado, para mim, como um ídolo futebolisticamente falando.
Talvez nem pessoalmente falando, uma vez que durante sua vida tomou decisões
com as quais não concordo, porém o mesmo afirmou não se arrepender – “Não me
orgulho de tudo o que fiz, mas não me arrependo de quase nada” (pág. 231).
Por
outro lado, não há como deixar de admirar alguém que chegou ao fundo do poço, e
cavou ainda um pouco mais, e de lá ressurgiu, não sem ajuda, que prossegue até
hoje, para servir de exemplo que existem caminhos tortuosos demais que não
devem ser seguidos, por mais prazerosos que pareçam ser. A luta contra o vício
das drogas é uma constante na vida deste cara, de opiniões sinceras e de uma
fragilidade humana que fica muito clara nessa sua biografia que analisaremos
neste post – “Casagrande e seus
Demônios – Casagrande e Gilvan Ribeiro – Ed. Globo – 2013 – 248 págs.
Para
quem vive do esporte, não deixa de ser contraditório, pelo menos no discurso,
se entregar às drogas. Muitos são os casos de atletas de alto nível que, sob a
pressão do resultado, cedem ao que se oferece como um alívio momentâneo, sem
perceber como estar mordendo uma isca que os levará cada vez mais distantes do
seu ideal de bem viver – men sana in
corpore sano.
Porém
este não foi o caso de Casagrande. Ele já tinha na sua veia a alma do
transgressor, seu relacionamento com as drogas surgiu antes mesmo de que o
sucesso avassalador o engolfasse. Teve um breve interregno, enquanto jogava na
Itália – Ascoli e Torino – porém, ao retornar ao Brasil, até mesmo já como
comentarista, sua derrocada foi forte demais, levando-o a ficar internado,
recluso, por 1 ano, tendo os vencimentos sempre pagos pela Rede Globo.
Fundamental neste processo foi o locutor Galvão Bueno, que o apoiou tanto
externamente, junto à emissora, quanto no seu processo de retomada de sua vida.
O
livro em si teve a co-autoria de Gilvan Ribeiro, jornalista que o auxiliava nos
tempos de escrita para a coluna do Diário de São Paulo, e somente o último
trecho dele foi integralmente escrito pelo próprio jogador – talvez o trecho
mais revelador de sua personalidade. É como se víssemos, enfim, a persona se revelando inteira. O restante
da obra foi produto de inúmeras entrevistas com Gilvan, não somente de Casão,
mas também das pessoas que estavam a sua volta e viveram com ele suas derrotas
e vitórias.
A
história ali retratada está aparentemente dividida em duas partes. Os autores
resolveram atacar de cara o trecho mais pesado, o derradeiro mergulho fundo nas
drogas que o levou à longa internação de 1 ano, mergulho este que gerou os tais
“demônios” do título.
As portas do
inferno estavam abertas. Os demônios invadiam a casa, sem qualquer cerimônia,
andavam pelos cômodos, apareciam nas paredes, sentavam-se nos sofás. Como se a
presença deles fosse algo natural. Eram feios, muito feios, horrendos mesmo. E
grandes, enormes, mal cabiam no apartamento localizado na Vila Leopoldina, na
zona oeste de São Paulo. (...) A confusão se tornava ainda maior pela
quantidade de noites e manhãs que se emendavam, sem intervalo de um sono
restaurador. Atingira algo em torno de dez dias em claro, sem dormir ou comer
(pág. 21).
O
trecho acima é o de abertura propriamente dita da narrativa. Daí vocês podem
ter a medida de quão pesado o é. Há que ser forte para acompanhar a leitura e
entender o quão frágeis somos. E ao mesmo tempo como forte pode ser o ser
humano para sair de um transe como o narrado.
Como
vinha dizendo anteriormente, o livro é dividido. Na primeira parte – os 10
primeiros capítulos temos no centro a luta contra as drogas:
·
Demônios
à solta;
·
Água
benta;
·
Overdoses;
·
A
primeira internação;
·
Memórias
do exílio;
·
A
vida lá fora;
·
Os
filhos;
·
Domingão do
Faustão;
·
Inferno
na torre;
·
Prisão
em flagrante.
Na
segunda parte – os dez capítulos finais – ele se debruça sobre suas outras
lutas, futebolísticas e políticas, porque não dizer:
·
Democracia
Corintiana;
·
A
ditadura do amor;
·
Uma
dupla (quase) perfeita;
·
Política
em campo;
·
O
Leão é manso;
·
Aventura
na Europa;
·
Às
turras com Telê;
·
Pegadinhas
do Casão;
·
Futpopbolista;
·
História
sem fim.
Nesta
segunda parte se destacam o fenômeno da Democracia Corintiana – início dos anos
80, o Corinthians, grande clube paulista, tendo como jogadores um grupo
liderado por Sócrates, Casagrande e Wladimir e o apoio do Diretor de Futebol
Adílson Monteiro Alves, implanta um sistema de gerenciamento em que todos são
chamados a opinar e votar sobre as principais decisões envolvendo o time (até
aquelas nem tanto) em meio a um processo de reabertura democrática pelo qual
passava o país – e do qual ele fazia questão de participar ativamente; o
relacionamento com Sócrates, o craque recentemente falecido em função do
alcoolismo; sua experiência na Europa e um depoimento muito sincero sobre o doping no futebol; e uma surpreendente
faceta ditatorial e teimosa de Telê Santana.
Ou
seja, muitas foram, e ainda serão, as lutas do cara ali retratado. Um livro,
como disse anteriormente, porém com outras palavras, que não é para fracos. Mas
que vale a pena ser lido, talvez todo direto, sem paradas – eu o li em 24h,
entre Buenos Aires e Niterói. Ele cumpriu, entendo eu, o que se propôs. Basta
vocês agora entrarem nessa viagem, no bom sentido, é claro.
Pra gente
conseguir viver, a gente precisa ter fome de alguma coisa, tem de ter sede de
alguma coisa. A gente não pode ficar no meio-termo. Isso seria pior do que a
morte. Eu quero tudo completo, não me contento com nada pela metade. E é assim
que espero ter me entregado nesta biografia: por inteiro. (pág. 242).
Casagrande está para o futebol assim como Keith Richard (Stones) está para o rock. No bom e no mau sentido. Por isso, tão interessante - via Facebook
ResponderExcluirLeu Guga? Li e achei interessante, Leopoldo... Tb já li do Agassi e uma do Zidane que, apesar de conter uma tradução feita nas coxas, foi extremamente surpreendente! Abs - Via Facebook
ResponderExcluirGuga na lista. Agassi já lido e comentado - outro blog, outra época - leopideas.blogspot.com/2011/01/agassi.html . Quanto ao Zidane, não me interessei à época, assim como a do Ibrahimovic - inclusive creio q ambos possam ter trajetórias parecidas, sendo a do sueco um pouco mais punk. Mas valeu a dica. - Via Facebook
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