sábado, 22 de dezembro de 2018

Tartarugas Até Lá Embaixo


Um dos autores mais cultuados do público infanto-juvenil hoje em dia será aquele que fechará a jornada dupla a que me propus realizar imergindo no universo de livros que minha filha de 14 anos recentemente teve acesso. Trata-se de não menos que John Green, o mesmo escritor que construiu duas obras que geraram blockbusters no cinema recentemente – A Culpa é das Estrelas e Cidades de Papel.

A obra que vamos resenhar chama-se Tartarugas Até Lá Embaixo – 1ª edição – Editora Intrínseca – 2017 – 272 págs. Para quem viu ou leu as duas obras acima citadas espera exatamente o quê? Finais inesperados e crises de consciência de adolescentes enfrentando seus típicos dilemas acrescidos que alguma temática que os força a amadurecer mais rapidamente. Isto é efetivamente entregue também neste livro. E por isso mesmo.... não surpreende e decepciona um pouco.

Fonte: www.amazon.com.br
Porém, a decepção não impede que o leitor fique preso à estória para saber seu final. A prosa de Green tem essa qualidade – escrita leve, com as passagens bem conectadas que vão levando os fãs a loucura para descobrir o que vem na próxima página. O desafio proposto pelo autor é interessante: uma adolescente que sofre de ansiedade extremada – ok, adolescentes hoje em dia em geral são ansiosos, mas estamos falando no nível doença – associada com crises de pânico ocasionais, ambas vinculadas a uma hipocondria grave. Esta heroína, que atende pelo nome de Aza Holmes, será responsável por desvendar o mistério por trás do desaparecimento de um empresário, pai de seu amigo Davis.

Esse gancho, que não fica tão claro assim para o leitor desavisado, acaba por atrair o público das estórias policiais. Se você é um deles, está entrando de gaiato. A principal preocupação de Green é observar, sempre, como um adolescente com características peculiares, lida com problemas tido como “mais graves”. A estória policial fica totalmente em segundo plano, emergindo vez ou outra como um subterfúgio para mais uma digressão da protagonista e seu alter ego com o qual dialoga. Voltaremos a este ponto mais adiante.

De modo a não ser negativo, devo dizer que Green faz isso com maestria. Podemos imaginar uma adolescente como Aza e seus coadjuvantes perfeitamente. Os vemos no dia a dia, nas ruas. E como coloquei no post anterior, um autor que se dedica a tal público não pode deixar de passar a febre das mensagens instantâneas e dos diálogos por eles gerados neste grupo. Vamos a um exemplo abaixo:

“Eu estava relendo [...] quando o meu telefone vibrou.

Ele: Oi

Eu: Oi

Ele: Por acaso você está lendo meu blog neste exato momento?

Eu: ... Talvez. Tem problema?

Ele: Que bom que é você. O Analytics me informou que alguém de Indianápolis está na minha página há trinta minutos. Fiquei nervoso.

Eu: Por quê?

Ele: Não quero meus poemas horríveis saindo nos jornais.

[...]

Vi o ‘digitando...’, mas não recebi nada, então escrevi:

Eu: Quer falar pelo Facetime?

Ele: Claro.” (págs. 179-180)

É ou não é um exemplo clássico do que imaginamos e vivemos hoje em dia com nossos filhos, primos, sobrinhos – ou até mesmo nós mesmos? Esse tipo de transposição para o texto desta característica é o forte dos autores desta literatura “moderna”.

Porém existe um ponto angustiante nesta obra, algo que como leitores deixamos de lado a princípio – como uma coisa que incomoda e que imaginamos ser passageira, que irá se resolver em algum momento da narrativa – mas que depois percebemos ser o verdadeiro cerne da questão proposta. Como apontei anteriormente, trata-se do diálogo interno contínuo de Aza consigo mesmo e seus medos. Chega a um determinado ponto em que você passa a torcer desesperadamente para que aquilo pare, como se estivéssemos passando a ter consciência que não somente ela – um personagem – o faz, como todos nós que vivemos na sociedade acelerada e ansiosa por si mesmo, pelos resultados e pela imagem de perfeição buscada, sofremos.

John Green
Fonte: www.intrinseca.com.br
Este aspecto é a lição que John Green quer passar. Não importa o maior distúrbio emocional pelo qual estamos passando. É possível viver e sobreviver à isso, com o tratamento e o acompanhamento adequados, todos podem ser membros de uma sociedade que venham a contribuir com o seu bem, tanto em termos de relacionamentos com o próximo como também de maneira produtiva – Aza, apesar de todas as suas questões, é uma ótima aluna, by the way.

Assim sendo, posso dizer que Green passa o recado. O tiro dele é sutil, mas atinge o alvo. Ao ponto em que, tocados pela estória – mais uma vez de final inesperado – somente entendemos com clareza sua dimensão no final dos agradecimentos:

Por fim: a dra. Joellen e o dr. Sunil Patel tornaram minha vida imensuravelmente melhor ao me garantir tratamento de alta qualidade à saúde mental, o que, infelizmente, permanece fora do alcance de muitos. Minha família e eu somos gratos. Pode ser um caminho longo e difícil, mas os transtornos mentais são tratáveis. Há esperança, mesmo que seu cérebro lhe diga não. (págs. 268-269)

Nenhum comentário:

Postar um comentário