Um
dos autores mais cultuados do público infanto-juvenil hoje em dia será aquele
que fechará a jornada dupla a que me propus realizar imergindo no universo de
livros que minha filha de 14 anos recentemente teve acesso. Trata-se de não
menos que John Green, o mesmo escritor que construiu duas obras que geraram blockbusters no cinema recentemente – A Culpa é das Estrelas e Cidades de Papel.
A
obra que vamos resenhar chama-se Tartarugas
Até Lá Embaixo – 1ª edição – Editora Intrínseca – 2017 – 272 págs. Para
quem viu ou leu as duas obras acima citadas espera exatamente o quê? Finais
inesperados e crises de consciência de adolescentes enfrentando seus típicos
dilemas acrescidos que alguma temática que os força a amadurecer mais rapidamente.
Isto é efetivamente entregue também neste livro. E por isso mesmo.... não surpreende
e decepciona um pouco.
Fonte: www.amazon.com.br |
Porém,
a decepção não impede que o leitor fique preso à estória para saber seu final.
A prosa de Green tem essa qualidade – escrita leve, com as passagens bem
conectadas que vão levando os fãs a loucura para descobrir o que vem na próxima
página. O desafio proposto pelo autor é interessante: uma adolescente que sofre
de ansiedade extremada – ok, adolescentes hoje em dia em geral são ansiosos,
mas estamos falando no nível doença – associada com crises de pânico
ocasionais, ambas vinculadas a uma hipocondria grave. Esta heroína, que atende
pelo nome de Aza Holmes, será responsável por desvendar o mistério por trás do
desaparecimento de um empresário, pai de seu amigo Davis.
Esse
gancho, que não fica tão claro assim para o leitor desavisado, acaba por atrair
o público das estórias policiais. Se você é um deles, está entrando de gaiato.
A principal preocupação de Green é observar, sempre, como um adolescente com
características peculiares, lida com problemas tido como “mais graves”. A
estória policial fica totalmente em segundo plano, emergindo vez ou outra como
um subterfúgio para mais uma digressão da protagonista e seu alter ego com o
qual dialoga. Voltaremos a este ponto mais adiante.
De
modo a não ser negativo, devo dizer que Green faz isso com maestria. Podemos
imaginar uma adolescente como Aza e seus coadjuvantes perfeitamente. Os vemos no
dia a dia, nas ruas. E como coloquei no post anterior, um autor que se dedica a
tal público não pode deixar de passar a febre das mensagens instantâneas e dos
diálogos por eles gerados neste grupo. Vamos a um exemplo abaixo:
“Eu
estava relendo [...] quando o meu telefone vibrou.
Ele:
Oi
Eu:
Oi
Ele:
Por acaso você está lendo meu blog neste exato momento?
Eu:
... Talvez. Tem problema?
Ele:
Que bom que é você. O Analytics me informou que alguém de Indianápolis está na
minha página há trinta minutos. Fiquei nervoso.
Eu:
Por quê?
Ele:
Não quero meus poemas horríveis saindo nos jornais.
[...]
Vi
o ‘digitando...’, mas não recebi nada, então escrevi:
Eu:
Quer falar pelo Facetime?
Ele:
Claro.” (págs. 179-180)
É
ou não é um exemplo clássico do que imaginamos e vivemos hoje em dia com nossos
filhos, primos, sobrinhos – ou até mesmo nós mesmos? Esse tipo de transposição
para o texto desta característica é o forte dos autores desta literatura “moderna”.
Porém
existe um ponto angustiante nesta obra, algo que como leitores deixamos de lado
a princípio – como uma coisa que incomoda e que imaginamos ser passageira, que
irá se resolver em algum momento da narrativa – mas que depois percebemos ser o
verdadeiro cerne da questão proposta. Como apontei anteriormente, trata-se do
diálogo interno contínuo de Aza consigo mesmo e seus medos. Chega a um
determinado ponto em que você passa a torcer desesperadamente para que aquilo
pare, como se estivéssemos passando a ter consciência que não somente ela – um personagem
– o faz, como todos nós que vivemos na sociedade acelerada e ansiosa por si
mesmo, pelos resultados e pela imagem de perfeição buscada, sofremos.
John Green Fonte: www.intrinseca.com.br |
Este
aspecto é a lição que John Green quer passar. Não importa o maior distúrbio
emocional pelo qual estamos passando. É possível viver e sobreviver à isso, com
o tratamento e o acompanhamento adequados, todos podem ser membros de uma
sociedade que venham a contribuir com o seu bem, tanto em termos de
relacionamentos com o próximo como também de maneira produtiva – Aza, apesar de
todas as suas questões, é uma ótima aluna, by
the way.
Assim
sendo, posso dizer que Green passa o recado. O tiro dele é sutil, mas atinge o
alvo. Ao ponto em que, tocados pela estória – mais uma vez de final inesperado –
somente entendemos com clareza sua dimensão no final dos agradecimentos:
Por fim: a dra. Joellen e o dr. Sunil Patel tornaram
minha vida imensuravelmente melhor ao me garantir tratamento de alta qualidade
à saúde mental, o que, infelizmente, permanece fora do alcance de muitos. Minha
família e eu somos gratos. Pode ser um caminho longo e difícil, mas os
transtornos mentais são tratáveis. Há esperança, mesmo que seu cérebro lhe diga
não. (págs.
268-269)
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