Livro na edição de 2002 |
A
trilogia trata da busca, por um grupo de representantes de diversos povos, pela
destruição do chamado Um Anel, o que permitirá restaurar a paz ao retirar a
possibilidade do poder mágico deste cair nas mãos de Sauron, o vilão máximo e
criador do próprio anel. O pensamento imediato do leitor de primeira mão, ao
saber que a obra foi desenvolvida em meio aos acontecimentos da Segunda Guerra
Mundial – a primeira publicação se deu em 1956 – é de vinculá-la ou buscar
quaisquer alegorias àquele dramático evento da humanidade. Mas o próprio
Tolkien desmistifica tal tese logo no prefácio, aliás, trecho deveras
interessante que ocupa as 5 primeiras páginas e que permite um diálogo direto e
franco entre o autor e seus leitores:
Quanto a
qualquer significado oculto ou “mensagem”, na intenção do autor estes não
existem. O livro não é nem alegórico nem se refere a fatos contemporâneos.
(...) O capítulo crucial, “A sombra do passado”, é uma das partes mais antigas
do conto. Foi escrito muito antes que o prenúncio de 1939 se tornasse uma
ameaça de desastre inevitável, e desse ponto a história teria sido desenvolvida
essencialmente na mesma linha, mesmo que o desastre tivesse sido evitado. Suas
fontes são coisas que já estavam presentes na mente muito antes, ou em alguns
casos já escritas, e pouco ou nada foi modificado pela guerra que começou em
1939 ou por suas sequelas. (pág. XIII – Prefácio).
Em
que pese tal afirmação, dizer que o ser humano não é “influenciável” por evento
de tal porte me parece um tanto quanto exagero. Tolkien pode ter lutado para
preservar ao máximo sua obra original, ou o mote que ela se propõe, mas ele
próprio, em suas palavras, ao afirmar que “e pouco (...) foi modificado” dá a
entender que um valor de juízo distinto dele pode ser passível de aplicação
neste caso, dependendo do ponto vista.
Mas
digamos que o horror ali circunscrito, de ver povos distintos movidos pela sede
de poder tomarem a iniciativa de se matarem uns aos outros, chegando ao ponto
de um lunático – Saruman, o então Mago Branco - gerar criaturas para o seu
próprio exército – os chamados orcs –
não ter realmente tido nenhum tipo de influência da Segunda Guerra Mundial, o
que poderia então ter sido a semente que fez germinar todo esse universo de
fantasia na mente de Tolkien?
A
crise da década de 30, iniciada com o crash
de 1929, é uma boa pista. O público devia estar ansioso por um salvador, alguém
que pudesse superar todas as dificuldades, com tenacidade e honestidade, com
bons princípios, trazendo comida, diversão e felicidade – algo bem típico dos hobbits, pequeno povo e personagem
central da estória, que teve sua gênese na obra anterior (O Hobbit) do próprio Tolkien. Nada melhor então do que gerar uma
utopia (nos moldes de hoje, seria chamado de distopia, porém, levando-se em
conta que um mago como Gandalf tem a resposta para tudo...) na qual diferentes
seres se unem pelo bem comum numa chamada Sociedade do Anel (lembrem-se que a
Sociedade das Nações veio antes da Segunda Guerra Mundial!).
Nesta
sociedade personagens de diferentes matizes têm que saber ceder e contribuir
para que o propósito para o qual foram instados seja alcançado. Temos Aragorn
(ou Passolargo), herdeiro de um trono há muito esquecido; temos Boromir, de
grande coragem e ansioso para ver sua terra liberta do prenúncio de uma derrota
sangrenta numa guerra violenta; temos Legolas, representante dos elfos, povo
sábio da floresta de grande sensibilidade para o “todo”; temos Gimli,
representante dos anões, que a despeito de sua condição física, enfrenta todos
os perigos de maneira destemida; temos os 4 hobbits – Frodo, Samwise, Pippin e Merry;
e por último, o líder, talvez o grande protagonista da estória, o mago Gandalf.
Personagens como retratados no primeiro filme da trilogia: Aragorn, Gandalf, Legolas, Boromir e Bilbo (ao fundo) Sam, Frod, Merry, Pippin (hobbits) e Gimli (o anão, em frente a Boromir) |
Mas
para abordar o que realmente interessa numa resenha literária – a avaliação do
crítico sobre a qualidade no desenvolvimento da estória, aquele aspecto que prende
o leitor do início ao fim do livro – esqueçam tudo que eu descrevi acima, à
exceção talvez dos nomes dos principais personagens, expostos no parágrafo
anterior. Vou passar agora a relatar-lhes minha experiência enquanto leitor.
O
livro demora a deslanchar, “a pegar no breu” como dizem alguns analistas
esportivos quando querem falar que um campeonato está emocionante. No chamado
Prólogo, em torno de 30 páginas são dedicadas a explicar o ambiente e os
principais povos em que se encerra a estória, contando inclusive com notas de
rodapé. Dessa forma temos seções com os seguintes títulos: A respeito dos
hobbits / A respeito da erva de fumo / Sobre a organização do Condado / Sobre o
Achado do Anel / Nota sobre os Registros do Condado. Destes, talvez o de maior
interesse seja o penúltimo, que remete diretamente para um ponto central e
motor de toda a estória – em como o Um Anel foi de fato parar no Condado dos
Hobbits gerando todo o desenlace necessário para a própria necessidade de sua destruição.
Nesta seção o autor faz o link direto
com a obra anterior, ao mencionar “Como se narra em O Hobbit, um dia chegou à
porta de Bilbo, o grande mago, Gandalf, o Cinzento, e treze anões (...). Com
eles partiu, para sua grande surpresa, numa manhã de abril, no ano de 1341, de
acordo com o Registro do Condado, na busca de grandes riquezas (...)” – pág.
15.
Esse
cuidado de Tolkien, incluindo mapas da região descrita, e próprio zelo na
narrativa, ao identificar a paisagem nos mínimos detalhes, criando toda uma
geografia própria e uma historiografia política fictícia para um determinado
ambiente, veio a influenciar – ou pelo menos a ter eco – em obras
posteriormente publicadas por outros autores e que também tiveram grande
repercussão – e vendagem. Podemos citar, a título de exemplo, a série Duna, de Frank Herbert, e Operação Cavalo de Tróia, de J. J.
Benítez. Neste segundo me são de nada agradáveis memórias as extensas notas de
rodapé com explicações ditas científicas sobre a estrutura tecnológica do
aparato utilizado para viajar no tempo.
Dessa
forma, cada autor buscou criar laços próprios com os leitores, tal qual uma
imersão num mundo particular. Para aqueles mais chegados aos duendes, mais
fácil se tornou esse processo inicial – o que não necessariamente é o meu caso.
Em Duna, por outro lado, o cenário de ficção científica pura era mais atrativo
para mim enquanto apreciador. Já em Operação
Cavalo de Tróia o autor buscou mesclar tanto o histórico com o científico.
E óbvio que o viés religioso – a estória se passa na época do surgimento de
Jesus – turbinou a curiosidade de outra de legião de fãs.
Voltando
ao Senhor dos Anéis e seu primeiro
livro, ultrapassando-se os 8 primeiros capítulos do chamado Livro I passa-se a
ter uma ação digna de tempos em que a velocidade dos desdobramentos de uma
determinada narrativa são algo muito ansiado – para os mais velhos, vou fazer
uma analogia pesada. Seria como se pouco mais de 1/3 do livro fosse passado no
andamento típico da novela Pantanal, da extinta TV Manchete, e os 2/3 restantes
tivessem o ritmo de um filme de ação e suspense, com enredo.
Em
resumo, considerei o Prefácio escrito por Tolkien uma grande sacada para a
criação de um laço direto entre o leitor e o autor, em que algumas verdades são
ditas; o Prólogo relevante apenas pela seção Sobre o Achado do Anel; e que o terço inicial do livro poderia ser mais
bem pensado em termos de dinâmica, muito lenta, podendo afastar uma determinada
classe de leitores. Mas o segundo livro – As Duas Torres – me aguardava, com
uma nova proposta. Este será o meu próximo post.
OBS.:
respeitando algo pelo qual sempre prezei assisti o primeiro filme da trilogia
apenas após ter lido o livro. E como em 99,9% dos casos considerei o livro
superior ao filme. Porém, desta feita, se deveu muito mais pela adaptação mal
feita do mesmo para sua versão para a telona. Uma personagem que somente se faz
presente no segundo livro é transposta para o primeiro filme. Fora isso,
diálogos não existentes no livro são inseridos no filme, dando uma versão
diferente para a estória.
Ø
Sobre
Operação Cavalo de Tróia – e o seu
marketing de ser uma estória verídica (que já se encontra em seu 9º volume):
Em
1980, J.J.Benítez foi contactado por um Major da Força Aérea dos Estados Unidos
que dizia ter em seu poder um documento ultra-secreto. Foi só depois de ter
ganho a confiança do oficial que o escritor recebeu uma série de indicações
enigmáticas que o levou aos manuscritos do Diário do Major. (...) O
misterioso norte-americano relata em seus escritos os detalhes de uma operação
secreta dos EUA, que, em 1973, transportou dois astronautas à Palestina de
Jesus de Nazaré. O objetivo era bastante claro: conhecer em primeira mão a
vida, a obra e o pensamento do Filho do Homem. Os protagonistas desta
viagem são Eliseu, um piloto que durante os “saltos” ao passado permanece quase
o tempo todo no módulo espacial instalado no monte das Oliveiras, e Jasão - o
próprio Major -, que se torna testemunha ocular da Vida, Paixão, Morte,
Ressurreição e “Ascensão” do Galileu.
J.J.Benítez complementa a volumosa
documentação deixada pelo Major com vasto material de pesquisa. A transcrição,
por enquanto, está dividida em oito volumes, somando 4.500 páginas, com um
total de 1.227 notas de rodapé, 14 mil fontes e mais de 3 mil informações sobre
o Mestre. Esses números fazem da série Cavalo de Tróia a maior obra sobre a
vida de Jesus de Nazaré, apresentado da forma mais humana e completa já
realizada. Fonte: http://www.saraiva.com.br/cavalo-de-troia-1-jerusalem-4071256.html
Ø Sobre
a série Duna:
Duna é um romance de ficção científica escrito por Frank Herbert e publicado em 1965. É considerada
uma das maiores obras de ficção científica de todos os tempos. Duna ganhou os
prêmios Hugo e Nebula no ano de sua publicação. (...) Duna se passa em um futuro distante no meio de um império intergaláctico
feudal em expansão, onde feudos planetários são controlados por Casas nobres
que devem aliança à imperial Casa Corrino. O livro conta a história do jovem Paul Atreides,
herdeiro do Duque Leto Atreides e
da respectiva Casa Atreides, na ocasião da transferência de sua família
para o planeta Arrakis, a única fonte no universo da especiaria melange.
Em uma história que explora as complexas interações entre política, religião,
ecologia, tecnologia e emoções humanas, o destino de Paul, sua família, seu
novo planeta e seus habitantes nativos, assim como o destino do Imperador Padishah,
da poderosa Corporação
Espacial e da
misteriosa ordem feminina das Bene Gesserit, acabam todos interligados em um
confronto que mudará o curso da humanidade. A sequência de livros seria: Duna
(lançado em 1984); Messias de Duna (1985); Os Filhos de Duna (1986); O
Imperador-Deus de Duna (1986); Os Hereges de Duna (1986); e As Herdeiras de
Duna (1987).
Não lembro ao certo de como foi ler o livro, mas fiz o contrario. Primeiro vi os filmes e só então li os livros. Ainda achei os livros melhores! Agora o cavalo de Troia eu li de raiva, poisas descrições de cadeiras de cedro duravam 5 páginas e isso era EXTREMAMENTE angustiante ler 5 paginas sobre uma cadeira.
ResponderExcluirTotally agree!
ExcluirFui apresentada a Tolkien nos anos 1980, recém-saída da adolescência. Comecei com o Hobbit (lamentavelmente esticado em 3 filmes de verossimilhança altamente questionável), passei pela trilogia do Anel, depois Silmarillion, Contos Inacabados.... Este, eu não acabei de ler mesmo! Bem, como profissional de Letras, o mundo de Tolkien, com dialetos próprios, descrição dos fonemas, transcrição das palavras e tudo, é o máximo! Como descobrir que Pessoa e seus heterônimos são, de fato, diferentes e peculiares, em termos de estilos - sendo um só. Enfim.
ResponderExcluirLi a edição portuguesa, de tradução impecável e palavras deliciosas. Assisti aos filmes e fiquei aliviada: se adaptações houve, a essência foi mantida. Ufa...
Achei ótimo ler essa resenha. Como fã apaixonada, sou só coração, mas vou repensar algumas coisas ali apontadas.
Já sobre Operação..., lamento que uma ideia central tao incrível tenha se transformado em uma pluralidade de livros tão absurdamente chatos, de tão minuciosos! Machado de Assis conseguia resolver bem essa fórmula, mas Benítez...
Essa da profissional de letras desconhecia. Mas que era uma leitora voraz, já o sabia...
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