sexta-feira, 13 de novembro de 2015

A SOCIEDADE DO ANEL

Livro na edição de 2002
Vamos deixar uma coisa bem clara desde o início: eu não acredito em duendes. Dito isso, vamos à análise do primeiro volume daquela que é considerada a obra prima de J. R. R. Tolkien – a trilogia Senhor dos Anéis, no caso, a primeira parte da estória, denominada A Sociedade do Anel. O livro em questão o qual tive acesso foi publicado pela editora paulista Martins Fontes, no ano de 2002, contendo 578 páginas – contando os mapas ao final.

A trilogia trata da busca, por um grupo de representantes de diversos povos, pela destruição do chamado Um Anel, o que permitirá restaurar a paz ao retirar a possibilidade do poder mágico deste cair nas mãos de Sauron, o vilão máximo e criador do próprio anel. O pensamento imediato do leitor de primeira mão, ao saber que a obra foi desenvolvida em meio aos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial – a primeira publicação se deu em 1956 – é de vinculá-la ou buscar quaisquer alegorias àquele dramático evento da humanidade. Mas o próprio Tolkien desmistifica tal tese logo no prefácio, aliás, trecho deveras interessante que ocupa as 5 primeiras páginas e que permite um diálogo direto e franco entre o autor e seus leitores:
Tolkien

Quanto a qualquer significado oculto ou “mensagem”, na intenção do autor estes não existem. O livro não é nem alegórico nem se refere a fatos contemporâneos. (...) O capítulo crucial, “A sombra do passado”, é uma das partes mais antigas do conto. Foi escrito muito antes que o prenúncio de 1939 se tornasse uma ameaça de desastre inevitável, e desse ponto a história teria sido desenvolvida essencialmente na mesma linha, mesmo que o desastre tivesse sido evitado. Suas fontes são coisas que já estavam presentes na mente muito antes, ou em alguns casos já escritas, e pouco ou nada foi modificado pela guerra que começou em 1939 ou por suas sequelas. (pág. XIII – Prefácio).

Em que pese tal afirmação, dizer que o ser humano não é “influenciável” por evento de tal porte me parece um tanto quanto exagero. Tolkien pode ter lutado para preservar ao máximo sua obra original, ou o mote que ela se propõe, mas ele próprio, em suas palavras, ao afirmar que “e pouco (...) foi modificado” dá a entender que um valor de juízo distinto dele pode ser passível de aplicação neste caso, dependendo do ponto vista.

Mas digamos que o horror ali circunscrito, de ver povos distintos movidos pela sede de poder tomarem a iniciativa de se matarem uns aos outros, chegando ao ponto de um lunático – Saruman, o então Mago Branco - gerar criaturas para o seu próprio exército – os chamados orcs – não ter realmente tido nenhum tipo de influência da Segunda Guerra Mundial, o que poderia então ter sido a semente que fez germinar todo esse universo de fantasia na mente de Tolkien?

A crise da década de 30, iniciada com o crash de 1929, é uma boa pista. O público devia estar ansioso por um salvador, alguém que pudesse superar todas as dificuldades, com tenacidade e honestidade, com bons princípios, trazendo comida, diversão e felicidade – algo bem típico dos hobbits, pequeno povo e personagem central da estória, que teve sua gênese na obra anterior (O Hobbit) do próprio Tolkien. Nada melhor então do que gerar uma utopia (nos moldes de hoje, seria chamado de distopia, porém, levando-se em conta que um mago como Gandalf tem a resposta para tudo...) na qual diferentes seres se unem pelo bem comum numa chamada Sociedade do Anel (lembrem-se que a Sociedade das Nações veio antes da Segunda Guerra Mundial!).

Nesta sociedade personagens de diferentes matizes têm que saber ceder e contribuir para que o propósito para o qual foram instados seja alcançado. Temos Aragorn (ou Passolargo), herdeiro de um trono há muito esquecido; temos Boromir, de grande coragem e ansioso para ver sua terra liberta do prenúncio de uma derrota sangrenta numa guerra violenta; temos Legolas, representante dos elfos, povo sábio da floresta de grande sensibilidade para o “todo”; temos Gimli, representante dos anões, que a despeito de sua condição física, enfrenta todos os perigos de maneira destemida; temos os 4 hobbits – Frodo, Samwise, Pippin e Merry; e por último, o líder, talvez o grande protagonista da estória, o mago Gandalf.

Personagens como retratados no primeiro filme da trilogia:
Aragorn, Gandalf, Legolas, Boromir e Bilbo (ao fundo)
Sam, Frod, Merry, Pippin (hobbits) e Gimli (o anão, em frente a Boromir)
Mas para abordar o que realmente interessa numa resenha literária – a avaliação do crítico sobre a qualidade no desenvolvimento da estória, aquele aspecto que prende o leitor do início ao fim do livro – esqueçam tudo que eu descrevi acima, à exceção talvez dos nomes dos principais personagens, expostos no parágrafo anterior. Vou passar agora a relatar-lhes minha experiência enquanto leitor.

O livro demora a deslanchar, “a pegar no breu” como dizem alguns analistas esportivos quando querem falar que um campeonato está emocionante. No chamado Prólogo, em torno de 30 páginas são dedicadas a explicar o ambiente e os principais povos em que se encerra a estória, contando inclusive com notas de rodapé. Dessa forma temos seções com os seguintes títulos: A respeito dos hobbits / A respeito da erva de fumo / Sobre a organização do Condado / Sobre o Achado do Anel / Nota sobre os Registros do Condado. Destes, talvez o de maior interesse seja o penúltimo, que remete diretamente para um ponto central e motor de toda a estória – em como o Um Anel foi de fato parar no Condado dos Hobbits gerando todo o desenlace necessário para a própria necessidade de sua destruição. Nesta seção o autor faz o link direto com a obra anterior, ao mencionar “Como se narra em O Hobbit, um dia chegou à porta de Bilbo, o grande mago, Gandalf, o Cinzento, e treze anões (...). Com eles partiu, para sua grande surpresa, numa manhã de abril, no ano de 1341, de acordo com o Registro do Condado, na busca de grandes riquezas (...)” – pág. 15.

Esse cuidado de Tolkien, incluindo mapas da região descrita, e próprio zelo na narrativa, ao identificar a paisagem nos mínimos detalhes, criando toda uma geografia própria e uma historiografia política fictícia para um determinado ambiente, veio a influenciar – ou pelo menos a ter eco – em obras posteriormente publicadas por outros autores e que também tiveram grande repercussão – e vendagem. Podemos citar, a título de exemplo, a série Duna, de Frank Herbert, e Operação Cavalo de Tróia, de J. J. Benítez. Neste segundo me são de nada agradáveis memórias as extensas notas de rodapé com explicações ditas científicas sobre a estrutura tecnológica do aparato utilizado para viajar no tempo.

Dessa forma, cada autor buscou criar laços próprios com os leitores, tal qual uma imersão num mundo particular. Para aqueles mais chegados aos duendes, mais fácil se tornou esse processo inicial – o que não necessariamente é o meu caso. Em Duna, por outro lado, o cenário de ficção científica pura era mais atrativo para mim enquanto apreciador. Já em Operação Cavalo de Tróia o autor buscou mesclar tanto o histórico com o científico. E óbvio que o viés religioso – a estória se passa na época do surgimento de Jesus – turbinou a curiosidade de outra de legião de fãs.

Voltando ao Senhor dos Anéis e seu primeiro livro, ultrapassando-se os 8 primeiros capítulos do chamado Livro I passa-se a ter uma ação digna de tempos em que a velocidade dos desdobramentos de uma determinada narrativa são algo muito ansiado – para os mais velhos, vou fazer uma analogia pesada. Seria como se pouco mais de 1/3 do livro fosse passado no andamento típico da novela Pantanal, da extinta TV Manchete, e os 2/3 restantes tivessem o ritmo de um filme de ação e suspense, com enredo.

Em resumo, considerei o Prefácio escrito por Tolkien uma grande sacada para a criação de um laço direto entre o leitor e o autor, em que algumas verdades são ditas; o Prólogo relevante apenas pela seção Sobre o Achado do Anel; e que o terço inicial do livro poderia ser mais bem pensado em termos de dinâmica, muito lenta, podendo afastar uma determinada classe de leitores. Mas o segundo livro – As Duas Torres – me aguardava, com uma nova proposta. Este será o meu próximo post.

OBS.: respeitando algo pelo qual sempre prezei assisti o primeiro filme da trilogia apenas após ter lido o livro. E como em 99,9% dos casos considerei o livro superior ao filme. Porém, desta feita, se deveu muito mais pela adaptação mal feita do mesmo para sua versão para a telona. Uma personagem que somente se faz presente no segundo livro é transposta para o primeiro filme. Fora isso, diálogos não existentes no livro são inseridos no filme, dando uma versão diferente para a estória.

Ø  Sobre Operação Cavalo de Tróia – e o seu marketing de ser uma estória verídica (que já se encontra em seu 9º volume):
Em 1980, J.J.Benítez foi contactado por um Major da Força Aérea dos Estados Unidos que dizia ter em seu poder um documento ultra-secreto. Foi só depois de ter ganho a confiança do oficial que o escritor recebeu uma série de indicações enigmáticas que o levou aos manuscritos do Diário do Major. (...) O misterioso norte-americano relata em seus escritos os detalhes de uma operação secreta dos EUA, que, em 1973, transportou dois astronautas à Palestina de Jesus de Nazaré. O objetivo era bastante claro: conhecer em primeira mão a vida, a obra e o pensamento do Filho do Homem. Os protagonistas desta viagem são Eliseu, um piloto que durante os “saltos” ao passado permanece quase o tempo todo no módulo espacial instalado no monte das Oliveiras, e Jasão - o próprio Major -, que se torna testemunha ocular da Vida, Paixão, Morte, Ressurreição e “Ascensão” do Galileu. 

J.J.Benítez complementa a volumosa documentação deixada pelo Major com vasto material de pesquisa. A transcrição, por enquanto, está dividida em oito volumes, somando 4.500 páginas, com um total de 1.227 notas de rodapé, 14 mil fontes e mais de 3 mil informações sobre o Mestre. Esses números fazem da série Cavalo de Tróia a maior obra sobre a vida de Jesus de Nazaré, apresentado da forma mais humana e completa já realizada. Fonte: http://www.saraiva.com.br/cavalo-de-troia-1-jerusalem-4071256.html





Ø  Sobre a série Duna:

Duna é um romance de ficção científica escrito por Frank Herbert e publicado em 1965. É considerada uma das maiores obras de ficção científica de todos os tempos. Duna ganhou os prêmios Hugo e Nebula no ano de sua publicação. (...) Duna se passa em um futuro distante no meio de um império intergaláctico feudal em expansão, onde feudos planetários são controlados por Casas nobres que devem aliança à imperial Casa Corrino. O livro conta a história do jovem Paul Atreides, herdeiro do Duque Leto Atreides e da respectiva Casa Atreides, na ocasião da transferência de sua família para o planeta Arrakis, a única fonte no universo da especiaria melange. Em uma história que explora as complexas interações entre política, religião, ecologia, tecnologia e emoções humanas, o destino de Paul, sua família, seu novo planeta e seus habitantes nativos, assim como o destino do Imperador Padishah, da poderosa Corporação Espacial e da misteriosa ordem feminina das Bene Gesserit, acabam todos interligados em um confronto que mudará o curso da humanidade. A sequência de livros seria: Duna (lançado em 1984); Messias de Duna (1985); Os Filhos de Duna (1986); O Imperador-Deus de Duna (1986); Os Hereges de Duna (1986); e As Herdeiras de Duna (1987).

4 comentários:

  1. Não lembro ao certo de como foi ler o livro, mas fiz o contrario. Primeiro vi os filmes e só então li os livros. Ainda achei os livros melhores! Agora o cavalo de Troia eu li de raiva, poisas descrições de cadeiras de cedro duravam 5 páginas e isso era EXTREMAMENTE angustiante ler 5 paginas sobre uma cadeira.

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  2. Fui apresentada a Tolkien nos anos 1980, recém-saída da adolescência. Comecei com o Hobbit (lamentavelmente esticado em 3 filmes de verossimilhança altamente questionável), passei pela trilogia do Anel, depois Silmarillion, Contos Inacabados.... Este, eu não acabei de ler mesmo! Bem, como profissional de Letras, o mundo de Tolkien, com dialetos próprios, descrição dos fonemas, transcrição das palavras e tudo, é o máximo! Como descobrir que Pessoa e seus heterônimos são, de fato, diferentes e peculiares, em termos de estilos - sendo um só. Enfim.
    Li a edição portuguesa, de tradução impecável e palavras deliciosas. Assisti aos filmes e fiquei aliviada: se adaptações houve, a essência foi mantida. Ufa...
    Achei ótimo ler essa resenha. Como fã apaixonada, sou só coração, mas vou repensar algumas coisas ali apontadas.
    Já sobre Operação..., lamento que uma ideia central tao incrível tenha se transformado em uma pluralidade de livros tão absurdamente chatos, de tão minuciosos! Machado de Assis conseguia resolver bem essa fórmula, mas Benítez...

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    1. Essa da profissional de letras desconhecia. Mas que era uma leitora voraz, já o sabia...

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