terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Cada Dia Mais Perto

O ser humano é por natureza um curioso. Este traço característico de nossa espécie é um dos fatores que levaram a nossa evolução, até o domínio das diferentes técnicas que proporcionaram, por sua vez, estarmos, para o bem e para mal, no leme condutor dos rumos de nosso planeta.

Porém, este mesmo traço tem um lado vil, que é quando a curiosidade se presta a mera fofoca. Por outro lado, não seria este – a volúpia pelo comentário sobre a vida alheia – também uma característica indissociável do ser humano? Mesmo aqueles que não a praticam não estariam indo contra sua própria natureza?

Essa introdução um tanto errática está diretamente vinculada a eu não saber como classificar a obra de Irvin Yalom, Cada Dia Mais Perto – Ed. Agir – Rio de Janeiro – 2010 – 296 págs. Yalom é um conhecido psiquiatra norte-americano que criou toda uma bibliografia, entre ficção e não-ficção, em torno dos casos terapêuticos por ele tratados. Como diria meu próprio terapeuta, é uma nova classe literária anteriormente inexistente. Do mesmo autor eu já tinha lido – e comentado – Quando Nietzsche Chorou e O Enigma de Espinosa.

Meu terapeuta – acima já mencionado – propôs como um bom exercício de leitura e compreensão do processo da terapia em si, assim como de tudo que lhe envolve, navegar pelo mundo dos escritos de Yalom. Feita esta proposta adquiri 4 livros distintos de uma vez só, triplicando o número de volumes do referido escritor sob minha posse. Resolvi então lê-los por ordem cronológica de criação e edição original. Desta forma poderia não apenas observar o desenvolvimento do autor enquanto escritor como também de sua filosofia de trabalho.

Esta obra – Cada Dia Mais Perto - foi escrita em conjunto com uma de suas pacientes, apresentadas pelo pseudônimo de Ginny Elkin, e foi primeiramente redigida em 1974, quando Yalom tinha 39 anos. Como proposta de terapia, tendo em vista ela ser uma escritora que sofria de um bloqueio para sua produção literária, pautada nas agonias pregressas que ela própria cultivava em relação à si mesma, “apresentando um comportamento atormentado, autodepreciativo e submisso”, Yalom sugeriu que ambos escrevessem, isoladamente, suas impressões após cada uma das sessões. Passados alguns meses eles trocariam mutuamente seus escritos, de modo a otimizar o auto-conhecimento do processo, buscando algum tipo de avanço. O livro trata, então, da publicação destes escritos, tal qual como foram feitos originalmente.

Yalom confessaria que este processo, além de ser produtivo para a paciente, serviria para que ele próprio alçasse de maneira mais sólida voos literários, testando a si próprio enquanto escritor. Minha curiosidade enquanto leitor foi então aguçada por diferentes canais: o que pretendia meu terapeuta? Eu perceberia uma melhora em minhas atitudes a partir da experiência que seria exposta no livro? O livro em si, enquanto obra literária, é bom ou ruim? E como se deu tal experiência? Foi proveitosa para ambas as partes: o terapeuta e a paciente? E como cada um se manifestou e desenvolveu sua escrita?

Portanto, nesta crítica que a partir de agora faço neste post, algumas das perguntas permanecerão para os demais livros. Outras irão se ater a cada uma das obras. A pretensão do meu trabalho terapêutico – e digo meu, pois se tem uma coisa que aprendi é que esse é um processo conjunto, de construção de um relacionamento mútuo de confiança – seria aproveitar um instrumento – livros – ao qual tenho muito apreço, otimizado pelo fato do autor ser de boa lavra, para que eu aumentasse meu auto-conhecimento. De cara a primeira lição que absorvi foi a humanização do terapeuta. Todo paciente tem pelo seu especialista um sentimento de endeusamento. Ou pelo menos uma expectativa de que ele será o vetor de todas as soluções de sua vida. Porém, essa atitude acaba se revelando falha para o processo, pois não enxergamos o ser humano que está ali para nos escutar, absorver as informações, degluti-las e nos devolvê-las num formato, digamos, mais inteligível, no sentido de que a partir do momento em que as apreendemos por um outro olhar, poderemos trabalhar melhor nossa reação às mesmas. Isto pode ser considerado uma melhora, acredito. Com isso estariam respondidas as duas primeiras perguntas. Mas ainda acredito que existe um algo mais nas obras de Yalom. Isso ficará mais claro nos demais posts.

Em relação a Cada Dia Mais Perto ser uma boa obra literária, eu, que já tinha lido outros dois livros anteriormente, posso lhes dizer que deixa a desejar, apesar de prender a atenção – mais pela curiosidade por mim acima explanada do que pela qualidade em si. Entre os dois textos majoritariamente presentes (acaba por surgir um terceiro autor na “trama”), considerei o de Yalom mais consistente e atrativo. O de Ginny era mais complexo, confuso, não tinha uma linearidade que por vezes complicava sua compreensão. Uma diferença percebida por ambos foi o modo como tratavam o seu interlocutor em seus escritos. Enquanto Yalom usava a 3ª pessoa, Ginny, a paciente, parecia querer tecer uma segunda sessão, um segundo diálogo, com o terapeuta, chamando-o por “você”. Abaixo transcreverei dois trechos de início dos respectivos relatos, para que possam perceber a diferença de estilo:

Yalom

09 de Outubro

Ginny veio hoje, o que significa, no seu caso, que está em relativa
boa forma. Suas roupas não têm remendos, seus cabelos provavelmente foram escovados, seu rosto parece menos decomposto e bem mais distinto. Com certo embaraço, ela descreveu com minha sugestão de pagasse pelas sessões com relatórios escritos em vez de dinheiro dera-lhe um novo impulso na vida. Inicialmente tinha ficado orgulhosa, mas em seguida conseguiu reduzir seu otimismo, fazendo piadas sarcásticas sobre si mesma para outras pessoas. (pág. 27/)

Ginny

09 de Outubro

Deve haver um meio de falar sobre essas sessões que não seja repetindo exatamente o que aconteceu e mesmerizando a mim mesma e a você. Eu tinha criado expectativas, mas me concentrei principalmente na ideia de mudança de horário. Comecei e acabei a sessão com este pensamento ocupando a minha mente. Com inquietação, e não sentimento. (pág. 29)

Percebe-se um contraponto entre objetividade por parte do terapeuta, na busca por caminhos, pistas, que indicassem um indicativo de um campo a ser trabalhado em busca da “cura”; enquanto a paciente, Ginny, trabalha mais a subjetividade, o sentimento inserido no relacionamento entre os dois. É importante ressaltar que não existe um certo ou errado na comparação entre os dois estilos. É apenas como ambos expressam o modo de atingir o mesmo objetivo, a aproximação de visões que propiciaria a alta. O título do livro já remete a esta meta – Cada Dia Mais Perto – inspirada numa música de Buddy Holly (Everyday – letras abaixo), sugerido pela Ginny. Yalom preferia A Twice-Told Therapy, mais uma vez demonstrando a diferença de visões. A abordagem poética da paciente acabou por prevalecer.

Enfim, teria sido alcançado o intento proposto por Yalom para ambos? Aí, somente lendo para que saibam. Importante ressaltar que existem posfácios escritos pelos dois, em separado, outra isca para a curiosidade humana. Para os leitores já conhecedores da obra de Yalom fica a impressão que ele estava realmente numa fase prematura da escrita, que veio a melhorar posteriormente. Para Ginny, a vida seguiu, como deve ser, com ganhos e perdas.

Everyday, it's a gettin' closer,
Goin' faster than a roller coaster,
Love like yours will surely come my way, (hey, hey, hey)
Everyday, it's a gettin' faster,
Everyone says go ahead and ask her,
Love like yours will surely come my way, (hey, hey, hey)
Everyday seems a little longer,
Every way, love's a little stronger,
Come what may, do you ever long for
True love from me?
Everyday, it's a gettin' closer,
Goin' faster than a roller coaster,
Love like yours will surely come my way, (hey, hey, hey)
Everyday seems a little longer,
Every way, love's a little stronger,
Come what may, do you ever long for
True love from me?


3 comentários:

  1. Esse seu terapeuta te conhece, hein. Joga isca pra todo lado. Mas isso é tema de almoço, não de blog.
    Tenho pensado muito no "perfil" do terapeuta. Não acompanho a tendência à endeusá-los. Muito pelo contrário. Prefiro desafiá-los.
    Tenho me questionado muito sobre a minha atual terapeuta. Não que a ache menos competente do que deveria, mas ela tem construído um monstro em mim. Prova de sua competência, claro, mas que pode se voltar contra ela.
    Pode estar parecendo tudo muito confuso, mas a terapia tem me feito pensar em quem de fato sou... e tenho descobrido cada coisa!!!!!

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    1. A terapia é um trabalho conjunto Lúcia. Se vc está insatisfeita com ela, pondere antes sobre vc mesmo e o seu papel nessa dinâmica.

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    2. Não estou insatisfeita, de forma alguma. Ela é ótima. O que tenho ponderado comigo mesma é sobre o que quero para mim

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