sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Mamãe e o Sentido da Vida

O segundo capítulo da jornada rumo à obra do autor Irvin D. Yalom se dá por intermédio das páginas de “Mamãe e o Sentido da Vida”, obra originalmente publicada em 1999 e da qual me faço valer da edição da Agir, datada de 2008, contendo 248 páginas. Comparada com a obra anteriormente resenhada – Cada Dia Mais Perto – esta apresenta com maior peso e qualidade ficcional os temas cotidianamente trabalhados numa terapia – o sentido da vida, a morte e a influência materna.

Yalom confessa desde o princípio o grande peso que teve o (mau) relacionamento por ele tido com a sua genitora. Logo no primeiro capítulo – a obra é dividida em 6 capítulos, cada um deles uma história independente da outra – que dá título ao livro, isto fica bem patente dado que se trata da descrição de um sonho tido com a mãe e a análise de seu impacto sobre sua persona. A partir daí ele trava um diálogo imaginário com ela, de modo a esclarecer os fatos e a expurgar os demônios. Relevante é sua fala final no próprio sonho, que diz muita coisa: “- Mamãe! Mamãe! Como me saí, mamãe? Como é que eu me saí?”.

Mas não devemos imaginar que o livro trata-se somente de um navegar sobre um dos principais dilemas enfrentado numa análise, que é a influência materna em nossas vidas. Já no segundo capítulo ele parte para outro dos cenários comumente enfrentados pelos psicanalistas, as terapias de grupo. Faz isso girando em torno de um personagem, Paula, que tem câncer terminal e se propõe a administrar, juntamente com ele, um grupo de pessoas num estágio similar, não importando a doença envolvida. Chama a atenção do autor como Paula possui muito mais influência na dinâmica de trabalho que ele próprio. O relacionamento entre os dois começa a se desgastar quando outros fatores externos passam a influenciar o trabalho proposto.

O terceiro capítulo, denominado Consolo Sulista, ainda caminha na seara dos trabalhos em grupo, mas diferentemente do anterior, são daqueles ministrados em hospitais, que têm uma alta rotatividade de pacientes. O problema enfrentado pelo psicanalista passa a ser então como extrair o melhor resultado possível quando a perspectiva é, numa análise conservadora, de se ter somente uma sessão para obtê-lo. Neste capítulo ainda existe a constatação de quão enganosa é a perspectiva de alunos para com o professor mais experiente, no caso ele próprio em relação aos médicos residentes que acompanham a dinâmica. A surpresa está em receber uma lição de um dos pacientes que menos ele esperava. Como bonita é a vida sempre a nos surpreender!

Já o quarto capítulo para mim foi o mais enriquecedor. Trata de como enfrentar o luto, tanto por um ente querido como por si próprio, ou seja, como estar à frente da morte nos confronta com o medo de nosso próprio fim. Chama-se Sete Lições Avançadas na Terapia do Luto, e tem o como personagem central Irene, uma médica que havia perdido o marido, ainda com 35 anos. Cada uma das etapas vividas no tratamento é então retratada e como pode ser útil a todos neste enfrentamento ao qual todos seremos submetidos um dia.

Ele indica a importância do primeiro sonho relatado, aquele que vem sem os vícios da mente em se proteger do terapeuta; passa depois para a relação em si entre terapeuta e paciente, especialmente como este último enxerga aquele no processo de cura; posteriormente a constatação em si sobre a raiva incontida pelo luto imposto pela vida, algo para o qual não estamos preparados, ainda mais quando ocorrido de maneira surpreendente; o fato do paciente começar a ponderar sobre a influência do (mau) destino, como se este fosse algo tangível, que contaminasse todos à sua volta, a ponto de se sentir culpado; a importância de se ter consciência sobre o próprio estado e o contexto em que está inserido, de modo a subjugá-lo – “Minha abordagem terapêutica, portanto, tem sua síntese num comentário de Thomas Hardy (1): ‘Se há um caminho para o Melhor, ele exige um olhar pleno para o Pior’”; o avanço em termos da conscientização e cura tem como primeiro sinal o vislumbre da própria terapia somente como uma ferramenta, e não um fim em si mesmo. O terapeuta passa a ser um especialista que propõe e auxilia na busca conjunta pela cura. O trabalho é em grupo, entre o terapeuta e o paciente! Se este não ajuda, pouco há a fazer. E tantas são as circunstâncias:

É óbvio que enfrentar a própria morte é a mais poderosa das experiências limítrofes, mas existem muitas outras – doenças ou lesões graves, divórcio, fracassos profissionais, eventos marcantes (a aposentadoria, o momento em que os filhos saem de casa, a meia-idade, certos aniversários importantes) e, é claro, a experiência marcante da morte de um ente querido. (pág. 134)

A última lição deste capítulo, a mais óbvia de todas, é quando o paciente se dá conta de que deve seguir em frente. A Irene, em seu processo, por exemplo, foi a única que autorizou a identificação explícita de sua profissão e de seu caso, sem muitos retoques para a confidencialidade, para que Yalom pudesse divulgá-la e ajudar outras pessoas que estivessem passando pela mesma situação. Isso é ou não é seguir em frente?!

Nos dois últimos capítulos Yalom faz uso do terapeuta Ernst Lasch, personagem criado por ele para o romance Mentiras no Divã. Seu reaparecimento pretende demonstrar que essas histórias são intensamente ficcionalizadas (Posfácio, pág. 243). A primeira delas – Dupla Revelação – trata da hipótese de que uma paciente tivesse acesso, acidentalmente, às gravações feitas pelo terapeuta sobre as sessões realizadas, e o seu impacto no restante do tratamento; já A Maldição do Gato Húngaro está mais na linha do romance-fantasia, tão típico dos grandes autores latino-americanos, sendo uma alegoria sobre vidas passadas.

Dessa forma Yalom nos brinda nesta obra com pérolas de elevada qualidade. A mim particularmente agradou o capítulo de Sete Lições, útil não somente para quem passou pelo tormento ali exposto, como também para uma preparação para o porvir e como agir em tais circunstâncias. Destacaria ainda Viagens com Paula, por sua lição para o relacionamento a dois e como este deve ser cultivado com zelo; e o Dupla Revelação, pela sua comicidade. Devo dizer que dentre os quatro livros por mim lidos nesse exercício, este, juntamente com Criaturas de Um Dia, foi dos que mais me agradou. Mas isso é uma outra história para uma outra vez.


(1)   Thomas Hardy – Escritor Inglês - http://educacao.uol.com.br/biografias/thomas-hardy.htm .

10 comentários:

  1. Bem, essa relevância da mãe na vida das pessoas me incomoda muito.
    Como mãe, posso dizer que fiz o que achava ser o certo. Como filha, a terapia me ensinou que a minha mãe também fez o que achava ser o certo.
    Então, ficamos assim. O problema é meu.
    Quando vejo as feministas brigando por igualdade acho tudo muito ridículo. Igualdade seria não ser a única responsável relevante sobre a formação dos filhos. Digo formação como pessoa.
    Que inferno isso de sermos sempre as "culpadas" por tudo na vida de nossos rebentos. Não haveria nisso uma supervalorização? Freud que me desculpe, mas a culpa é dele que inventou esse negócio.
    Quanto aos demais temas do livro, creio que a literatura nos ajuda a compreender como superamos e seguimos em frente. Quando uma obra de ficção nos surpreende com a capacidade inventiva do escritor cabe parar para pensar... quantas vezes acontecem coisas na nossa vida que escapariam à nossa capacidade de criar situações.
    Nenhuma vida é medíocre (salvo a dos meus desafetos rsrsrs) e em todas cabem um evento inacreditável.
    Vida que segue, sempre.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito bom comentário Lúcia. No q diz respeito ao primeiro aspecto me incomoda a minimização do papel do pai. Tema sem dúvida para uma análise mais profunda.

      Excluir
    2. Para pais como você deve ser bastante frustrante esse endeusamento das mães. A desigualdade é sempre um incômodo.

      Excluir
    3. Infelizmente o papel materno que pode ser representado peça própria mãe ou aquele que realiza a maternagem, principalmente na primeira infância, é sim determinante para essa "primeira formação" da criança. Sorry! Léo, A presença ou não do pai é fundamental no desenvolvimento infantil, sim. O papel do pai é determinante.

      Excluir
    4. Determinante, mas não valorizado

      Excluir
    5. Deixo claro, portanto, que o que marca são os papéis, as figuras paterna e materna são importantes e nem sempre são desempenhados pelos próprios pais. Lucia depende da abordagem e dos autores. Vou procurar alguns que defendem a importância. A questão é biológica antes de psicológica. O elo mãe -filho é uterino e aí, realmente, não há como nesse primeiro momento inserir o pai apesar da gravidez não existir sem a presença deste.

      Excluir
  2. Muito bom Leo. Repito... acredito q vc seria un bom psicanalista. Leva jeito. Gosto das suas resenhas. Pra mim, vc faz uma leitura muito interessante desse autor que, na verdade, é complexo. Via WhatsApp

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Concordo contigo De. A análise e o "mergulho" do Leopoldo são ótimos. Para mim, enriquecedores.

      Excluir
  3. Léo, Lúcia, Dé e Afonso, que delícia ler vocês! Concordei com todos os comentários.

    ResponderExcluir
  4. Seus lindos, vocês são muito intelectuais.

    ResponderExcluir