O
segundo capítulo da jornada rumo à obra do autor Irvin D. Yalom se dá por
intermédio das páginas de “Mamãe e o Sentido da Vida”, obra originalmente
publicada em 1999 e da qual me faço valer da edição da Agir, datada de 2008,
contendo 248 páginas. Comparada com a obra anteriormente resenhada – Cada Dia
Mais Perto – esta apresenta com maior peso e qualidade ficcional os temas cotidianamente
trabalhados numa terapia – o sentido da vida, a morte e a influência materna.
Yalom
confessa desde o princípio o grande peso que teve o (mau) relacionamento por
ele tido com a sua genitora. Logo no primeiro capítulo – a obra é dividida em 6
capítulos, cada um deles uma história independente da outra – que dá título ao
livro, isto fica bem patente dado que se trata da descrição de um sonho tido
com a mãe e a análise de seu impacto sobre sua persona. A partir daí ele trava
um diálogo imaginário com ela, de modo a esclarecer os fatos e a expurgar os
demônios. Relevante é sua fala final no próprio sonho, que diz muita coisa: “-
Mamãe! Mamãe! Como me saí, mamãe? Como é que eu me saí?”.
Mas
não devemos imaginar que o livro trata-se somente de um navegar sobre um dos
principais dilemas enfrentado numa análise, que é a influência materna em
nossas vidas. Já no segundo capítulo ele parte para outro dos cenários
comumente enfrentados pelos psicanalistas, as terapias de grupo. Faz isso
girando em torno de um personagem, Paula, que tem câncer terminal e se propõe a
administrar, juntamente com ele, um grupo de pessoas num estágio similar, não
importando a doença envolvida. Chama a atenção do autor como Paula possui muito
mais influência na dinâmica de trabalho que ele próprio. O relacionamento entre
os dois começa a se desgastar quando outros fatores externos passam a
influenciar o trabalho proposto.
O
terceiro capítulo, denominado Consolo
Sulista, ainda caminha na seara dos trabalhos em grupo, mas diferentemente
do anterior, são daqueles ministrados em hospitais, que têm uma alta
rotatividade de pacientes. O problema enfrentado pelo psicanalista passa a ser
então como extrair o melhor resultado possível quando a perspectiva é, numa
análise conservadora, de se ter somente uma sessão para obtê-lo. Neste capítulo
ainda existe a constatação de quão enganosa é a perspectiva de alunos para com
o professor mais experiente, no caso ele próprio em relação aos médicos
residentes que acompanham a dinâmica. A surpresa está em receber uma lição de
um dos pacientes que menos ele esperava. Como bonita é a vida sempre a nos
surpreender!
Já
o quarto capítulo para mim foi o mais enriquecedor. Trata de como enfrentar o
luto, tanto por um ente querido como por si próprio, ou seja, como estar à
frente da morte nos confronta com o medo de nosso próprio fim. Chama-se Sete Lições Avançadas na Terapia do Luto,
e tem o como personagem central Irene, uma médica que havia perdido o marido,
ainda com 35 anos. Cada uma das etapas vividas no tratamento é então retratada
e como pode ser útil a todos neste enfrentamento ao qual todos seremos
submetidos um dia.
Ele
indica a importância do primeiro sonho relatado, aquele que vem sem os vícios
da mente em se proteger do terapeuta; passa depois para a relação em si entre
terapeuta e paciente, especialmente como este último enxerga aquele no processo
de cura; posteriormente a constatação em si sobre a raiva incontida pelo luto
imposto pela vida, algo para o qual não estamos preparados, ainda mais quando
ocorrido de maneira surpreendente; o fato do paciente começar a ponderar sobre
a influência do (mau) destino, como se este fosse algo tangível, que
contaminasse todos à sua volta, a ponto de se sentir culpado; a importância de
se ter consciência sobre o próprio estado e o contexto em que está inserido, de
modo a subjugá-lo – “Minha abordagem terapêutica, portanto, tem sua síntese num
comentário de Thomas Hardy (1): ‘Se há um caminho para o Melhor, ele exige um
olhar pleno para o Pior’”; o avanço em termos da conscientização e cura tem
como primeiro sinal o vislumbre da própria terapia somente como uma ferramenta,
e não um fim em si mesmo. O terapeuta passa a ser um especialista que propõe e
auxilia na busca conjunta pela cura. O trabalho é em grupo, entre o terapeuta e
o paciente! Se este não ajuda, pouco há a fazer. E tantas são as circunstâncias:
É óbvio que enfrentar a própria morte é a mais
poderosa das experiências limítrofes, mas existem muitas outras – doenças ou
lesões graves, divórcio, fracassos profissionais, eventos marcantes (a
aposentadoria, o momento em que os filhos saem de casa, a meia-idade, certos
aniversários importantes) e, é claro, a experiência marcante da morte de um
ente querido.
(pág. 134)
A última lição
deste capítulo, a mais óbvia de todas, é quando o paciente se dá conta de que
deve seguir em frente. A Irene, em seu processo, por exemplo, foi a única que
autorizou a identificação explícita de sua profissão e de seu caso, sem muitos
retoques para a confidencialidade, para que Yalom pudesse divulgá-la e ajudar
outras pessoas que estivessem passando pela mesma situação. Isso é ou não é
seguir em frente?!
Nos dois últimos
capítulos Yalom faz uso do terapeuta Ernst Lasch, personagem criado por ele
para o romance Mentiras no Divã. Seu
reaparecimento pretende demonstrar que essas histórias são intensamente
ficcionalizadas (Posfácio, pág. 243). A primeira delas – Dupla Revelação – trata da hipótese de que uma paciente tivesse
acesso, acidentalmente, às gravações feitas pelo terapeuta sobre as sessões
realizadas, e o seu impacto no restante do tratamento; já A Maldição do Gato Húngaro está mais na linha do romance-fantasia,
tão típico dos grandes autores latino-americanos, sendo uma alegoria sobre
vidas passadas.
Dessa forma
Yalom nos brinda nesta obra com pérolas de elevada qualidade. A mim particularmente
agradou o capítulo de Sete Lições,
útil não somente para quem passou pelo tormento ali exposto, como também para
uma preparação para o porvir e como agir em tais circunstâncias. Destacaria
ainda Viagens com Paula, por sua
lição para o relacionamento a dois e como este deve ser cultivado com zelo; e o
Dupla Revelação, pela sua comicidade.
Devo dizer que dentre os quatro livros por mim lidos nesse exercício, este,
juntamente com Criaturas de Um Dia,
foi dos que mais me agradou. Mas isso é uma outra história para uma outra vez.
(1)
Thomas
Hardy – Escritor Inglês - http://educacao.uol.com.br/biografias/thomas-hardy.htm
.
Bem, essa relevância da mãe na vida das pessoas me incomoda muito.
ResponderExcluirComo mãe, posso dizer que fiz o que achava ser o certo. Como filha, a terapia me ensinou que a minha mãe também fez o que achava ser o certo.
Então, ficamos assim. O problema é meu.
Quando vejo as feministas brigando por igualdade acho tudo muito ridículo. Igualdade seria não ser a única responsável relevante sobre a formação dos filhos. Digo formação como pessoa.
Que inferno isso de sermos sempre as "culpadas" por tudo na vida de nossos rebentos. Não haveria nisso uma supervalorização? Freud que me desculpe, mas a culpa é dele que inventou esse negócio.
Quanto aos demais temas do livro, creio que a literatura nos ajuda a compreender como superamos e seguimos em frente. Quando uma obra de ficção nos surpreende com a capacidade inventiva do escritor cabe parar para pensar... quantas vezes acontecem coisas na nossa vida que escapariam à nossa capacidade de criar situações.
Nenhuma vida é medíocre (salvo a dos meus desafetos rsrsrs) e em todas cabem um evento inacreditável.
Vida que segue, sempre.
Muito bom comentário Lúcia. No q diz respeito ao primeiro aspecto me incomoda a minimização do papel do pai. Tema sem dúvida para uma análise mais profunda.
ExcluirPara pais como você deve ser bastante frustrante esse endeusamento das mães. A desigualdade é sempre um incômodo.
ExcluirInfelizmente o papel materno que pode ser representado peça própria mãe ou aquele que realiza a maternagem, principalmente na primeira infância, é sim determinante para essa "primeira formação" da criança. Sorry! Léo, A presença ou não do pai é fundamental no desenvolvimento infantil, sim. O papel do pai é determinante.
ExcluirDeterminante, mas não valorizado
ExcluirDeixo claro, portanto, que o que marca são os papéis, as figuras paterna e materna são importantes e nem sempre são desempenhados pelos próprios pais. Lucia depende da abordagem e dos autores. Vou procurar alguns que defendem a importância. A questão é biológica antes de psicológica. O elo mãe -filho é uterino e aí, realmente, não há como nesse primeiro momento inserir o pai apesar da gravidez não existir sem a presença deste.
ExcluirMuito bom Leo. Repito... acredito q vc seria un bom psicanalista. Leva jeito. Gosto das suas resenhas. Pra mim, vc faz uma leitura muito interessante desse autor que, na verdade, é complexo. Via WhatsApp
ResponderExcluirConcordo contigo De. A análise e o "mergulho" do Leopoldo são ótimos. Para mim, enriquecedores.
ExcluirLéo, Lúcia, Dé e Afonso, que delícia ler vocês! Concordei com todos os comentários.
ResponderExcluirSeus lindos, vocês são muito intelectuais.
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