Seguindo
na minha avaliação de quatro obras do psiquiatra Irvin D. Yalom abordo agora um
livro escrito pelo menos que foge do relato ora ficcional ora autobiográfico
dos dois últimos aqui apresentados – Cada Dia Mais Perto & Mamãe e o
Sentido da Vida. Trata-se da obra “Os Desafios da Terapia”, publicada
originalmente em 2002. A edição com a qual lido é da Ediouro, datada de 2006,
contendo 230 páginas.
A
curiosidade e a dicotomia que tal obra levanta começam a partir da tradução do
título original para o Português. O título original é The Gift of Therapy, o qual na minha modesta tradução livre seria “O
Dom da Terapia”. Por que o tradutor (Vera de Paula Assis) teria escolhido ‘os
desafios’ ao invés de ‘o dom’? Sabemos que a publicação de uma obra ou a
exibição de um filme estão atreladas diretamente na atratividade que as mesmas
podem gerar sobre o seu público consumidor. Quanto mais atrativas forem, maior
o público. E essa atratividade se inicia a partir do título. Mas volto à
pergunta: por que raios ‘desafios’ é mais atrativo do que ‘dom’?
Por
outro lado, no decorrer da obra de Yalom ele sim é confrontado com uma série de
desafios, para os quais, um a um, ele vai apresentando sua abordagem como uma
solução para os mesmos. Concordar ou não com sua filosofia de trabalho é outro
tipo de análise que não cabe aqui. Mas em The
Gift ele propõe uma série de atitudes para cada estágio do processo
terapêutico a partir de sua própria experiência. Sendo assim, a palavra ‘desafios’
espelharia esta busca incessante por superação nesse encontro a dois – quando nos
reportamos a uma terapia simples. Se olhamos para uma terapia de grupo os ‘desafios’
se multiplicam.
Ok,
temos uma explicação para ‘desafios’. Mas, então, por que Yalom teria escolhido
‘dom’? Uma das lutas dos terapeutas é não ter a imagem de grande solucionador
de todos os problemas. A terapia é um trabalho conjunto entre o terapeuta e o
paciente. O terapeuta melhor se encaixaria no perfil de facilitador, por abrir
o caminho para que o paciente enxergue a luz no fim do túnel, daquele mesmo
longo túnel que ele, paciente, entrou não sabe quando nem como e muito menos
porquê. Ele apenas o intui. Mas vê-lo, é outra história. Aliás, enxergar tal
luz significará necessariamente ultrapassar a escuridão primeiro, a escuridão
da ignorância.
Nesse
sentido, sim, é necessário possuir um dom para auxiliar alguém nesta caminhada.
O dom de saber ouvir, escutar realmente o outro e seus problemas, saber quando
se posicionar – sem aconselhar por uma única saída, mas apontar alternativas,
as quais o paciente deverá assumir a responsabilidade de adotar. É estar sem
exatamente ser. É ter para com o outro sem possuí-lo. É ser ombro e não ser
bengala.
Uma
das ferramentas as quais Yalom recorre seguidamente nesta trajetória é o que
ele chama do “aqui e agora”. Sendo a terapia um microcosmo da vida do paciente,
uma vez que a construção de um relacionamento com um terceiro, não seria ela um
espelho do que este mesmo paciente vive no seu dia a dia? Se o paciente tiver
um relacionamento bem resolvido com seu terapeuta – e com os dilemas que este
profissional lhe propõe, sendo instigador a todo o momento – por que este mesmo
paciente não teria a capacidade de superar os dilemas fora do consultório? Por
isso Yalom enfatiza:
Para
o cientista social e o terapeuta contemporâneo, os relacionamentos
interpessoais são tão óbvia e monumentalmente importantes que elaborar a
questão é aceitar o risco de pregar para o convertido. Basta dizer que,
independentemente de nossa perspectiva profissional – não importa se estudamos
nossos parentes primatas não-humanos, culturas primitivas, a história do
desenvolvimento do indivíduo ou os padrões de vida atuais -, é evidente que
somos criaturas intrinsecamente sociais. Durante toda a vida, nosso ambiente
interpessoal circundante – colegas, amigos, professores, bem como família – tem
uma enorme influência sobre o tipo de indivíduo que nos tornamos. Nossa auto-imagem é formada, em grande
medida, com base nas avaliações refletidas que percebemos nos olhos de figuras
importantes em nossas vidas. (Grifo nosso - pág.57)
E qual figura é
mais importante para um paciente que não seu terapeuta e como este o enxerga?
Porque ali estará o espelho da evolução de cada um.
The Gift serve assim como um guia para uma
aceleração, um aprimoramento desta jornada. E serve mutuamente tanto para
terapeutas quanto para pacientes. Yalom sabiamente, de modo a evitar o peso de
uma obra acadêmica – que não o é, diga-se de passagem – ou dos ditos manuais de
auto-ajuda, até mesmo porque este é focado num nicho muito específico,
estrutura sua obra em micro-capítulos, às vezes de uma única página, num total de
85, distribuídos pelas 230 páginas acima citadas. Dá, em média, menos de 3
páginas por capítulo. Pílulas do conhecimento. Vagalumes que iluminam o nosso
caminho.
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