sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

OS DESAFIOS DA TERAPIA

Seguindo na minha avaliação de quatro obras do psiquiatra Irvin D. Yalom abordo agora um livro escrito pelo menos que foge do relato ora ficcional ora autobiográfico dos dois últimos aqui apresentados – Cada Dia Mais Perto & Mamãe e o Sentido da Vida. Trata-se da obra “Os Desafios da Terapia”, publicada originalmente em 2002. A edição com a qual lido é da Ediouro, datada de 2006, contendo 230 páginas.


A curiosidade e a dicotomia que tal obra levanta começam a partir da tradução do título original para o Português. O título original é The Gift of Therapy, o qual na minha modesta tradução livre seria “O Dom da Terapia”. Por que o tradutor (Vera de Paula Assis) teria escolhido ‘os desafios’ ao invés de ‘o dom’? Sabemos que a publicação de uma obra ou a exibição de um filme estão atreladas diretamente na atratividade que as mesmas podem gerar sobre o seu público consumidor. Quanto mais atrativas forem, maior o público. E essa atratividade se inicia a partir do título. Mas volto à pergunta: por que raios ‘desafios’ é mais atrativo do que ‘dom’?

Por outro lado, no decorrer da obra de Yalom ele sim é confrontado com uma série de desafios, para os quais, um a um, ele vai apresentando sua abordagem como uma solução para os mesmos. Concordar ou não com sua filosofia de trabalho é outro tipo de análise que não cabe aqui. Mas em The Gift ele propõe uma série de atitudes para cada estágio do processo terapêutico a partir de sua própria experiência. Sendo assim, a palavra ‘desafios’ espelharia esta busca incessante por superação nesse encontro a dois – quando nos reportamos a uma terapia simples. Se olhamos para uma terapia de grupo os ‘desafios’ se multiplicam.

Ok, temos uma explicação para ‘desafios’. Mas, então, por que Yalom teria escolhido ‘dom’? Uma das lutas dos terapeutas é não ter a imagem de grande solucionador de todos os problemas. A terapia é um trabalho conjunto entre o terapeuta e o paciente. O terapeuta melhor se encaixaria no perfil de facilitador, por abrir o caminho para que o paciente enxergue a luz no fim do túnel, daquele mesmo longo túnel que ele, paciente, entrou não sabe quando nem como e muito menos porquê. Ele apenas o intui. Mas vê-lo, é outra história. Aliás, enxergar tal luz significará necessariamente ultrapassar a escuridão primeiro, a escuridão da ignorância.

Nesse sentido, sim, é necessário possuir um dom para auxiliar alguém nesta caminhada. O dom de saber ouvir, escutar realmente o outro e seus problemas, saber quando se posicionar – sem aconselhar por uma única saída, mas apontar alternativas, as quais o paciente deverá assumir a responsabilidade de adotar. É estar sem exatamente ser. É ter para com o outro sem possuí-lo. É ser ombro e não ser bengala.

Uma das ferramentas as quais Yalom recorre seguidamente nesta trajetória é o que ele chama do “aqui e agora”. Sendo a terapia um microcosmo da vida do paciente, uma vez que a construção de um relacionamento com um terceiro, não seria ela um espelho do que este mesmo paciente vive no seu dia a dia? Se o paciente tiver um relacionamento bem resolvido com seu terapeuta – e com os dilemas que este profissional lhe propõe, sendo instigador a todo o momento – por que este mesmo paciente não teria a capacidade de superar os dilemas fora do consultório? Por isso Yalom enfatiza:

Para o cientista social e o terapeuta contemporâneo, os relacionamentos interpessoais são tão óbvia e monumentalmente importantes que elaborar a questão é aceitar o risco de pregar para o convertido. Basta dizer que, independentemente de nossa perspectiva profissional – não importa se estudamos nossos parentes primatas não-humanos, culturas primitivas, a história do desenvolvimento do indivíduo ou os padrões de vida atuais -, é evidente que somos criaturas intrinsecamente sociais. Durante toda a vida, nosso ambiente interpessoal circundante – colegas, amigos, professores, bem como família – tem uma enorme influência sobre o tipo de indivíduo que nos tornamos. Nossa auto-imagem é formada, em grande medida, com base nas avaliações refletidas que percebemos nos olhos de figuras importantes em nossas vidas. (Grifo nosso - pág.57)

E qual figura é mais importante para um paciente que não seu terapeuta e como este o enxerga? Porque ali estará o espelho da evolução de cada um.


The Gift serve assim como um guia para uma aceleração, um aprimoramento desta jornada. E serve mutuamente tanto para terapeutas quanto para pacientes. Yalom sabiamente, de modo a evitar o peso de uma obra acadêmica – que não o é, diga-se de passagem – ou dos ditos manuais de auto-ajuda, até mesmo porque este é focado num nicho muito específico, estrutura sua obra em micro-capítulos, às vezes de uma única página, num total de 85, distribuídos pelas 230 páginas acima citadas. Dá, em média, menos de 3 páginas por capítulo. Pílulas do conhecimento. Vagalumes que iluminam o nosso caminho.

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