sábado, 16 de fevereiro de 2013

Cem Dias entre Céu e Mar


Todos nós passamos por experiências que marcam a nossa vida, que servem de referência para nossas futuras atitudes. Desta forma vamos ganhando maturidade, vamos crescendo em sabedoria, vamos aprendendo “o caminho das pedras”. Essas lições servem, portanto, para que não cometamos os mesmos erros e para que possamos trilhar um rumo com menos tropeços e equívocos.

Porém, poucos são aqueles que podem dizer que anteciparam a experiência marcante pela qual passariam – exceção àqueles que ficaram 9 meses esperando o primeiro filho nascer. Amyr Klink foi um deles. No livro “Cem Dias entre Céu e Mar” – São Paulo – Ed. Companhia das Letras – 2005 – 160 págs. – este economista e administrador por formação apresenta o relato dos preparativos e da jornada de travessia, da África para o Brasil, do oceano Atlântico, a bordo de um barco a remos – o IAT.


Amyr Klink, ao contrário do que muitos podem pensar, não é um aventureiro. Isso se a palavra tiver o significado de ser uma pessoa que faz as coisas sem medir muito as conseqüências. Muito longe disso. Amyr Klink é uma pessoa metódica, organizada, que só se envolve em suas empreitadas com muito planejamento. Depois desta aventura, pela qual ficou conhecido – foi o primeiro a atravessar o Atlântico pelo hemisfério sul desta forma, sozinho, remando – ele ainda realizou outras, sendo de igual relevância, por exemplo, em termos de desafio, a permanência, isolado, entre a Antártica e o Ártico, num projeto que consumiu ao todo 2 anos.

Amyr Klink hoje em dia...

E o mais interessante ainda é que, uma vez que você passa a acompanhar com interesse reportagens sobre os chamados esportes radicais – casta talvez que mais se aproxime dele – percebe que os verdadeiros profissionais fazem tudo com muito método e planejamento, evitando assim contratempos e riscos desnecessários. Dito isto, seguem, abaixo, algumas lições extraídas do livro – que não sem razão, acabaram por ser um dos meios de renda do próprio Amyr, ministrando palestras para todo o tipo de público, principalmente empresas, que podem aplicá-las ao combativo mundo em que se inserem:

Planejamento é tudo

Um pouco antecipado no parágrafo acima, Amyr Klink antes de enfrentar os mares, analisa meticulosamente cada passo a ser dado. As surpresas no meio do caminho não deixam de existir – isso é a vida – porém sua capacidade de planejamento lhe dava a devida segurança para que, a cada “não” ou “porém” que surgisse, ele estivesse convicto, mesmo assim, de que estava no caminho certo. Tinha um rumo traçado, estudado, e nada poderia abalá-lo ao ponto de desistir.

O “dossiê amarelo” era meu advogado oficial: um documento de trinta páginas que escrevi dois anos antes, onde detalhava, item por item, o projeto que tinha em mente e que não deixava dúvidas sobre a sua viabilidade. Por muitas vezes ainda esse documento me livraria de situações complicadas. (pág. 22).

Coragem, mesmo nos momentos mais difíceis

Por vezes nos vemos envolvidos numa série de desencontros, decisões erradas, equívocos que nos fazem pensar que tudo de negativo está acontecendo conosco e que não temos como sair deste buraco negro. É o chamado “inferno astral”. Amyr Klink teve os seus, em mais de 3 meses no mar. Porém, em nenhum momento ele perdeu a coragem de seguir em frente, seguro que estava do projeto e das ferramentas que tinha à mão. Se ele teve medo? Claro que sim. O medo também faz parte, e sua principal função é nos auxiliar a não cruzarmos os limites. Mas sempre existe o imponderável da natureza, muito maior do que nós, que poderia levar tudo a perder. Mas para quem se prepara, sempre há uma saída. Há que ter paciência e atitude. Muitas vezes as coisas se ajeitam por si só. Desesperar jamais.

Naquela mesma noite fui acordado diversas vezes por ondas que golpeavam o barco com impressionante violência. O mar parecia ter enlouquecido e não havia mais nada que eu pudesse fazer a não ser permanecer deitado e rezar. (...) Mal tive tempo de analisar o que se passou, e o mundo deu novamente uma volta completa, tão rápida que nem cheguei a sair do lugar. (...) Impossível descobrir naquele momento. Precisava tirar a água primeiro. Não havia tempo para pensar. Sem que eu parasse de um minuto de acionar a alavanca da bomba, o dia começou a nascer e pude então perceber o tamanho da encrenca. (...) Os segundos passavam e nada acontecia desta vez. Eu tinha no fundo do barco um sistema de tanques flexíveis de borracha, embaixo dos tanques de água doce, previsto para uma eventualidade como essa. Eram tanques de lastro que, abastecidos com duzentos litros de água, fariam o barco retornar à posição normal. Pensei, então, em acionar a bomba de lastros. Mas não foi preciso. Mal tentei me virar para alcançar a alavanca da bomba, o barco endireitou. Que alívio! (págs. 36 e 37).

E Amyr Klink naqueles dias.

Saber avaliar o problema

Em nosso rápido mundo, queremos soluções já, imediatamente, para os problemas que nos afligem. Não paramos em nenhum momento para analisar se aquela questão é tão difícil que pode tomar muito mais tempo do que desejamos. Como se o ser humano não suportasse o sofrimento por um longo período. Ao contrário. Se tivermos a correta dimensão do que temos pela frente, saberemos então ter a devida paciência para, ultrapassando uma etapa de cada vez, sobrevivermos e acelerarmos, posteriormente, rumo ao objetivo traçado. Nenhum problema é tão grande que não possa ser resolvido. Porém, há que ter a paciência necessária para buscar a solução.

Não havia por que insistir em enfrentar a violência do mar. O barômetro, desde a véspera bastante baixo, continuava lentamente a descer e indicava que tão cedo as condições metereológicas não melhorariam. Eu estava sendo ultrapassado por um centro de baixa pressão. Entendi que de nada adiantaria medir braços com algo maior que as minhas forças, e que em vez de teimar com o tempo e correr o risco de quebrar o barco, deveria ser paciente e saber aguardar o momento certo de continuar em frente (pág. 59).

Depois da tempestade sempre vem a bonança

Ditado mais que batido, mas que sempre nos esquecemos em meio ao turbilhão que estamos enfrentando. Momentos ruins os teremos, mas também momentos bons serão muitos – e em maior quantidade. A vida é assim, feita de altos e baixos. Temo que saber enfrentar os baixos para bem usufruir dos altos, não nos esquecendo jamais que outros reveses poderão advir.

Não passei naqueles sete dias [sete dias seguidos de tempestade] por um momento sequer de monotonia, tristeza ou desespero. Pois nada é mais certo do que a chegada do bom tempo após uma tempestade que parece interminável. (pág. 60)

Dar valor às pequenas alegrias da vida

Quantas vezes desperdiçamos o proveito que podemos tirar das pequenas alegrias da vida. Aquele sorvete num dia de calor, uma caminhada na praia com a família, um jantar quentinho depois de um dia intenso de trabalho, entre outras inúmeras coisas. Todas elas nos dão forças para enfrentar os dilemas que imaginamos gigantes, mas que se tornam menores perante a grande quantidade de alegrias que usufruímos e não nos damos conta.

A imensidão do mar tornava minúsculos os meus maiores problemas e gigantes as menores alegrias. Ensinou-me a dar valor à vida que eu levava e a pequenas coisas que às vezes passavam despercebidas. Nada no mundo era mais gostoso do que terminar o jantar e ir para cama. Nada fazia mais falta do que um travesseiro comum. (...) E então pude constatar como tão poucas coisas eram suficientes para viver em paz e bem. (pág. 119)

Navegar é preciso, mas decidir é preciso

Nossa vida é uma trajetória que construímos, e essa ser, para mim, a principal lição de Amyr Klink. Construímos com planejamento, paciência e dedicação, com coragem para enfrentar os piores momentos, sabedoria para esperar os melhores momentos, que certamente virão. Mas para que possamos seguir em frente, não podemos fugir das decisões. Elas são a alavanca que farão com que superemos as dificuldades.

Ao se caminhar para um objetivo, sobretudo um grande e distante objetivo, as menores coisas se tornam fundamentais. Uma hora perdida é uma hora perdida, e quando não se tem um rumo definido é muito fácil perder horas, dias ou anos, sem dar conta disso. O mínimo progresso que conseguisse fazer num dia em direção ao Brasil era importante, ainda que fosse de centímetros apenas. Com o tempo, eu acumularia todos os progressos e os centímetros se transformariam em quilômetros. Senti que estava cumprindo uma obra de paciência e disciplina. E percebi como é simples conseguir isso. Nada de sacrifícios extremos ou esforços impossíveis. Nada de grandes sofrimentos. Ao contrário, bastava apenas o simples, minúsculo e indolor esforço de decidir. E ir em frente. Então tudo se tornava mais fácil. Os problemas encontravam solução. (págs. 119-120).

É isso, acho que não preciso dizer mais nada. Esse foi a aprendizado que tirei deste livro. Provavelmente vocês identificarão muitos outros, se tomarem a decisão de lê-lo. É tão simples...

Um comentário:

  1. Leo, todas as "aventuras" de Amyr Klink são planejadas e estruturadas. O resultado - registrado em livros belíssimos - desmente a lenda de que o planejamento tira a aura de aventura de uma viagem.
    Li todos, me emocionei em todos, invejei em todos. Invejei por não ser capaz de tanta disciplina, tanto planejamento, tanta coragem.
    Temos muitos ensinamentos a tirar das leituras de suas viagens...

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