terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

As Esganadas

Desde que Jô Soares resolveu enveredar pelos romances policiais, nesta série publicada pela Companhia das Letras – O Xangô de Baker Street / O Homem que Matou Getúlio Vargas / Assassinatos na Academia Brasileira de Letras – ele vem presenteando os admiradores do humor por ele praticado com uma nova faceta: a ânsia por ambientar suas histórias no Rio Antigo.

Na primeira obra, que teve como personagem central um Sherlock Holmes para lá de atrapalhado, sua pesquisa histórica foi certamente intensa, consumindo grande parte do trabalho para não cometer equívocos quanto à localização dos atos nos cenários corretos. Como as demais estórias tinham, digamos, a mesma cenografia, ele soube como ninguém, a partir daí, tenho certeza, economizar esforços e buscar maximizar o uso das fontes anteriormente identificadas. Desse modo, a tendência é que sua dedicação ao bom humor dos diálogos pudesse fluir, talvez, com maior facilidade, uma vez que o agora escritor não teria nenhum tipo de preocupação exagerada em qual fonte buscar, pois as tinha a mão, para melhor enquadrar o ato que queria descrever (1)


Dessa forma, seus leitores têm um duplo prazer: o humor leve do texto e a possibilidade, pelo menos para aqueles acostumados com os logradouros do Rio Antigo, em se ter uma estória narrada em ambientes através dos quais trafegamos em nosso dia a dia. E mesmo para aqueles que não são do Rio, não deixa de ser um deleite, uma vez visitando a cidade, se surpreender se localizando na rua indicada naquela estória que o encantou.

Em “As Esganadas” – Ed. Companhia das Letras – 2011 – 262 págs – ele mais uma vez não deixa seus seguidores na mão. A estória gira em torno de uma série de assassinatos no qual as vítimas têm em comum o fato de estarem, digamos, “um pouquinho” além do peso adequado. Ele adota aqui a tática de divulgar logo de início o antagonista central – ou seja, o assassino – algo similar com o feito em “O Homem que Matou Getúlio Vargas”. Desta maneira, a atenção do leitor é direcionada para os pequenos esquetes do qual fazem parte os protagonistas – isto mesmo, no plural - uma trupe de investigadores formados por dois elementos da polícia local – o delegado-chefe Mello Noronha e o investigador Valdir Calixto, ambos obscurecidos perante o ex-detetive português Tobias Esteves (2). Além deles, se junta ao grupo uma repórter investigativa de grande beleza e audácia, Diana de Souza.


O texto leve e de bom humor é a pedida certa para uma leitura prazeirosa, em que pese rápida para quem está acostumado a calhamaços mais densos. De toda forma é algo que serve de instrumento, sem dúvida alguma, para boas risadas e como passatempo para aqueles momentos de espera em terminais de aeroporto, ônibus, barca, o que seja... O cansaço de um dia inteiro será esquecido em favor da alegria de uma boa piada. Agora, um pequeno exemplo do que encontrarão nesta obra, caso se interessem:

“Terminado o almoço, tomando o cafezinho de praxe, combinam de ir ao Mangue, conversar com Bogdana Malkowa, uma amiga da morta encontrada no cine Plaza.
- Vai me ser difícil voltar àquele cinema. É pena. Tenho belas recordações daquele sítio. Assisti lá a várias fitas do Bucha e Estica. Os acompanho desde quando era puto – afirma o português, deixando Valdir Calixto atônito.
- O senhor já foi puto? – espanta-se o desqueixelado Calixto.
- Pois não fomos todos?
- Eu não! – replica Calixto, indignado.
Noronha, rindo, se apressa a explicar:
- Puto, em Portugal, quer dizer ‘menino’, Valdir”.

(1)   Talvez o maior trabalho de pesquisa desta vez tenha sido o de vasculhar a narração de um jogo da Copa do Mundo de 1938, disputada na França, entre Brasil X Itália, feito este que provavelmente foi objeto do auxílio do jornalista esportivo da ESPN, Paulo Vinicius Coelho, um dos citados pelo autor na página de agradecimentos. Por sinal, um pequeno equívoco – falha de revisão – ocorreu justamente neste trecho, situado no capítulo 17 – págs. 112-129. Na página 118 o autor menciona “Na Itália, são dezenove horas e seis minutos”, quando na verdade a Copa foi disputada na França. Provavelmente o engano se deu pelo fato do jogo narrado ser contra os italianos, o que ludibriou o cérebro detalhista de Jô;
(2)   Aliás, a chegada de Esteves ao Brasil se dá justamente num 22 de Abril. Teria sido mais uma piada inadvertida do autor? Ou foi algo proposital?

4 comentários:

  1. Oi Leopoldo, li também este livro do Jô e me parece o que mais se aproximou do estilo de "O Xangô de Baker Street". "O Homem que Matou Getúlio Vargas" é cômico e "Assassinato na Academia Brasileira de Letras", apesar de ser também uma trama polícial, achei com um desfecho tão inverossímel que não gostei. Mesmo sendo a leitura ser leve, as cenas de assassinato são um pouco fortes, não?

    Tenho a sensação de estar lendo quase um roteiro de cinema quando leio esses livros do Jô. O filme fica bem visível na cabeça não? E o delegado lusitano é impagável.

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    1. Concordo Carlo Maurício. Diria que o Jô, assim como outros escritores, principalmente norte-americanos, têm essa visão de "produto cinematográfico futuro". Quanto às cenas de assassinato, por incrível que pareça - e ainda bem que você comentou, pois me esqueci de chamar atenção para este detalhe - me lembraram muito aquelas do famoso Hannibal Lecter, ou seja, são fortes, sim, você também tem razão neste quesito. Mas nada que impeça que os risos venham à baila com os demais trechos do livro.

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. De fato Leopoldo, se já viu a adaptação para o cinema de "O Xangô de Baker Street", certamente lembrará que a cena final (que reproduz fielmente a do livro), do último assassinato, é muito forte e quase repugnante. Vejo essas semelhanças que mencionou com o Hannibal, nos dois casos - Xangô e Esganadas.

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